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"Só queremos ser tratadas com igualdade. Deixem-nos brilhar"

Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, Ana Capeta antevê que o futebol feminino vá "crescer bastante" em Portugal nos próximos anos, e deixa um conselho às mais novas: "Quando querem muito uma coisa, lutem por ela e não desistam"

"Só queremos ser tratadas com igualdade. Deixem-nos brilhar"
Notícias ao Minuto

08:20 - 11/09/19 por Carlos Pereira Fernandes

Desporto Ana Capeta

O campeonato nacional de futebol feminino arranca já este fim de semana, e a primeira jornada contará desde logo com um 'escaldante' duelo entre Sporting e Sporting de Braga, que traz memórias especialmente agradáveis a Ana Capeta.

A avançada de 21 anos saltou do banco na final da edição 2016/17 da Taça de Portugal para, já no prolongamento, marcar o golo que selou a vitória leonina sobre o Sporting de Braga.

E, apenas três meses depois, voltou a fazer das suas: rendeu Joana Marchão aos 82 minutos, quando as leoas perdiam por 0-1, e assinou um hat-trick que significou a conquista da Supertaça.

O 'efeito Capeta' virou, então, notícia. Uma expressão que, no entanto, não agrada à internacional portuguesa, que com bom grado dela abdicaria por um lugar a 'tempo inteiro' no 'onze' inicial.

Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, Ana Capeta fala das influências do pai aquando da entrada no mundo do futebol, das lesões que teve que ultrapassar e das expetativas para o futuro, não só da própria e do Sporting, como também do futebol feminino em Portugal.

Confesso que não estava à espera de chegar a este nível e de, um dia, ganhar dinheiro com o futebol

O Campeonato do Mundo teve assistências históricas, temos agora também o Benfica na I Liga... Sentes que esta 'explosão' torna mais fácil a entrada das raparigas no mundo do futebol do que na tua altura?

Mais fácil não digo, porque cada vez há mais raparigas a jogar. A competitividade é cada vez maior. Têm mais condições, sim, mas a dificuldade se calhar vai aumentando.

E no teu caso, como é que entraste no futebol?

Comecei a ver jogos do meu pai e a jogar aos intervalos. Daí cresceu o amor pelo futebol. O meu pai jogou em várias equipas no Alentejo. Chegou a jogar em Ourique, em Aljustrel… Mas era bom jogador.

Melhor do que tu?

Era, era… Quer dizer, se calhar sou eu melhor, que marco mais golos [risos].

Como é que os teus pais reagiram quando disseste que querias fazer carreira no futebol?

Ficaram contentes. Afinal, estava a tirar uma coisa do meu pai… Acho que isso é bom. Não podemos fazer todos o mesmo. Se todos gostássemos de amarelo, o verde não existia.

Sempre acreditaste que era possível fazeres vida do futebol?

A este nível, não. Confesso que não estava à espera de chegar a este nível e de, um dia, ganhar dinheiro com o futebol. Sempre foi um objetivo pessoal e familiar, porque sempre fui bastante apoiada pela minha família.

Saíste de casa muito cedo. Como foi essa mudança?

Comecei a jogar em Rio de Moinhos e, aos 16 anos, fui para Ourém, jogar num campeonato nacional. Na altura, foi uma realidade completamente diferente, com uma competitividade diferente. Foi uma boa aprendizagem. Felizmente, pude voltar a ter a alegria de sentir o que é estar num campeonato nacional, depois da infelicidade das lesões que tive.

Tiveste uma lesão grave que te deixou quase um ano parada. Como foi enfrentar uma situação dessas tão cedo?

Foi complicado. Tive a mesma lesão duas vezes, a segunda passado exatamente um ano da primeira. Foi um bocado complicado de lidar. Depois de ter passado por uma recuperação, ao fim de três meses já estar a fazer outra… Na altura nem queria acreditar, mas tive que me agarrar ao que me puxava e ao que me deixava feliz para poder superar esse momento.

Alguma vez te passou pela cabeça desistir?

Não, nunca. Apesar de muita gente, se calhar, dizer que o melhor seria não continuar, não pensei desistir.

Sporting? Não vou dizer que foi só por ser o clube do coração, mas iria ser uma coisa completamente diferente

Chegaste muito cedo ao CAC da Pontinha, com 18 anos…

A mudança foi feita com o intuito de fazer a melhor recuperação possível. Depois de um ano parada… Tive propostas para jogar na I Liga, mas não era o melhor para mim integrar um campeonato nacional. Provavelmente, iria fazer demasiados esforços para aquilo que o meu joelho podia aguentar. Assim, recuperei a 100%, consegui o principal objetivo, que era a subida de divisão, e fui feliz.

Como foi a adaptação a Lisboa?

Na altura, quando estava no CAC, vivia no Alentejo. Basicamente, treinava durante a semana com rapazes, com a equipa de iniciados, em Aljustrel. Depois vinha, à sexta-feira treinava com a equipa, e jogava no fim de semana.

E nunca aconteceu colocarem-te à parte, por seres rapariga?

Não, nunca senti isso. Até porque era mau demais se me colocassem de parte, porque eram meus amigos. Sempre foi muito tranquilo, sempre tive o apoio e ajuda de todos, inclusive do treinador.

E agora, preferes viver em Lisboa ou no Alentejo?

Em Lisboa [risos]. Às vezes as saudades apertam, mas gosto mais de estar aqui. A minha família vem cá ver-me em todos jogos.

Na altura, quando surgiu a proposta do Sporting, já estavas à espera?

Fui apanhada um pouco de surpresa. Foi na altura em que iniciaram o projeto. Até estava na seleção quando recebi a chamada com a proposta para vir para o Sporting. Fiquei um pouco de pé atrás. Não sabia com quem estava a falar nem se aquilo era verídico. Depois acertámos tudo e fiquei bastante contente.

O que te levou a dizer que sim?

Não vou dizer que foi só por ser o clube do coração, mas iria ser uma coisa completamente diferente. As condições eram completamente diferentes, a aposta ia ser completamente diferente… Iria conseguir ganhar alguma coisa com o futebol, o que nunca tinha acontecido.

A nível de condições, houve alguma coisa que te tivesse surpreendido mais?

Claro que nunca tive as condições que tive no Sporting. As condições são ótimas. Estar naquele meio, numa Academia e por vezes ver jogador da equipa masculina, era uma coisa fantástica.

Nunca houve a possibilidade de falares com os jogadores da equipa masculina?

Não, nunca… Os únicos que vi mais foram o Bas Dost e o William, mas claro que nunca ia puxar conversa porque tinha vergonha [risos].

Apanhaste o projeto do Sporting logo no início. Correu logo tudo como esperavas?

Foi um projeto bem construído. Claro que havia coisas que corriam mal, mas isso é como em tudo. Por muito que as coisas fossem bem feitas, há sempre alguma coisa que corre mal, mas coisas mínimas. Não podemos apontar o dedo à mínima coisa que corre mal. Superámos bem esses momentos maus e ajudámo-nos umas às outras.

Notícias ao MinutoAna Capeta© Notícias ao Minuto

As pessoas diziam que tinha que estar no banco para depois marcar. Não é bem assimLogo na primeira época marcaste 21 golos em 23 golos. Era complicado fazer melhor…

Não é complicado fazer melhor… Poderia mesmo ter feito melhor se, eventualmente, tivesse mais tempo de jogo, como gostaria de ter tido. Mas não podemos estar a falar do passado. A cada ano que passa os objetivos têm de ser diferentes e melhores. É para isso que trabalho todos os dias, para ser melhor.

Na final da Taça sais do banco e marcas o golos da vitória. É aí que nasce o efeito Capeta.

Foi, marquei o golo que deu a vitória. Começou a surgir o #efeitoCapeta [risos].

Teres essa capacidade de sair do banco e ter efeito imediato acabou por fazer com que não somasses tantos minutos?

Muito provavelmente, sim. Por esse motivo é que não gostava tanto dessas palavras, do efeito Capeta… As pessoas diziam que tinha que estar no banco para depois marcar. Não é bem assim. Tive a sorte de, naquelas vezes, ter corrido bem, mas a estrelinha da sorte não está sempre comigo, como não esteve na Supertaça no ano passado.

Tu própria, do ponto de vista da motivação, sentes uma grande diferenças quando entras a partir do banco?

Claro que uma pessoa que está no banco, quando entra em campo, é naquela de raiva, para mostrar que podia ter sido eu a jogar de início, a estar ali, e não fui.

Pouco depois estreaste-te pela seleção. Foi o concretizar de um sonho?

Sim, foi o cumprir de mais um sonho, claro. Na verdade, já estava à espera há algum tempo. Achava que tinha trabalhado bem nas épocas anteriores e que merecia uma oportunidade. Foi bastante bom para mim do ponto de vista individual.

O próximo passo é estreares-te a marcar pela seleção?

Sim, claro, é o mais desejado. Já tive várias oportunidades, mas não fui feliz nesse aspeto. Espero um dia ter oportunidade para o ser.

Se tivesse tido mais oportunidades, conseguiria ter feito melhor

O ano seguinte também foi muito bom. Foste, inclusive, eleita Jogadora Revelação nas Quinas de Ouro. Isso pressiona-te?

Não sinto nenhuma pressão. Foi um bom prémio individual depois de uma boa época coletiva. Foi bom para mim, porque prémios individuais são sempre bons. É uma forma de dar valor ao trabalho que foi feito durante toda a época.

O ano passado foi o teu melhor do ponto de vista individual. Marcaste 26 golos em 29 jogos.

Se formos ver esses 26 golos… Por exemplo, devo ter feito 15 golos em três jogos. Se tivesse tido mais oportunidades, conseguiria ter feito melhor. A oportunidade só começou a surgir no final da época. Se tivesse surgido mais cedo, tinha conseguido fazer melhor.

O que faltou para que não tivessem conquistado nenhum troféu?

O que é que faltou… Podíamos ter trabalhado mais, como é óbvio. Não nos conseguimos agarrar tão bem umas às outras como em anos anteriores. Foi o que correu pior. Mas já estamos a trabalhar para corrigir os erros. Este ano certamente estaremos melhor.

Como foi a tua relação com o Nuno Cristóvão?

A minha relação com o treinador foi normal. Ele faz o trabalho dele e eu faço o meu. Ele toma as decisões dele enquanto eu faço o meu trabalho. Não tenho que criticar ninguém, até porque quem mandava ali era ele.

E como têm sido as primeiras impressões da Susana Cova?

Estamos a trabalhar bem, estamos no caminho certo, a jogar cada vez melhor. Acho que está a fazer um bom trabalho.

Quais são as tuas expetativas para esta época?

A minha expetativa é conseguir vencer o campeonato e voltar a ter a oportunidade de fazer a dobradinha.

O que podemos esperar da Ana Capeta para o futuro?

Podemos esperar o que eu também espero, que é ser melhor a cada dia, ter mais objetivos e trabalhar mais.

E para o futebol feminino em geral?

Vai crescer bastante. Cada vez há mais clubes grandes a investir no futebol feminino, e isso é bom.

Enquanto jogadora, como tens acompanhado a questão do ‘Equal Pay’?

Não podemos querer tudo ao mesmo tempo. Estamos a evoluír, cada coisa a seu tempo. Para já, é acreditar em nós. A seleção dos Estados Unidos tem mais motivos para falar. Afinal, as mulheres nos Estados Unidos são mais reconhecidas do que os homens. O futebol lá é mesmo assim, e conseguem ter essa ambição para falar assim. Nós, neste momento, só queremos ser tratadas como devemos para termos igualdade, não em termos de dinheiro, mas para nos deixarem brilhar.

Aquela imagem de que o futebol é para rapazes já acabou?

Sim, essa imagem passa cada vez menos. As pessoas já esqueceram um pouco isso. Cada vez há mais meninas a jogar futebol e isso é bom. É sinal de que os pais já não pensam tanto assim.

Que conselhos darias para essas meninas que estão a entrar no futebol?

Digo para nunca desistirem, seja no futebol ou no que for, daquilo que querem. Quando querem muito uma coisa, lutem por ela e não desistam.

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