Inéditos revelam relação cúmplice entre Natália Correia e António Sérgio
Um livro com documentos, maioritariamente inéditos, de Natália Correia, que testemunham a relação cúmplice, de partilha de lutas e ideais, com o pensador António Sérgio, chegou às livrarias, quando passam 25 anos da morte da poeta.
© Lusa
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"Entre a Raiz e a Utopia (Escritos sobre António Sérgio e o Cooperativismo)", editado pela Ponto de Fuga, inclui três datiloscritos inéditos escritos por Natália Correia sobre António Sérgio, maioritariamente em 1983, aquando do centenário do nascimento do pensador, pedagogo, ensaísta e cooperativista.
Esta edição, resulta de uma pesquisa na biblioteca e arquivo público de Ponta Delgada, onde estão depositados documentos da escritora açoriana, entre os quais datiloscritos, manuscritos e recortes de jornais, explica a escritora e investigadora científica Ângela de Almeida, que assina a introdução e faz as notas do livro.
Como resultado dessa pesquisa, foram também incluídos neste volume três artigos de Natália Correia sobre cooperativismo, publicados em jornais, acrescenta Ângela de Almeida, que defendeu uma tese sobre a simbólica da ilha e do Pentecostalismo em Natália Correia, sob orientação de Urbano Tavares Rodrigues.
Os documentos constantes de "Entre a raiz e a utopia" correspondem a pelo menos 12 anos de uma relação de "profunda cumplicidade e de luta pelos ideais universais, vivida entre poeta e pensador, na senda do cooperativismo e da paz", diz a especialista.
Natália Correia e António Sérgio conheceram-se em 1946 -- a jovem poeta com 23 anos e o pedagogo com 63 -- e aderiram ao Movimento de Unidade Democrática (MUD).
No mesmo ano, António Sérgio foi admitido na Cooperativa Fraternidade Operária, e Natália Correia ingressou, no ano seguinte, passando a fazer parte de um grupo de intelectuais, entre os quais se contavam António Pedro, Adolfo Casais Monteiro e Ramada Curto, assim como "outros vultos maiores das letras que se opunham à ditadura de Salazar", segundo as palavras da própria Natália Correia.
Mas a grande cumplicidade que aluna e mestre criaram e desenvolveram nos anos de ditadura em Portugal ganhou força em 1948, na sequência da proclamação, pela Assembleia Geral da ONU, da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Além disso, partilhavam vivências e ideais: foram duramente perseguidos, almejavam a liberdade e sentiam-se atraídos pelo cooperativismo.
Ambos lutaram pela candidatura de Norton de Matos à Presidência da República e, dez anos mais tarde, participaram na candidatura de Humberto Delgado, cuja derrota foi "fatal para o ânimo de António Sérgio, que esmoreceu gradualmente a partir desta deceção", descreve a poeta.
Outro episódio de relevo contido neste volume é a primeira visita de Natália Correia aos Estados Unidos da América, em 1950, cujos motivos são explicados num dos documentos inéditos agora publicados.
Com apenas 26 anos, a poeta partiu "levando uma missão" de que o mestre a incumbira: pôr-se em contacto com Norman Thomas, líder do Partido Socialista norte-americano, com quem António Sérgio mantinha relações, para tentar que este despertasse o interesse da opinião pública norte-americana para a causa da resistência ao fascismo.
A escritora contou como encontrou um "desiludido", que lhe deu uma resposta "desanimadora": "Diga ao nosso Sérgio que aqui o socialismo é pregado no deserto. Para mim, acabou-se. Não posso dar-lhe qualquer espécie de colaboração".
Natália Correia descreve também a forma como António Sérgio mantinha uma relação fraterna com muitos jovens que o rodeavam, porque "tinha o condão de se fazer amar".
"Tão elegante, tão atentamente estético era António Sérgio em casar os seus contrários num corpo de ideias inteligentemente organizado, que nós, jovens seduzidos pelo fulgor multidisciplinar do seu discurso, nele víamos a panaceia para todas as injustiças que nos revoltavam", foi como Natália Correia definiu o ensaísta e pensador, que escolheu para mestre.
O Centro Cultural de Belém dedica hoje um programa a Natália Correia, que se estende das 15:00 às 19:00, em que será abordada "a intervenção cívica e cultural" da escritora, e o seu "pensamento inovador". Será também recordado o processo que lhe foi movido pela publicação da "Antologia da poesia erótica e satírica", nos anos da ditadura.
Natália Correia nasceu nos Açores, em 13 de setembro de 1923. Morreu em Lisboa, há 25 anos, em 16 de março de 1993.
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