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"Fui campeão de Portugal algumas vezes, mas nunca tive apoios"

Velocista conseguiu a primeira medalha de Ouro lusa nos Jogos Europeus que decorrem na Bielorússia. Com um registo de 10'35 nos 100m, Carlos Nascimento bateu toda a concorrência e fez soar a Portuguesa em Minsk. Esta quarta-feira é entrevistado do Desporto ao Minuto.

"Fui campeão de Portugal algumas vezes, mas nunca tive apoios"
Notícias ao Minuto

08:01 - 26/06/19 por Sérgio Abrantes

Desporto Carlos Nascimento

Carlos Nascimento nasceu em Matosinhos há 24 anos. No passado domingo venceu a medalha de Ouro nos Jogos Europeus de Minsk com um tempo de 10'35 nos 100 metros. 

Esta quarta-feira, o atleta do Sporting conta-nos um pouco do seu percurso, as dificuldades que enfrentou, falando também do papel essencial do seu treinador para todo este sucesso.

Assumindo a dificuldade em conseguir apoios, este jovem diz que é preciso repensar o atletismo português, lembrando o papel essencial que a classe política pode ter na divulgação de uma modalidade que é também um estilo de vida.

Passaram dois dias [à altura da entrevista] desde a sua vitória. Já conseguiu digerir toda a emoção associada à conquista da medalha de Ouro?

Acho que já. Está a ser bastante bom. Já consegui cair mais na real, as águas já acalmaram, por assim dizer. Olhando para o que se passou, acho que é um marco importante na minha carreira, mas também no desporto internacional para o atletismo português. Infelizmente, Portugal é quase só futebol e é bom que atletas como nós possam elevar o nome do país.

Sente-se um herói improvável ou já estava à espera deste resultado? 

Tenho de ser sincero, vinha com o feeling de que era possível ir ao pódio, porque sei a minha valia e a época que fiz. Os treinos estavam a correr bem e estava numa boa forma. Depois de ver os atletas que iam participar e o formato da competição, achei que era possível estar presente no pódio. O Ouro é uma coisa que uma pessoa deseja mas que nunca sabe se se vai conseguir... Mas veio e fico feliz por isso. Acho que é um Ouro bem merecido pela época que tenho feito. Deste ponto de vista, era uma coisa que já era expectável e ainda bem que se realizou.

Notícias ao Minuto[Carlos Nascimento durante a prova que lhe deu o Ouro nos Jogos Europeus] © D.R. Carlos Nascimento

O modelo de competição acabou por deixá-lo mais pressionado ou foi uma vantagem para si?

Acaba por ser um pau de dois bicos. Por um lado, seria muito melhor se pudéssemos competir todos juntos. Por outro lado, acaba por ser bom cada um correr separado. Assim, logo à partida, já sabia o que tinha de fazer para estar entre os três primeiros. Acabou por ser positivo para mim. O desporto também acaba por ter um fator sorte. Podia ter ido na primeira série, mas fui na última e já sabia o que me esperava e o que era necessário fazer para estar presente no pódio. Eu acredito plenamente que se fôssemos todos juntos as coisas não iam mudar muito. Temos acesso ao resultados dos outros atletas e antes de competir fiz esse trabalho. Em termos de marca anual a minha marca era a primeira entre os atletas que estavam a competir. No decorrer natural das coisas acho que também poderia ter acontecido.

Mas sentiu-se mais pressionado por ter de fazer um resultado?

Acabou por ser um alívio porque o primeiro lugar estava ao meu alcance pois era uma marca que estava a fazer regularmente. Parti com o pódio quase certo, mas há corridas e corridas. Ainda bem que correu tudo bem e terminei com o primeiro lugar.

Em entrevista, depois da sua vitória, disse que era preciso "acreditar dentro de nós que é possível"... Como é que isto se materializa, consegue explicar?

Acho que em termos desportivos sempre fui assim. Sempre fui um rapaz muito competitivo. Claro que há provas e provas. Há provas em que não tenho tanto essa noção porque estou mais descontraído. Nas provas em que me proponho a ter um bom resultado e um título, por exemplo, que marque a minha carreira, digamos que o que eu faço é pensar naquilo que vai acontecer. Não é ficarmos obsessivos com isso, ou querermos demais, porque o tombo pode ser maior... Dentro de mim, eu tento pensar como vai ser a minha prova, lembro-me como foi a semana de treinos, como está a minha forma física. Muito mais do que focar só no trabalho, é preciso acreditar no que estamos a fazer e que as nossas capacidades nos permitem chegar aos nossos objetivos. Foi isso que eu fiz aqui em Minsk. Sabia que estava em forma e dentro da minha cabeça consegui imaginar-me a cortar a meta em primeiro, imaginar-me a vencer este título. O essencial é não criar muitas expetativas, mas, dentro do que sabemos que é possível, devemos acreditar que vamos realizar o que queremos.

Notícias ao Minuto[Carlos Nascimento depois de ter recebido a medalha de Ouro]© D.R. Carlos Nascimento

Ouvimos falar de Nélson Évora, Telma Monteiro, Fernando Pimenta... Talvez desde Francis Obikwelu que já não se dava esta atenção à modalidade. Acha que pode ser esse o elo que faltava? O que tem corrido menos bem nesta especialidade?

Acima de tudo, faltam condições. Faltam condições de treino, faltam pessoas a acreditar nos atletas, falta também dar a conhecer o atletismo. O que nos diferencia muito em relação aos países europeus, nos outros nem se fala, são mesmo as condições de treino e as condições que temos para competir em Portugal. Precisamos de apoios. Falando no meu caso: Fui campeão de Portugal já algumas vezes, mas nunca tive apoios de marcas desportivas. Recentemente, consegui o apoio de uma marca desportiva, mas muito graças a ter escolhido uma marca que não tem muito protagonismo nos dias de hoje. Eu vejo lá fora muitos atletas que são piores que eu mas que têm todos os apoios e mais alguns. Não é por falta de vontade minha, ou por falta de enviar currículo, que endereço para ginásios, para marcas... não é má vontade, não é por não quererem ajudar, é por não ter um manager. Por nós, é muito difícil arranjar patrocínios. Estamos a falar de um desporto em que para ter as marcas connosco é preciso ir ao estrangeiro, por exemplo. Se não tivermos essa possibilidade em termos financeiros é uma oportunidade que se perde. Há pouco dinheiro em Portugal para investir na modalidade, há falta de condições de treino...

Como é que poderíamos dar esse salto, trazendo também mais espectadores para a modalidade?

Passa muito pela comunicação social. Acho que olhamos para o futebol, que tem um impacto gigante, e qualquer pessoa conhece o Cristiano Ronaldo. Se formos perguntar a alguém por Francis Obikwelu, que é vice-campeão Olímpico e que ainda é recordista europeu, ninguém sabe quem ele é. É muito triste que assim seja. Acho que grande parte deste problema é a comunicação social não vir cá para fora e ajudar a explorar este tipo de desporto. Acho que as próprias federações e instituições também não investem muito no marketing ou nas pessoas para virem ver as provas. A qualquer país que vá, em provas que nem são assim tão conceituadas, é preciso pagar para entrar e os estádios estão cheios. Em Portugal, não se paga entrada e os estádios estão vazios. Isto para os atletas é desmotivante. Devia investir-se mais no marketing. Temos um talento incrível em Portugal, em várias modalidades, e isso não passa cá para fora. 

Sente-se injustiçado quando, por exemplo, vê o que aufere um futebolista? 

Sim, claro, acho que é o mal geral no atletismo, todos nos queixamos disso. A verdade é mesmo essa. Não estou a dizer que um jogador de futebol não treine tanto como eu, que não mereça tanto como eu ter um apoio, mas estamos a falar de valores que noutras modalidades não existem. Nós não somos menos que eles [futebolistas], essa é a questão. No atletismo e outras modalidades há um grande esforço físico e mental... no futebol vão fazer um jogo e no final sabem que estão com os seus milhões e, mesmo que percam, esse dinheiro vai lá estar. Para nós não é bem assim. Um ano de lesões e tudo pode ir por água abaixo e o que temos não é muito. É um sentimento geral: os atletas estão descontentes com aquilo que recebem. Somos muito pequeninos em relação a outros desportos.

Já saiu do Sporting, voltou ao Sporting... Como foi todo este percurso? E aproveito ainda para lhe perguntar se os salários de um clube como o Sporting podem rivalizar por exemplo com os de um clube estrangeiro...

Quero acreditar que sim. Não tenho nada a apontar do Sporting. É um clube que, de facto, devemos respeitar muito, assim como o Benfica. São os únicos clubes que apostam realmente no atletismo e que proporcionam aos atletas condições para poderem continuar a treinar e competir e fazer disto a sua vida. Comparativamente ao panorama europeu, é tudo muito semelhante. É tudo muito 'regulado' em termos de valores e prémios. A única coisa que varia são os meetings. Em Portugal, ganhando um meeting de 100 metros, por exemplo, pode não se ganhar nada, e se for lá fora lá fora já é um prémio mais agradável. Mas isso não é tanto culpa dos clubes. É o dinheiro que vem para as associações. Os clubes são o principal pilar para podermos continuar a competir e fazer disto vida.

As crianças, por norma, dizem sempre que querem ser futebolistas. O Carlos olhou para o atletismo e disse 'quero ser campeão aqui' ou foi um percurso que deu alguma volta?

Desde muito pequenino que gostava de ver o atletismo, nomeadamente os Jogos Olímpicos. Eu sempre gostei de ver as provas de velocidade, mas nunca foi uma coisa que dissesse 'vou praticar este desporto'. Eu, como todas as crianças, por causa do mediatismo à volta do futebol, também queria ser futebolista. Embora nunca tenha enveredado por esse ramo, até porque os meus pais não gostam muito do ambiente que se vive no futebol. Não só pela educação mas por uma competição que muitas vezes não é saudável.

O atletismo surgiu porque em corridas que fazia na escola os professores tiveram a perceção de que eu era mais rápido do que rapazes bastante mais velhos e mais altos que eu. Isso gerou a curiosidade do que eu poderia dar à modalidade. Entretanto, fiz natação, mas depois acabei por fazer uma pausa e o meu pai via-me agarrado à Playstation e não gostava. Disse-me para fazer algum desporto e eu ouvi na rádio que um clubezinho aqui no Porto fazia atletismo. Ele disse-me que achava que eu devia ir tentar. O meu treinador, que já me conhece desde nascença, era treinador de atletismo e falámos com ele... No dia a seguir fui treinar com o filho dele e foi aí que tudo começou. Repararam que eu tinha qualidades e fui ascendendo desde o desporto escolar. No primeiro ano de atletismo consegui ir à seleção. Com três semanas de treino bati o recorde nacional e foi aí que percebemos que podia ter alguma qualidade.

Notícias ao Minuto[Carlos Nascimento com o seu treinador em Minsk]© D.R. Carlos Nascimento

Qual é o papel de um treinador de um homem que corre os 100 metros?

É um papel importantíssimo. Não estou a dizer que noutras modalidades não é, mas nos 100 metros estamos a falar de questões de centésimos de segundos. Fisicamente nem temos bem noção do que é isso, são tempos incríveis só de pensar. Ele tem um papel muito importante no que é a nossa condição física, mas essencialmente na nossa construção psicológica. Há barreiras, há medos... Quando há lesões, um velocista demora muito tempo a voltar. Como é uma coisa muito física em que o corpo dá o máximo e excede níveis de força, etc, o treinador tem um papel fundamental para nos ajudar a ultrapassar estas barreiras. O meu treinador sempre teve um papel bastante positivo. Ele sofre mais do que eu, acredita mais do que eu... Ele é a peça fundamental para que tudo isto seja possível. 

Qual é a rotina de um atleta que vai competir para o Ouro? 

Depende muito do que esteja a fazer. Este ano comecei o curso de desporto, mas para chegarmos, por exemplo, a uns Jogos Olímpicos, é preciso vivermos o atletismo a 100%. Este ano parei um bocadinho e comecei a dedicar-me ao atletismo. A rotina é acordar, comer, descansar bem, treinar bem e não passa muito mais além disso. Os treinos são muito alternados. Não fazemos dois treinos iguais. 

Já passou por dificuldades para se poder dedicar ao desporto? 

Logicamente. Todos os que têm sonhos relacionados com o alto rendimento têm de pôr de parte o que é considerado normal e temos que olhar para o que é positivo e negativo para nós. Saídas à noite só acontecem, por exemplo, quando estou de férias e pouco mais. Álcool, e tudo mais, é uma questão proibida... Muitas vezes uma noite mal dormida é um treino menos conseguido e o nosso adversário pode ganhar vantagem assim. Temos de estar extremamente focados naquilo que fazemos diariamente.

Sente-se recompensado pelo que faz? 

Sem dúvida! Muitas vezes andamos três ou quatro anos atrás de uma marca (objetivo desportivo) e ela não surge. Estamos a falar de três ou quatro anos de treino exigente e diário. Quando a marca não surge... as coisas são muito complicadas. Mas nunca é motivo para desistir. O trabalho é sempre recompensado. Eu não considero que aquilo que fazemos são sacrifícios. E logicamente que quando os objetivos são alcançados é um sentimento de explosão. Sem dúvida que depois de meses de trabalho conseguir a marca que queríamos é um sentimento que recompensa. 

Tem alguma referência no desporto e no atletismo?

No atletismo é lógico que, em termos nacionais, é o Obikwelu, não só porque trouxe ao meu ramo, mas por todas as dificuldades que passou para chegar onde chegou. Já o conheço há alguns anos e é uma pessoa extremamente humilde. Olhamos para ele e nem percebemos que é vice-campeão Olímpico e que é recordista europeu. Em termos internacionais acho que toda a gente olha para o Usain Bolt. Não só pelo que ele é, pelo que ele trouxe ao atletismo, mas pelo legado que deixa. Se o atletismo é o que é hoje também é muito por causa de Bolt. Por todos os recordes e a festa que faz quando está em pista... óbvio que é uma referência mundial.

9,58 segundos... vê algum português a conseguir bater a marca?

Não, honestamente nem um português nem qualquer outra pessoa. É uma marca de outro mundo. Ou se têm qualidades físicas e genéticas para isso acontecer ou não acontece. Acho que durante longos anos vai ser muito difícil alguém bater ou aproximar-se deste registo. Mas estão a aparecer alguns velocistas com uma qualidade muito boa que há um ano não existia... Porém, acho que vai ser um recorde para durar muitos anos. Mas, um português, duvido que algum dia haja algum que consiga bater esse tempo. 

Gostaria de ter o aeroporto cheio no regresso a Portugal? 

Sim, é sempre muito bom sabermos que chegamos ao nosso país e somos recebidos com carinho e amor. É bom saber que as pessoas reconhecem o nosso valor e vão lá para nos congratular. Isso é uma sensação inexplicável. Mas o essencial é chegar ao aeroporto e ter lá a minha família e as pessoas de quem mais gosto e que eu amo. Isso é o principal prémio. Se não estiver lá ninguém e estiver lá a minha família, já saio de coração cheio. Claro que ter alguém para reconhecer o nosso trabalho é sempre uma sensação boa.

Recentemente vimos alguns políticos, nomeadamente o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a receber atletas por feitos conseguidos com a camisola portuguesa. Também gostaria de receber essa 'menção honrosa'? 

Gostaria! Acho que daria uma ajuda à modalidade, não tanto por mim. Claro que adorava ser reconhecido a esse nível, mas o mais importante é transparecer que o atletismo traz muitas medalhas para Portugal. Julgo que somos a modalidade que mais medalhas trouxe a Portugal... É excelente ter esse reconhecimento e as pessoas que estão de fora perceberem que temos esse apoio. Isso [o apoio do presidente] pode mudar muita coisa e fazer com que as pessoas se interessem bastante mais pela modalidade, pode ajudar a encher estádios... acho que isso seria a cereja no topo do bolo. 

Quais são os seus objetivos enquanto atleta e pessoa? 

Acima de tudo, o principal objetivo é ir aos Jogos Olímpicos. Isso é o expoente máximo que ambiciono para a minha vida de atleta. Claro que quero continuar a bater recordes, continuar a ter títulos, deixar um marco para que as gerações futuras possam olhar para trás e olharem com orgulho e dizerem: 'Olha está aqui um campeão'. No atletismo as coisas são muito efémeras. Hoje somos lembrados e daqui a uns anos já ninguém se lembra. Gostava que as gerações futuras pudessem olhar para o que eu fiz com um sorriso na cara.

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