"Trocar o emprego nas finanças pela arte foi a coisa mais bonita que fiz"
Com 'O Erro Mais Bonito', um dueto com Diogo Piçarra lançado a 22 de abril, Ana Bacalhau lança-se em águas diferentes das habituais. Fá-lo porque é um caminho que lhe apetece trilhar, juntar aos instrumentos acústicos a eletrónica, cumprindo assim uma das suas filosofias de vida: "arriscar sempre".
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Cultura Ana Bacalhau
'O Erro Mais Bonito', canção escrita por Ana Bacalhau em pleno verão do ano passado - e que interpreta em conjunto com Diogo Piçarra -, resultou de uma vontade da artista em falar da sua filosofia de vida, "esta coisa de arriscar".
A artista prefere arriscar sempre, mesmo sabendo que pode estar a errar. Uma maneira de ver a vida que vale tanto para a esfera pessoal como para a profissional, estando uma e outra intimamente comprometidas.
E é, talvez por isso, que o erro mais bonito de Ana Bacalhau tenha sido quando largou um emprego estável e certo por uma vida artística repleta de 'ses', mas da qual não se arrepende. É que "tem sido fruto de muita felicidade" e de "muito gozo", conta, em conversa com o Notícias ao Minuto.
Então era este ‘Erro Mais Bonito’ que andava a preparar da última vez que falámos …
Era, era [risos].
Quem nasceu primeiro, a música ou a dupla com o Diogo Piçarra?
Nasceu primeiro a música. Mas a vontade de cantar com o Diogo [Piçarra] já vinha de trás. A nossa família da estrada cruza-se, temos o mesmo road manager. Enfim, já fomos ver os concertos um do outro. Já há muito tempo que o conhecia e gostava muito de cantar com ele. Mas ainda não tinha surgido a oportunidade. É preciso haver canção certa, não é? Quando comecei a fazer a canção, achei, desde logo, que não era uma canção para cantar sozinha e depois comecei a perceber que só conseguia ouvir o Diogo cantá-la comigo, não conseguia ouvir mais ninguém.
Que características reúne o Diogo Piçarra para ter sentido isso?
É uma canção que pode fazer sentido no ADN dele, tanto como no meu, porque o Diogo tem canções no seu reportório que também falam de relações, umas que vingaram, outras que não. E depois a sonoridade dele também me interessava trabalhar. Chamei-o não só para cantar mas também para produzir. Porque estou interessada em trabalhar a eletrónica como mais um instrumento no meu próximo disco e sei que, ao trabalhar com ele esta canção, juntava o útil ao agradável. Ou seja, começar já a experimentar, através da produção do Diogo Piçarra, um som um bocadinho diferente.
Achei que era a altura ideal para falar da minha filosofia de vida perante as coisas, que é esta coisa de arriscarÉ o tiro de partida para o disco que aí vem?
É o tiro de partida. Não quer dizer que o disco tenha a sonoridade ipis verbis que tem esta canção mas terá elementos de eletrónica. Quero utilizar a eletrónica como mais um instrumento para além dos instrumentos acústicos que já estão na minha banda. Quero trabalhar isso. E, de certa forma, esta canção ajuda-me a fazer essa transição, tanto na minha cabeça como, se calhar, no público que me segue.
‘O Erro Mais Bonito’ foi escrito pela Ana Bacalhau. Em que momento é que isso aconteceu?
Escrevi-a em julho do ano passado. Deu-me vontade de escrever uma canção, peguei na guitarra, sentei-me na minha cama, comecei a experimentar acordes e, quando cheguei a uma sequência de que gostei, comecei a fazer a melodia. Quando já tinha a melodia feita, depois andei uns dias a procurar as palavras e surgiu esta coisa do ‘erro bonito’. Achei que era a altura ideal para falar da minha filosofia de vida perante as coisas, que é esta coisa de arriscar. Eu prefiro arriscar sempre, mesmo que depois possa achar que errei, que não consegui aquilo que queria, do que ficar sentada no meu conforto e na minha segurança. Prefiro sempre errar do que arrepender-me do que não fiz. Isso para mim é que é a verdadeira tragédia.
Na dúvida, arrisca sempre?
Exatamente. Na dúvida, vou sempre. E transpus isso para uma relação de duas pessoas, uma relação que está condenada à partida, que se sabe que não irá vingar, mas que essas pessoas preferem ter memórias bonitas de uma coisa que acabou do que não ter. Preferem sofrer, sabem que vão chorar, sabem que não vai ser agradável no final, mas preferem viver isso do que ficar a pensar ‘e se?’.
“Choro mas é melhor chorar o que foi feito, se não era por aí o meu caminho, foste o meu erro mais bonito”.
É isso. Tal e qual. É essa minha filosofia de vida, não só nas relações humanas, mas também na minha atitude perante a vida. Prefiro chorar por aquilo que fiz, do que chorar por aquilo que não fiz. Isso é que eu acho que nos trama.
Pelo menos viveu-se.
É.
É mais gratificante cantar as nossas próprias palavras do que cantar as escritas pelos outros?
Não me vejo como autora, escritora de canções. Escrevo quando tenho vontade, não estou sempre à procura da canção ou da melodia. Não. O que eu gosto, o que me dá gozo é ser interprete. Intérprete das minhas palavras ou das palavras dos outros. Ser um meio de. Sou eu quem comunico algo, porque tenho de vestir a pele. Eu adoro estar a olhar para alguma coisa que alguém me deu e estar a ver ‘ok, eu identifico-me, como é que eu posso passar isto para mim e para as pessoas?’. Por um bocadinho de mim, mas ainda assim, passar aquilo que alguém escreveu para as pessoas, de uma forma direta, e que as possa tocar e que seja fiel ao que autor quer, a mim, e que encontre um eco na vida das pessoas. Isso é o que me dá mais gozo.
Obviamente que há coisas que só eu posso dizer, por mais que alguém me conheça e escreva para mim, que só eu sei exprimir. Vivi-as na primeira pessoa. Há expressões que eu utilizo que só eu as utilizo. Há toda uma filosofia de vida que eu tenho. E, de vez em quando, quero falar sobre isso e escrevo uma canção e aquilo é, obviamente, discurso direto. Aí, a minha parte de intérprete está mais facilitada porque já sei de onde é que aquilo vem. É mais fácil só cantar e fechar os olhos e sentir. Mas o que me está a dar um gozo que eu não conhecia é as pessoas citarem a letra e dizerem que aquilo conta a vida delas, que significa muito para elas e que as fez sentir, que as emocionou. Isso é novo para mim. É uma coisa muito bonita e intensa.
Provavelmente, o erro mais bonito e mais importante da minha vida foi este: Eu tinha um emprego super seguro nas finanças e troquei-o pela incerteza de uma vida artísticaEstá a ter muito impacto a música? Tem sentido o pulso disso?
Das mensagens que tenho recebido, às pessoas que a ouvem chega muito e que as toca, que não é uma coisa que ouvem assim en passant, ouvem a letra e sentem. Dizem que a música é muito bonita, que se emocionaram, é isso que me dizem. Para lá dos números – que hoje em dia tudo é números, de visualizações, etc. – aquilo que mais me interessa é saber quando as pessoas ouvem, se aquilo é mais uma coisa que está para lá a encher-lhes o dia ou se é algo que lhes desperta a atenção. E isso parece que está a chegar. Isso é que me deixa feliz.
Então e qual foi o erro mais bonito que a Ana cometeu?
Provavelmente, o erro mais bonito e mais importante da minha vida foi este: Eu tinha um emprego super seguro nas finanças e troquei-o pela incerteza de uma vida artística. Provavelmente, deixar o seguro e o conforto e partir para uma coisa em que eu não sabia se ia ser bem sucedida, a curto, a médio e longo prazo… e ainda não sei, não sei o que é que vai acontecer daqui a 5, 10 anos na minha vida. Enquanto que, se estivesse nas finanças, sabia o que ia acontecer: ia ter um emprego e o meu dinheiro certinho ao fim do mês. Aqui não sei. Isso pode ser considerado um erro, mas de facto, foi a decisão mais acertada na minha vida, foi a coisa mais bonita que eu decidi, tem sido fruto de muita felicidade na minha vida.
E qual foi o erro mais bonito do Piçarra? Disse-lhe?
Já falámos. Acho que é mais ou menos a mesma coisa. Ele estava a estudar, acho que nem acabou o curso para vir para a música. Na verdade, acho que qualquer artista dirá que o erro mais bonito foi terem deixado aquela vida segura para vir para aqui, para uma vida cheia de ‘ses’. "Bom, faço isto ou não faço? Será que amanhã tenho concertos? Será que tenho trabalho ou não?”. Mas vale a pena. Esta coisa de trabalhar a arte dá um gozo incrível. Comunicar com as pessoas. Especialmente as artes performativas. Para mim, é aquilo que eu gosto. Estar em comunicação com o público, estar olho no olho. Isso dá um gozo …
E a nível pessoal, conta também com erros bonitos?
Claro. Houve relações que não funcionaram, mas que ainda bem que aconteceram porque me prepararam para não cometer erros, para fazer as coisas da melhor forma, para que as coisas resultem para que seja feliz.
Prefiro que me odeiem pelo que eu sou do que amem pelo que eu não sou. Também é uma das minhas filosofias de vida. Ser artista dá-me essa lucidez perante o olhar dos outrosSente-se agora mais livre ao cantar-se mais a si própria? Não no sentido de ter escrito a letra desta música, mas no sentido de estar a despir a pele da Deolinda e de esta canção ser mais um passo nessa direção.
No sentido em que a última palavra é minha, obviamente que isso aí me dá muito mais liberdade do que no consenso entre banda. Há sempre um meio termo que temos de conceder para que as coisas avancem quando estamos num grupo. Aqui, aquilo que sai representa-me e tento que me represente inteiramente. Enquanto num grupo, somos partes de nós, não somos nós inteiros, temos de chegar a consensos. Mas é mais angustiante [agora] porque estamos mais expostos. Se as pessoas odeiam, odeiam-te a ti, não odeiam um conceito. E é mais violento emocionalmente lidar com isso.
Não tem acontecido, pois não?
[Risos] Tenho os meus odiadores de estimação. Toda a gente tem. Felizmente, quer dizer que estou a fazer algo certo. Detestaria ser consensual. Costumo dizer uma coisa que o Kurt Cobain também dizia. Prefiro que me odeiem pelo que eu sou do que amem pelo que eu não sou. Também é uma das minhas filosofias de vida. Ser artista dá-me essa lucidez perante o olhar dos outros. É interessante as várias leituras que as pessoas fazem de quem eu sou. E posso comunicar-lhes mais diretamente quem sou. Nesse sentido, sim [sinto-me mais livre]. Mas depois, obviamente que é muito mais difícil porque tenho a responsabilidade de tudo, estou muito mais exposta.
A errar ...
E às consequências dos erros, sim. E não estou a falar pelas críticas dos outros, sou eu mesma, sou muito cruel comigo mesma quando faço algo que acho que não está bem feito. Sou mesmo muito mazinha para mim, mais do que qualquer outro troll [risos].
Sinto falta da minha juventude. Os meus amigos dizem que saíam e contam histórias das vidas universitárias, eu não tive nada disso. Arrependo-me É muito perfecionista?
Sou exigente. Às vezes a imperfeição é que é a perfeição. Sou muito exigente comigo mesma, as coisas têm de estar bem feitas, as pessoas merecem isso.
Falamos de erros sem arrependimentos. Há alguma coisa que tenha ficado por fazer e que, hoje, pensa que gostava de ter feito e da qual se arrependa de não ter arriscado?
Não. Fiz tudo o que quis. Acho é que teria feito mais cedo, mais nova. Teria desafiado mais os meus pais. Eles não me deixavam sair. Tinha-os desafiado mais e tinha vivido mais a minha vida, a minha juventude um bocadinho melhor. Não tive essa coragem de os enfrentar na altura. Sinto falta da minha juventude. Os meus amigos dizem que saíam e contam histórias das vidas universitárias, eu não tive nada disso. E arrependo-me.
Mas ainda há tempo para tudo isso.
Agora com a minha vida boémia … [risos] Não é nada, tenho uma filha, é muito menos boémia. Mas sim, adoro sair à noite, adoro esta liberdade de não ter rotinas nem horários. Se calhar, o facto de não ter vivido tanto essas noitadas quando era jovem foi bom porque não fumo, não bebo álcool, não tenho esses vícios que agora aos 40 anos me dão jeito não ter por causa da pele [risos].
Poupa-se a pele dessas agressões.
Poupo em cremes anti-rugas [risos].
E poupa-se o dinheiro que custam esses vícios.
É, é.
Tem em mente outros duetos com outros artistas da nossa praça?
Sim, tenho, mas não posso dizer, que não é para o meu disco, é para o disco de outro artista, outro homem, com quem fiz outro dueto, que há-de sair entretanto este ano. E é completamente diferente deste que fiz com o Diogo. É a sonoridade dele. Mas, sim, eu adoro duetos, adoro trabalhar com outros músicos, outros intérpretes, porque aprendo muito. Adoro aprender. Por isso é que o erro é o meu melhor amigo. Quando se aprende, aprende-se também a errar. Sou super fã de trabalhar com outros músicos, por causa dessa aprendizagem, do sair do nosso lugar de conforto para irmos ter com outros universos artísticos e de expressão. Com o Diogo aprendi em estúdio imensas coisas. A dobrar palavras, a dobrar vozes,… Aprendi imenso. Sou super fã de fazer duetos e espero continuar a fazê-los por muitos e longos anos. Com homens e mulheres.
Há alguém com quem gostasse muito de cantar?
A Maria João.
E ela já sabe disso?
Sabe, sabe. Eu agora já consigo articular duas ou três frases de jeito quando estou ao pé dela. No início, quase só me cuspia, tal era a excitação. Ainda não sinto que consigo cantar ao lado dela. Preciso de mais um tempinho e, quando estiver certa de que consigo fazer alguma coisa de jeito, que não me envergonhe a mim mesma, hei-de chamá-la para cantar comigo.
Que modesta.
Não, é mesmo verdade. A mim os nervos prendem-me logo a voz. Quando cantar com a Maria João, quero mesmo estar a gozar o momento.
O próximo disco está previsto para quando?
Ou até ao final deste ano ou no início do próximo.
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