Primavera Sound "é um modelo perfeito de festival intergeracional"
José Barreiro, diretor do Primavera Sound, foi o convidado desta segunda-feira do Vozes ao Minuto e falou do cartaz deste ano, do novo recinto e do crescimento financeiro e turístico do certame, que encabeça a lista de festivais de música deste ano e que arranca na quarta-feira, com o regresso de Kendrick Lamar a Portugal.
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Cultura Primavera Sound Porto
Os grandes festivais estão de volta. A 7 de junho, o primeiro grande festival de música volta ao Porto, com o Primavera Sound a deixar para trás a NOS no seu nome e a preparar-se para celebrar a décima edição num novo recinto preparado para novas (e maiores) enchentes.
A poucos dias do início do evento, José Barreiro, o diretor do Primavera Sound Porto, falou com o Notícias ao Minuto e explicou o crescimento do festival - que acaba por ser o primeiro grande festival do ano, antecedendo todos os maiores eventos do país -, a relação com o turismo da cidade, as dificuldades na programação do cartaz e os nomes que aguarda com maior antecipação.
O Primavera Sound Porto realiza-se entre os dias 7 e 10 de junho, no Parque da Cidade do Porto, e este ano o recinto foi aumentado para acomodar mais pessoas e nomes de maior gabarito. Kendrick Lamar e Rosalía são os artistas mais sonantes do evento, que contará com mais de 70 concertos nos vários palcos.
O cartaz deste ano é diverso, com grandes nomes como Rosalía, Kendrick Lamar ou os New Order, mas também temos muitos artistas que ainda são desconhecidos para muita gente. Que avaliação é que faz do cartaz e desta relação?
Acho que é um cartaz que caracteriza o que é o objetivo da programação de um Primavera Sound. Temos grandes nomes mais 'mainstream', artistas pop de grande dimensão - Kendrick Lamar, Rosalía -, depois numa linha mais 'old school' temos Blur, New Order, Sparks (.que será interessante ver também). E também temos esta nova geração, que eu intitulo de 'Geração TikTok', Halsey, Central Cee, etc.. No fundo, o Primavera tenta sempre conciliar aquilo que as pessoas estão a ouvir, os artistas mais emergentes mas que já têm uma dimensão numa escala bastante grande, não defraudando os de sempre.
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É este misto, esta conciliação, entre o contemporâneo e o antigo, uma mistura tão saudável, que é uma característica que o festival tem e que este cartaz encarna muito bem.
Menciona essa 'Geração TikTok', mas de facto há cada vez mais artistas que crescem graças a essas redes sociais e que, mais tarde, acabam por chegar aos palcos dos maiores festivais.
E também há outra questão. Gostamos de renovar gerações no festival. Não queremos ter só pessoas para cima de 40 anos, mas também não queremos ter só pessoas abaixo de 25. É quase um festival para toda a família: o pai quer ensinar o filho a ouvir música e tem New Order para mostrar ao filho; e vai com ele ouvir Central Cee, e agora o pai já aprendeu a gostar também. Acho que, no plano teórico, é um modelo perfeito de festival, intergeracional e com música de qualidade.
Os festivaleiros que vão estar este ano no festival vão ser estrangeiros na sua maioria (...) Já temos mais de 100 nacionalidades com bilhetes comprados
Sobre esse público em concreto, na conferência de imprensa com o presidente da Câmara do Porto, quando o festival foi apresentado, a organização falou em querer um maior crescimento de público estrangeiro, especialmente norte-americano. Mantêm essas expectativas de crescimento?
Mantemos. Quem viaja pela música, é um público que não vem apenas um dia ao festival e, portanto, acaba por adquirir o bilhete de acesso aos dias todos do festival. Os festivaleiros que vão estar este ano no festival vão ser estrangeiros na sua maioria. Depois quando entra o bilhete diário, também temos estrangeiros a comprá-los, mas a proporção é completamente diferente. O bilhete diário é comprado mais por portugueses.
Tem a ver com vários fatores que podemos analisar, nomeadamente a questão da proximidade - vou ver Kendrick Lamar, Rosalía ou Blur, porque se calhar já não tenho idade para ir quatro dias -, mas quem viaja propositadamente para a cidade do Porto para ver o festival, vê-o como um todo. E daí a maioria dos passes serem vendidos, quer para fora do Porto, quer para fora do país. Mas já temos mais de 100 nacionalidades com bilhetes comprados, mantemos a matriz dos últimos anos e pensamos que o festival cresce também graças a essas pessoas que vêm propositadamente à cidade do Porto para assistir ao Primavera Sound.
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Outro fator que também justifica isto penso que possa ter a ver com a questão financeira. O passe geral custa 170 euros, o bilhete diário custa 70 euros. Se queremos muito ver um artista, se calhar abdicamos, até gostamos do resto mas o dinheiro não estica, estamos num período que não é fácil.
Bilhete devia ser mais caro. É muito difícil de encontrar um festival análogo em qualquer outro país por essa Europa fora por menos de 250 a 300 euros
E mesmo tendo essa perceção sobre tempos difíceis, acha que o valor do bilhete é adequado?
Adequado não é porque devia ser mais caro. Agora, terá o público português capacidade para pagar bilhetes mais caros do que isto? Tenho as minhas dúvidas também, e tentamos sempre conciliar estes dois fatores: o orçamento cresce todos os anos e o bilhete teve de crescer também, mas não na medida que nós gostaríamos, e aumentamos imenso o nosso risco de sucesso ou insucesso. Porque um festival análogo em qualquer outro país por essa Europa fora é muito difícil de encontrar por menos de 250 a 300 euros.
Nós precisamos dessas verbas, precisamos desse dinheiro, eu vou fazer o festival sem saber se serei apoiado
Na conferência de imprensa, Rui Moreira também criticou muito as entidades turísticas e agências de publicidade, alegando falta de apoio e de investimento. O crescimento exponencial do público estrangeiro, que tem um impacto no turismo, traduziu-se num maior investimento no festival e no turismo?
Honestamente, acho que vivemos duas realidades diferentes: a realidade do país em geral e depois a realidade do que são as entidades públicas deste país. Só para dar um exemplo, estamos a uma semana do festival, e as candidaturas para o Programa Portugal Events, lançado pelo Turismo de Portugal, ainda não encerraram. Nós precisamos dessas verbas, precisamos desse dinheiro, eu vou fazer o festival sem saber se serei apoiado. Aliás, nós já nos candidatámos no passado, recebemos verbas bastante pequenas, mas em vez de isto ser melhorado, todos os anos se torna pior.
Sobre o turismo, concordo a 100% com o presidente da Câmara do Porto, porque de facto há uma realidade que acontece em certas zonas do país que não é o reflexo da realidade que o resto do país vive. A esse nível, embora apresentemos todos os relatórios sobre bilhetes vendidos no exterior, o número de viagens, de hotéis esgotados, nada disso que os faz abrir candidaturas mais cedo e dar sustentabilidade a eventos - a Entidade Regional de Turismo de Porto e Norte apresenta o Primavera Sound como uma das bandeiras, mas é uma entidade que não tem dinheiro para nos apoiar, depende do Turismo de Portugal.
O presidente da autarquia fez várias críticas às entidades públicas e "concentração de agências publicitárias em Lisboa", queixando-se de "um tratamento quase colonial"© Getty Images
Isto é um imbróglio tal que não sei se vai melhorar, não vejo evolução nenhuma e é uma pena que assim seja, porque parece que as entidades turísticas vivem noutro mundo que não é o real.
Isso sobre o apoio público e agora sobre o investimento privado. Em março, o Primavera Sound disse que precisava de um orçamento de 13 milhões de euros e, na altura, o José Barreiros disse que sem um patrocinador que dê o naming ao festival criam-se outras dificuldades. Desde então, foi possível colmatar essa saída da NOS do naming do festival?
Bem, o naming do festival é uma opção estratégica da marca Primavera Sound não ser associada a uma marca. Nos próximos anos, não vemos a necessidade de ter um naming sponsor. Agora, parceiros que apostem em patrocínios, para terem visibilidade, para se associarem ao Primavera Sound, conseguimos alguns, já estamos em negociações para os próximos anos para termos outros parceiros, e acho que isto é um processo em constante evolução. O naming sponsor não é a panaceia que resolve os problemas dos festivais, ele não existe em mais lado nenhum do mundo a não ser em Portugal, portanto não é por aí que as coisas se resolvem.
Reunimos um leque de parceiros e que não obriga a que haja um naming diferente do que Primavera Sound Porto. E valorizo o esforço que a câmara fez para continuar a ter o festival na cidade, acreditar no festival; a cidade gosta do Primavera, o Primavera gosta do festival, e acho que nos próximos anos irá ficar assim.
A dificuldade é substituir artistas, porque entretanto já estamos no ano da edição, o festival é passados três meses, às vezes dois ou um, e é muito difícil responder a esses cancelamentos
Mas, no final de contas, a música é o que importa. Houve algumas alterações no cartaz, e alguns cancelamentos - FKA Twigs foi o nome mais sonante dos que saíram. Quais é que foram as maiores dificuldades na construção deste cartaz, e os pontos mais fortes?
Para explicar um pouco como funciona o processo de contratação, nós fechamos o cartaz no final de novembro, início de dezembro, por essa altura. E há artistas que pensam que vão ter músicas e discos novos. O concerto de FKA Twigs estava marcado desde julho do ano passado. Entretanto os planos mudam e os artistas, tal como em tantas outras atividades das nossas vidas, não querem vir mostrar o que já tocaram em 'tours' anteriores, portanto é legítimo que eles cheguem a um ponto em que digam "não consegui ter as coisas prontas, porque falhou isto e aquilo, e então suspendo a participação no festival".
Acho que isso é normal. A nossa dificuldade é depois substituir esses artistas, porque entretanto já estamos no ano da edição, o festival é passados três meses, às vezes dois meses, surgem cancelamentos de última hora, e é muito difícil de responder a esses cancelamentos. Mas é uma coisa normalíssima num festival que é feito de um ano para o outro. Neste momento, já estamos a falar com artistas para 2024, já não estamos neste ano.
É um processo tão volátil que acaba por acontecer isso. Outra dificuldade é arranjar artistas, que substituam artisticamente, que tenham interesse para o festival apresentar. Na última semana saíram os Bleachers. Foi comunicado na sexta-feira de manhã. Eles têm uma justificação oficial, sobre dificuldades logísticas... não acabou as coisas a tempo e desiste de vir. A uma semana é muito difícil de substituir. Temos de ir um bocadinho ao cartaz de Madrid e de Barcelona ver o que pode vir, porque depois os artistas já têm outros compromissos, e é um exercício sempre complicado e o objetivo é sempre arranjar o melhor nome possível.
A maior alegria este ano foi, depois de termos lançado em dezembro o cartaz, poder em meados de fevereiro lançar New Order, que era uma banda que queríamos e na altura não podia, mas entretanto pôde. Foram eles que vieram ter connosco perguntar se ainda estava aberta a possibilidade de virem. Portanto tivemos notícias tristes - a saída de FKA Twigs é uma má notícia -, que foi substituída por Alison Goldfrap, mas ao mesmo tempo também acrescentámos então New Order, que é uma coisa boa e que o público compreendeu que este é um processo dinâmico e não podemos fugir dele.
Com o crescimento do festival, tem de obrigatoriamente ser muito mais confortável do que no ano passado (...) São quatro dias e só falta o São Pedro ajudar para termos o festival perfeito
Qual é o concerto em que decidiu que vai ter mesmo de desligar o telemóvel e vai para o meio do público ver?
Para mim, o concerto em que tenho mais expectativa é Fred again... acho que é um artista que tem sido inovador num estilo mais eletrónico, o último álbum dele é fantástico dentro da música eletrónica, e tenho curiosidade de ver aqueles da minha geração, como os Sparks, os New Order ou os Blur.
E quais são então as expectativas finais do festival em termos de bilheteira e de sucesso?
Neste momento, já garantimos mais pessoas do que no ano anterior, continuamos a crescer, ainda falta uma semana e pouco de vendas, vamos ter mais uma vez um público recorde no festival. Temos sentido uma procura muito grande de última hora, o que também justifico um bocadinho por esta crise e pelo adiar de decisões, e que também associo à pandemia, que nos colocou renitentes em comprar bilhetes com muita antecedência.
A expectativa é que, com o crescimento do festival, tem de obrigatoriamente ser muito mais confortável do que no ano passado. Tivemos clara sensação de que o recinto anterior estava no seu limite, e o crescermos mais quatro hectares de Parque da Cidade e de zona envolvente vai-nos permitir, penso eu, a ter essa capacidade de conforto e de continuarmos a ter o festival mais confortável do país.
São quatro dias e só falta o São Pedro ajudar para termos o festival perfeito.
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