Não havia como resistir. Aproximadamente três horas após o apito final para a derrota sofrida no arranque da fase de liga da Liga dos Campeões, perante o modesto Qarabag, por 2-3, que deixou 'meia Europa' de queixo caído, Rui Costa surgiu no Estádio da Luz para tornar pública a decisão de colocar um ponto final no 'matrimónio' com Bruno Lage.
Os encarnados assinaram uma entrada 'a todo o gás', de tal maneira, que, aos 16 minutos, já venciam, por 2-0, à 'boleia' dos remates certeiros de Enzo Barrenechea e Vangelis Pavlidis. No entanto, uma segunda parte de 'pesadelo', com golos de Leandro Andrade, Camilo Durán, e Oleksii Kashchuk, acabou por deitar tudo a perder.
Pouco mais de um ano depois de ter regressado à Luz sob a aura de 'salvador' (com o título de campeão nacional conquistado na primeira passagem, em 2018/19, bem fresco na memória), desta feita, para suceder a Roger Schmidt, o sadino viu-se, uma vez mais, 'corrido' do banco de suplentes das águias.
Nem a Taça da Liga e a Supertaça Cândido de Oliveira (conquistadas, curiosamente, perante o eterno rival, o Sporting) serviram como 'amparo' para um treinador que, perante um investimento de mais de 100 milhões de euros em reforços, pouco ou nenhum futebol conseguiu apresentar. Mas vamos por partes, para recordar os cinco pecados capitais.
'Meteu o nariz' nas eleições
Comecemos, precisamente, pelo 'all in' levado a cabo por Rui Costa, no último mercado de transferências de verão, na tentativa de fazer esquecer uma campanha de 2024/25 aquém das expetativas ao mesmo tempo que 'salvava a própria pele', visto que, é preciso não esquecer, as eleições estão agendadas já para o próximo dia 25 de outubro.
Bruno Lage não conseguiu resistir à tentação de 'apoiar' o homem que lhe permitiu regressar ao Benfica e, na conferência de imprensa de antevisão ao encontro da quinta jornada da I Liga, perante o Santa Clara (que culminaria num empate a bola), mostrou-se grato pela maneira como este o teve em consideração, no defeso.
"Aquilo que eu sinto enquanto treinador do Benfica este foi o único mercado em que o presidente e a direção desportiva levaram em consideração as ideias do treinador. Conversámos muito após o Mundial de Clubes e todo o nosso trabalho convergiu nesse sentido. Estou muito satisfeito com o que fizemos. Sinto-me muito bem com essa responsabilidade", afirmou.
No entanto, não se ficou por aqui, e, quando confrontado com o facto de, na véspera, João Noronha Lopes ter apresentado Bernardo Silva como 'trunfo' para o sufrágio, desvalorizou: "Sem querer entrar no lado político da questão, por aquilo que eu conheço do Bernardo e da sua motivação, é que em breve, não sei quando, ele será jogador do Benfica, independentemente do presidente".
Esta 'intromissão' caiu mal, não só junto dos candidatos à liderança das águias (João Noronha Lopes aconselhou-o, inclusive, a "concentrar-se a treinar"), como também junto dos adeptos, até porque a qualidade do futebol praticado não lhe dava, precisamente, uma 'almofada' para a entrada na cena política.
A 'novela Akturkoglu'
Até aos dias de hoje, continua por explicar, ao certo, que plano tinha Bruno Lage para Kerem Akturkoglu. O internacional turco começou a temporada a titular, no triunfo conquistado sobre o Sporting, por 0-1, na Supertaça Cândido de Oliveira, mas, 'caiu' da lista de convocados para a visita ao Nice (que resultou numa vitória, por 0-2), fruto de uma lesão que coincidiu com o adensar das negociações com o Fenerbahçe.
Recuperou e, na semana seguinte, foi lançado em campo a seis minutos dos 90, na vitória alcançada sobre o Nice, por 2-0, fazendo 'tremer' o diálogo com a equipa então orientada pelo treinador português José Mourinho, visto que, do ponto de vista regulamentar, este passou a estar impedido de representar qualquer outra equipa, nos playoffs de acesso à Liga dos Campeões.
Quando a hipótese de regressar a Istambul parecia estar, definitivamente, descartada, o jogador de 26 anos de idade recuperou preponderância e marcou, inclusive, o golo que eliminou o Fenerbahçe da prova milionária. 24 horas depois foi oficialmente apresentado como reforço... do próprio Fenerbahçe.
Afinal, o que é um "criativo"?
João Félix, Paulo Dybala, Mohamed Amoura, Thiago Almada, Anis Hadj-Moussa, Carlos Álvarez... O mercado de transferências do Benfica ficou marcado pela busca incessante por um novo número 10, tendo a opção acabado por recair sobre Heorhiy Sudakov, adquirido ao Shakhtar Donetsk, a título de empréstimo, a troco de 6,75 milhões de euros, num negócio que contempla uma cláusula de compra obrigatória no valor de 20,25 milhões de euros.
Uma operação que acabou, de resto, por motivar uma caricata reação de Bruno Lage, que, na altura, atirou: "Não sei de onde vem isso, o que temos é jogadores criativos. Todos os nossos jogadores têm criatividade de decisão. Somos uma equipa com enorme qualidade e vamos continuar a trabalhar para mostrar em campo a criatividade coletiva que temos".
A verdade é que, até ao último dia, o sadino não se conseguiu decidir, definitivamente, sobre a quem entregar a posição de número 10, criando uma total confusão que até Leandro Barreiro por lá passou (com alguma insistência, diga-se), sem que a equipa tenha conseguido beneficiar das 'experiências'.
Indefinição na defesa
Ora joga Anatoliy Trubin, ora joga Samuel Soares. Ora Tomás Araújo é aposta, ora não sai do banco de suplentes. O arranque de temporada do Benfica ficou marcado por um autêntico 'vai-e-vem', na defesa, que teve impacto claro no rendimento da equipa. De tal maneira que, nos três últimos jogos da 'era Bruno Lage', perante Alverca (vitória, por 1-2), Santa Clara (empate a uma bola) e Qarabag (por 2-3), esta sofreu cinco golos.
No meio de tudo, isto, Nicolás Otamendi foi das únicas apostas constantes. Mesmo aos 37 anos de idade, em fase descendente (como ficou à vista, sobretudo, pelo erro colossal cometido ante o Santa Clara) e após uma viagem para a América do Sul, para representar a Argentina, no fecho da fase de apuramento para o Campeonato do Mundo de 2026, foi utilizado até ao limite.
Formação já era
Quando foi promovido, pela primeira vez, a treinador principal do Benfica, em janeiro de 2019, Bruno Lage foi apresentado como um sinal de aposta clara na formação, e a verdade é que fez jus à fama, com a aposta em talentos emergentes como João Félix, Rúben Dias, Florentino Luís, Gedson Fernandes ou Ferro. Na segunda passagem, não foi bem assim.
João Veloso, por exemplo, deu bons sinais, na Eusébio Cup (onde os encarnados derrotaram o Fenerbahçe, por 3-2), mas, desde então somou apenas... um minuto de águia ao peito, na Supertaça Cândido de Oliveira. Já Henrique Araújo, de volta à Luz após passagens por Watford, Famalicão e Arouca, assumiu um papel secundário... até à hora do 'aperto', visto que só foi lançado na reta final dos dois últimos jogos.
Andreas Schjelderup e Gianluca Prestianni, jovens promessas que motivaram um forte investimento por parte do clube da Luz, também foram entrando e saindo da equipa, muitas vezes, sem se perceber ao certo qual o motivo, acabando por colocar ainda mais em causa o trabalho levado a cabo por Bruno Lage.
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