"Mais cedo ou mais tarde, terei a oportunidade de treinar um 'grande'"
Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, João Henriques explica o que o levou a deixar o Santa Clara, aborda os 'bastidores' dos dois meses passados na Cidade do Futebol e revela os planos para o futuro.
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Desporto João Henriques
João Henriques inscreveu, pela segunda temporada consecutiva, o nome na história do Santa Clara, ao conduzir o clube açoriano ao 9.º lugar da I Liga (a melhor posição de sempre), com 43 pontos (a melhor pontuação de sempre), batendo o recorde que o próprio tinha estabelecido em 2018/19, quando foi décimo classificado.
Terminada a época, o ribatejano optou por dizer 'adeus' ao conjunto insular, decisão que, em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, justifica com a falta de melhorias no orçamento, nos objetivos e, "mais grave de tudo, nas condições e infraestruturas".
Agora, de olhos postos no futuro, o técnico de 47 anos, que já foi associado a clubes como Vitória SC, Marítimo ou Rio Ave, 'pede' que lhe seja dada uma oportunidade num projeto "com ambições de qualificações para a Liga Europa", e quem sabe depois, num dos 'grandes' do futebol nacional.
João Henriques explica, ainda, como foram os dois meses passados junto do plantel do Santa Clara na Cidade do Futebol, fruto da pandemia do novo coronavírus, e aborda, inclusive, o estado do jornalismo desportivo em Portugal, com alguns 'reparos' pelo meio.
Poderíamos ter feito ainda melhor, caso as condições e as infraestruturas fossem de um nível aceitável para o alto rendimento
Chegou ao Santa Clara em 2018, com o clube acabado de subir à I Liga. Conquistou a melhor posição de sempre, e, um ano depois, bateu o próprio recorde. Já não havia espaço para sonhar com algo mais?
Nunca sabemos se ainda seria possível conquistar mais… Senti que o ciclo tinha terminado. Foram dois anos fantásticos no Santa Clara. Não havendo melhoria do orçamento, não havendo mudança de objetivos - que passam pela manutenção - e, mais grave de tudo, com as condições e as infraestruturas a manterem-se, senti que a minha missão estava cumprida.
Foi, para já, a sua 'obra prima' enquanto treinador?
É uma obra com princípio, meio e fim, sobretudo isso. Quando cheguei, o Santa Clara, era recém-promovido, e era o início de uma obra para sustentar o clube na I Liga. O Santa Clara era o principal candidato a descer de divisão, era unânime, e conseguimos passar dessa visão inicial para uma das sensações do campeonato, ficando no 10.º lugar e conquistando 42 pontos. O terminar da obra é deixar o Santa Clara na I Liga pela terceira época consecutiva, que é algo inédito. Era isso que queria deixar como marca, para além dos recordes que fomos batendo. Era difícil, até porque, se eramos o patinho feio na primeira época, na segunda todos diziam que seria o ano mais difícil, porque tínhamos que manter aquilo que foi feito. Nós não mantivemos, superámos.
Quando chegou, foi-lhe dado um prazo para chegar a este patamar?
Não, a única coisa que nos foi pedida foi a manutenção. O que foi surpresa para todos foi a forma como o conseguimos. Em dois anos, o mais perto que o Santa Clara esteve da linha de água foi a três pontos. Nunca esteve abaixo, e isso deu tranquilidade para toda a gente trabalhar. Claro que houve momentos menos bons e momentos extraordinários, o que é natural em dois anos, mas houve sempre um equilíbrio que permitiu que o clube fosse respirando saúde e conseguindo fazer os seus negócios para garantir a sustentabilidade.
Para quem já trabalhou na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos, acredito que a mudança para os Açores tenha sido bem mais simples…
Sim, é um facto. É muito mais fácil, até porque continuamos em Portugal. A única questão é que a insularidade não é fácil, sobretudo a questão das viagens. É terrível, até porque há voos que se atrasam, há voos que são cancelados, há o mau tempo que não permite que haja uma viagem tranquila, há as esperas nos aeroportos… Isto acontecer uma vez ou duas não faz mossa, mas durante uma época inteira é claro que é extremamente cansativo, do ponto de vista físico e mental. Depois, é aquela sensação de que não podemos ir para onde queremos quando queremos. Estamos sempre dependentes dos horários dos voos. Apesar de estarmos numa ilha fantástica, com uma beleza única, onde as pessoas nos receberam muito bem, esta insularidade tem os seus custos no rendimento. No final destas duas épocas, sentimos que poderíamos ter feito ainda um bocadinho melhor caso as condições e as infraestruturas fossem de um nível aceitável para o alto rendimento. Assim, esta questão das viagens não teria pesado como pesou.
Quando chegou, teve de montar uma equipa quase do zero. Foi o principal desafio nestes dois anos?
Foi um desafio enorme, mas que deu um tremendo gozo. Foi o passar de uma equipa que vinha da II Liga, onde tivemos que juntar jogadores que não estavam na época anterior com os bons valores que já estavam. Fomos construindo uma ideia de jogo e uma identidade para o Santa Clara, que ficou muito bem vincada. De tal forma que todos reconheceram que houve um Santa Clara organizado, competente e competitivo durante duas épocas, o que não é fácil.
A chegada de jogadores mais experientes, como Ukra ou Anderson Carvalho, ajudou?
Sem dúvida. Era necessário juntar jogadores com alguma experiência na I Liga e até em níveis mais altos aos que tinham aquela ambição de se mostrar, aos que queriam relançar carreiras e a alguns desconhecidos. Foi isso que, na época passada, permitiu que houvesse vendas, e, nesta, vários jogadores estejam identificados para possíveis negócios.
O arranque acabou por ser um pouco conturbado, com a eliminação da Taça da Liga e a entrada em falso no campeonato. Nessa altura, manteve a crença de que o trabalho daria resultados? Não houve a tentação de mudar tudo?
A eliminação da Taça da Liga foi, de certa forma, consciente. Entrámos como se fosse um jogo de preparação e perdemos o acesso à fase de grupos nas grandes penalidade. Mas, naquele primeiro ano, a fase de grupos teria sido má para o clube, e foi isso que decidimos. Eliminaríamos, pelo menos, duas viagens e o desgaste de mais três jogos. No primeiro ano, o foco teria de ser no campeonato. Claro que não fomos para perder o jogo, mas não era um objetivo passar para a fase de grupos. Depois, perdemos o primeiro jogo contra o Marítimo com uma grande penalidade já no final, de forma algo injusta.
No segundo jogo, toda a gente passou a acreditar. Estávamos a perder por 0-3 com o Sporting de Braga em casa e conseguimos chegar a um empate histórico para o clube. Passámos a mensagem de que estávamos ali para lutar em todos os jogos. Depois, naturalmente, as coisas foram aparecendo. Tínhamos confiança no que estávamos a fazer, mesmo numa altura terrível, com lesões umas atrás das outras, que nos tiraram jogadores importantes. Tivemos que puxar pela criatividade e passar para o plano B, até porque ficámos sem alas, sem pontas de lança… Foi uma coisa muito estranha, parecia que tudo estava a descambar, mas acreditámos no processo, juntamente com a estrutura, e isso foi determinante para que começássemos a conquistar pontos, de tal maneira que no final da primeira volta já tínhamos 25, que era uma marca bastante confortável, que nos dava margem para, em cada jogo, mostrarmos o que valíamos sem a preocupação da tabela classificativa.
Nesses momentos mais complicados sentiu-se sempre apoiado pela direção e pelos adeptos?
Sem dúvida, esse foi o segredo do sucesso do Santa Clara nestes dois anos. Houve uma grande união e confiança entre toda a gente, assim como a crença nas várias competências e um grande apoio. Nos momentos menos bons, todos nos soubemos apoiar uns aos outros. Nesses momentos, poderia haver alguma quebra de confiança, mas não, pelo contrário. Foi quando nos unimos e acreditámos que iríamos levar o barco até ao fim. Isso foi muito importante para que eu fosse o segundo treinador da I Liga durante mais tempo num clube.
Como é que lida com esses momentos no balneário? É treinador de puxar as orelhas aos jogadores?
Há espaço para tudo. Há momentos em que temos que colocar os pés dos jogadores novamente na terra, quando estão eufóricos com determinados resultados. Quando as coisas não estão a correr bem, tentamos puxar para cima. Temos de gerir muito bem essas emoções. Não podemos ser sempre iguais. Claro que, quando as coisas não estão a correr bem, temos que identificar o que está a falhar para recolocar tudo nos eixos. Durante estes dois anos, não tivemos qualquer problema de conflitos graves. Houve situações normais derivadas da exigência do alto rendimento. Por vezes temos que chamar o jogador à razão, e outros em que temos que lhe dar a mão. Digo-lhes sempre uma coisa fundamental: as críticas que faço são muito frontais primeiro, e depois de forma construtiva, de forma a que o jogador melhore. Até porque, se um jogador melhorar, o coletivo vai melhorar, e o grande beneficiário sou eu e o clube.
A meio dessa primeira temporada perdeu o Fernando Andrade para o FC Porto. Temeu que a equipa vacilasse?
Foi um conjunto de fatores. Perdemos o Thiago Santana e o Anderson Carvalho por lesão, e o Fernando Andrade para o FC Porto. As lesões foram roturas ligamentares no joelho, e perdemos os jogadores para a época. Obviamente que, naquela altura, a perder jogadores num plantel que não era vasto, fez-nos pensar um bocadinho, mas depois surgiu a criatividade de que falei, com a alteração de sistema e a adaptação ao que tínhamos que fazer para conquistar pontos. O Fernando Andrade e o Thiago Santana, na época da subida, tinham sido fundamentais, tinham feito os golos do Santa Clara, e estavam muito bem. Perdemos dois jogadores importantes, assim como o Anderson Carvalho no equilíbrio da equipa. Isso acabou por fazer despontar um jogador desconhecido, que era o Kaio Pantaleão, que acabou por ser vendido. Aparece no momento em que o Anderson Carvalho se lesiona, e a alternativa que encontrámos foi transformar um central num 6. Resultou, até porque acabou por ser a maior venda de sempre do Santa Clara. Foi mais um dos nossos feitos neste trajeto.
A festa dos jogadores do Santa Clara no empate com o Vitória SC, na Cidade do Futebol© Global Imagens
Fizemos o Santo António na Cidade do Futebol, paintball, matraquilhos humanos... Tudo para fugir àquela rotina
Já esta época, chegamos a março e o campeonato para por completo. Foi fácil tomar a decisão de partir para a Cidade do Futebol?
No momento em que foi tomada a decisão, os Açores tinham a quarentena obrigatória para quem chegava à ilha, o que inviabilizaria qualquer equipa de chegar e jogar. Além disso, as instalações desportivas estavam todas encerradas por ordem do Governo Regional. Até para treinar foi à última da hora que permitiram, com muitas exigências. Não era permitido haver jogos em São Miguel… Chegámos à altura de tomar decisões, e teriam que ser tomadas rapidamente, até para que fôssemos, não um problema, mas uma solução para que o campeonato se desenrolasse. Reunimos com o presidente e com a estrutura, perguntaram qual seria a melhor solução, e nós queríamos era treinar e jogar em condições, o que não era possível em São Miguel.
Falámos com os jogadores, que compreenderam e disponibilizaram-se logo para o sacrifício de estar dois meses longe da família. Eles queriam jogar, é a vida deles, precisam disso para se mostrarem e para continuarem as carreiras. Chegámos a um acordo, e a decisão teve que ser tomada rapidamente. Ainda por cima, surgindo a oportunidade da Cidade do Futebol, aceitámos a oferta da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) para termos as melhores condições de treino. Apesar de jogarmos dez jogos fora de casa, havia confiança da nossa parte de que os resultados iam continuar a aparecer, e, felizmente, foi o que aconteceu. Até melhoraram, precisamente porque as condições de treino melhoraram, o que nos permitiu vencer Sporting de Braga e Benfica, empatar com Rio Ave e Vitória SC… Equipas muito difíceis, contra as quais fizemos bons jogos.
O facto de a equipa se 'livrar' das questões das viagens também foi um alívio?
Sem dúvida. Na altura, obrigavam-nos a fazer voos charter, e o clube não tinha capacidade financeira para suportar dez viagens. Era uma situação muito complicada. Além disso, com o calendário apertado, fazer estas dez viagens consecutivamente seria um fator de fadiga acrescida que não queríamos. Sabíamos que íamos ter uma fadiga mental de estarmos confinados durante dois meses com as rotinas de um estágio que seria, se calhar, único no mundo, em que uma equipa estaria tanto tempo longe da família… Era a parte negativa, que poderia ter repercussões no rendimento. Mas, por outro lado, poupávamos em termos físicos, melhoraríamos nas questões de treino e jogo, o que seria positivo para o rendimento. Tudo foi muito bem ponderado e correu de forma extraordinária, nomeadamente nos aspetos técnicos e desportivos.
Que balanço faz destes dois meses?
Obviamente, tivemos que puxar pela criatividade e pelo conhecimento dos fatores psicológicos, pensando no que poderíamos fazer para minimizar a fadiga mental de vermos as mesmas caras todos os dias, na mesma unidade hoteleira, a comer à mesma hora… Como em todos os locais onde as pessoas estão muito juntas são propícios a haver conflitos, tivemos que minimizar isso para que não existem, ou que existissem poucas vezes. Felizmente, não existiram conflitos. Houve uma grande tolerância da parte de toda a gente. Depois, tivemos que arranjar muitas formas lúdicas de passar o tempo, para que os jogadores se sentissem bem. A FPF tentou criar um ambiente o mais familiar possível, onde nos sentíssemos em casa, e isso foi fantástico. Nós tentámos criar atividades que nos permitissem fugir à rotina e ajudasse a passar o tempo. Fizemos o Santo António com sardinhas, bifanas, música e dança, fizemos paintball, matraquilhos humanos, comemorámos os aniversários de todos, tínhamos ténis de mesa, videojogos… Fizemos tudo para fugir àquela rotina, para que os jogadores sentissem momentos lúdicos e de prazer, que são fundamentais para o equilíbrio mental.
Os resultados apareceram dentro de campo. Aquela vitória sobre o Benfica, por 4-3, foi o jogo que mais o marcou nestes dois anos? Ou pesou mais aquele empate com o Sporting de Braga na primeira época?
São momentos diferentes. Aquele empate com o Sporting de Braga foi o passar da mensagem de que todos poderiam acreditar em nós. Foi muito importante. Mas obviamente que fazer quatro golos no Estádio da Luz, que ninguém fez até àquele dia para o campeonato, da forma que o fizemos, em que estávamos empatados a dez minutos do fim… Foi tudo tão completo que é um jogo marcante na carreira de qualquer pessoa.
Falta-me dar mais dois passos, que é chegar ao nível das equipas que lutam pela Liga Europa e, depois, as que lutam para o título
O Daniel Ramos foi, entretanto, confirmado como seu sucessor no Santa Clara. A equipa fica bem entregue?
Não tenha dúvidas nenhumas. O Daniel é um dos grandes treinadores em Portugal, está identificado com o Santa Clara, ainda que tenha estado lá durante pouco tempo, conhece muito bem as pessoas, e as pessoas acreditam nele. Vai dar continuidade àquilo de que o Santa Clara precisa, que é estabilidade e fazer mais uma boa época. Competência, há, e é inequívoca, até pelo trajeto que tem na I Liga.
Vai ser seu adversário na nova temporada?
Isso ainda não sabemos… Ele já está confirmado no Santa Clara, e eu não tenho nada [risos]. Gostava que fôssemos adversários. Era bom sinal, sinal de que estávamos os dois a trabalhar, até porque quero dar continuidade àquilo que fiz nestes dois anos, de preferência em Portugal e neste campeonato. Caso não seja possível, obviamente que o estrangeiro está aí também.
Foi já associado a vários clubes. Confirma alguma das abordagens?
Fico muito contente que o meu nome esteja ligado ao Vitória SC, ao Rio Ave, ao Marítimo… Até porque são clubes históricos do futebol português, com ambições de qualificações para a Liga Europa, e esse é o passo que quero dar na minha carreira. Não quero estar preocupado com manutenções, mas sim estar virado para aquilo que é o apuramento para a Liga Europa. Fico satisfeito por se lembrar que posso ser uma solução para chegar lá e as coisas resultarem. Tenho plena convicção disso, é só as pessoas terem também essa ambição e acreditarem no João Henriques como um treinador com essa capacidade. Como sou muito ambicioso, acredito que tenho capacidade para isso e estou disponível para abraçar projetos que me tragam esse desafio.
A sua ambição vai até onde? Treinar um grande?
Em Portugal, como qualquer treinador, tenho a ambição de chegar o mais alto possível. Tenho um trajeto no qual passei por todos os escalões, por todos os níveis competitivos. Na I Liga, num clube como o Santa Clara, demonstrei que tenho capacidade para estar a meio da tabela quando me pedem a manutenção. Falta dar mais dois passos, que é chegar ao nível das equipas que lutam pela Liga Europa e, depois, as que lutam para o título. Sei que dou esses passos bem sustentados, para que as pessoas tenham plena convicção de que tenho capacidade para isso. E vou demonstrando, ano após ano, que é uma realidade. É só as pessoas olharem e terem essa confiança. Sei que, mais cedo ou mais tarde, vou ter essa oportunidade, e não a vou rejeitar, com toda a certeza, mas não tenho pressa nem atiro a toalha ao chão. Tenho plena consciência de que, quando as oportunidades surgirem, vou estar preparado para as agarrar.
Chegou a temer que aquela época menos conseguida no Paços de Ferreira o impossibilitasse de sonhar tão alto?
Foi uma situação à qual não estava habituado. Foi a primeira vez em que estive numa situação de, em quatro meses, tentar ajudar uma equipa a não descer de divisão. As coisas não correram bem em termos de resultados, mas senti que correram bem em termos de exibições. As pessoas olhavam e viam que o Paços de Ferreira era uma equipa que jogava um bom futebol, mas na qual os resultados não eram condizentes com a qualidade de jogo. Temi que olhassem só para o resultado e não para o conteúdo e que isso me prejudicasse a carreira. Por isso estou agradecido ao Santa Clara. Acreditaram no conteúdo, não olharam só para o resultado. Também olharam para aquilo que tinha feito no Leixões, e apostaram no João Henriques. Foi importante para, depois destes dois anos, mostrar que aquilo foi mais um momento de aprendizagem, que não manchou o meu percurso.
Zé Manuel celebra o golo que selou o triunfo do Santa Clara sobre o Benfica, por 4-3© Global Imagens
Devia-se ter dado muito mais ênfase ao que o Santa Clara fez na Luz, e não passar a semana toda a criar uma crise
Como é que descreve a relação com a imprensa nestes mais de 20 anos de carreira como treinador?
Felizmente, tenho tido sempre uma excelente relação com a comunicação social, até porque acredito que é um veículo muito importante para levar o desporto a cada vez mais pessoas. O bom jornalismo é sempre de salutar, faz parte desta indústria. Estive sempre aberto a falar com as pessoas, fui frontal. As pessoas também sempre me elogiaram nesse ponto, e essa relação é fundamental para que nós, treinadores, expliquemos as nossas ideias e ajudemos ao trabalho dos jornalistas. Durante a minha carreira, mesmo a nível distrital, sempre fui muito aberto e disse o que pensava de forma positiva, que foi valorizada pelos profissionais do jornalismo.
Quando acaba um jogo e fala aos jornalistas, é mais fácil esconder a felicidade de uma vitória ou a frustração de uma derrota?
Ao longo dos anos, fui aprendendo uma coisa muito importante. Era uma pessoa muito mais impulsiva e reativa, e passei a ser capaz de controlar as emoções. Hoje, sinto que sou uma pessoa muito mais equilibrada em termos emocionais. A inteligência emocional é um dos meus pontos fortes, tento não passar a emoção da frustração ou da exaltação. Tento ser equilibrado, e esse equilíbrio permite-me ser mais clarividente naquilo que é a análise ao jogo e às prestações da equipa. Mesmo em situações mais complicadas, consigo respirar fundo e não ser impulsivo e reagir de forma negativa. Isso faz com que consiga ter essa tal boa relação com a comunicação social.
Da experiência que tem acumulado, concorda que se deveria dar maior atenção aos chamados 'clubes pequenos'?
É um facto, foi uma crítica que sempre fiz. O que vende são os três ‘grandes’, e nós percebemos isso perfeitamente. Mas, por exemplo, no Estádio da Luz, o que passou foi que houve mais demérito do Benfica do que mérito do Santa Clara. As pessoas olham assim dessa forma, não olham para uma equipa com o orçamento do Santa Clara, com as limitações que tem, a treinar e a jogar fora de casa, que chegou ao Estádio da Luz, e, com aquela personalidade, conseguiu fazer quatro golos e vencer. Devia-se ter dado muito mais ênfase ao que foi feito, e não passar a semana toda a criar uma crise num clube com a dimensão que tem.
Não foi só o caso do Santa Clara. Na época anterior, o Moreirense também foi ganhar 3-1 ao Estádio da Luz, e foi exatamente igual. Falou-se foi da parte negativa do Benfica, e não se deu mérito ao que o Moreirense fez. Podemos falar de vários exemplos. Por curiosidade, quando se fala de um clube grande na Liga Europa ou na Liga dos Campeões, que defronta os grandes colossos europeus, a primeira coisa que se faz é tentar desculpar o inêxito com a diferença orçamental. Mas, em Portugal, esquecem-se rapidamente disso, quando o Santa Clara, que tem um orçamento de cinco milhões, joga contra os 90 milhões do Benfica. Não se fala, não existe. Mas, quando vão jogar lá fora, diz-se que o Benfica tem 90 contra os 400 do Manchester City. É o que passamos aqui todas as semanas, e nem sequer é falado.
E o que motiva isso? É falta de cultura desportiva, o facto de os clubes por vezes se fecharem em demasia…?
Que falta cultura desportiva é um facto, mas isso parte do sistema educativo. É importantíssimo fazer com que as pessoas tenham uma cultura desportiva que entenda que existem três resultados, que todos são possíveis, e que primeiro vem o jogo e só depois o amor ao clube. Em Portugal, é tudo ao contrário. É o clubismo que está acima de tudo, e só pode haver um resultado. Depois, quando não se ganha, a culpa é sempre de alguém. Ou são os árbitros, ou há demérito, ou é o treinador que falhou… Há sempre uma desculpa, e não se percebe que é um jogo e estão duas equipas em disputa. Além disso, as equipas grandes já têm as suas televisões, já são acompanhadas, têm muito mais mediatismo, mas as pequenas… Comigo, as portas sempre estiveram abertas, até os treinos, porque treinava no meio de escolas, com os miúdos a ter Educação Física à volta dos jogadores, por isso não havia nada a esconder. Eram as condições que tínhamos em Ponta Delgada. Acho que deve haver um diálogo aberto, até porque não há nada a esconder. Manter as coisas abertas para as pessoas perceberem mais do jogo, do treino, as dificuldades, é importante para, no dia do jogo, entenderem toda a conjectura do que é a complexidade do jogo.
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