União Europeia deve ter uma "voz única" contra paraísos fiscais
O jornalista belga Kristof Clerix, que esteve envolvido na investigação dos Papéis do Panamá, pede à União Europeia uma "voz única" contra os paraísos fiscais, a partilha de informação entre os diferentes países e a defesa das fontes.
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Economia Papéis do Panamá
Três meses depois da divulgação dos Papéis do Panamá, dados a conhecer pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, na sigla em inglês), Kristof Clerix faz um balanço positivo do impacto que a investigação teve um pouco por todo o mundo.
"O impacto foi enorme", afirma, em entrevista à agência Lusa à margem de uma conferência sobre jornalismo de investigação, promovida pela associação de luta contra a corrupção Transparency International (Transparência Internacional), que decorreu em Bruxelas.
Da demissão do primeiro-ministro da Islândia, passando por várias manifestações que juntaram milhares de pessoas, à detenção de cinco pessoas no México que usavam um 'offshore' no Panamá para lavagem de dinheiro de um cartel de droga, Kristof Clerix diz que os resultados "ainda são apenas a ponta do icebergue".
Então porque é que o tema deixou de fazer primeiras páginas dos jornais? O jornalista da revista Knack recusa que exista "fatiga da opinião pública" ou falta de interesse.
"Há poucos anos, falar de temas fiscais era aborrecido, ninguém queria saber. Mas agora, através destas investigações, as pessoas perceberam que isto tem um efeito direto nas suas vidas. Que se uma empresa tem acordos fiscais secretos no Luxemburgo ou se um político tem uma empresa secreta numa 'offshore' isto tem efeito na sua vida. Há mais atenção pública ao assunto", considera.
Outro "efeito indireto" que a investigação teve, apontou, é a discussão política que foi feita sobre tributação, "o que não aconteceria há cinco anos".
Nesse sentido, o jornalista mostra-se "muito otimista" com a comissão de inquérito que foi criada pelo Parlamento Europeu para investigar os Papéis do Panamá e encontrar uma solução para minimizar os riscos de evasão fiscal e lavagem de dinheiro em paraísos fiscais.
"Acredito que a verdadeira solução é internacional. Devemos falar com os paraísos fiscais, que descobrimos serem 21 -- e os maiores as Ilhas Virgens, o Panamá e as Seicheles -, e convencê-los de que o que estão a fazer tem impacto no resto do mundo. Os países sozinhos não conseguem fazer isto", afirma.
Nesse sentido, Kristof Clerix defende que "a União Europeia, se falar a uma só voz, tem mais poder para convencer os paraísos fiscais a, pelo menos, partilhar mais informação. Esse seria um primeiro grande passo".
Questionado sobre se teme que o inquérito do Parlamento Europeu possa vir a politizar a discussão, o jornalista admite que "esse risco existe sempre", porque "sempre que uma coisa está a ser discutida por um político, a política tem um papel".
No caso dos LuxLeaks, lembra, o facto do atual presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, ter sido primeiro-ministro do Luxemburgo também "teve o seu papel" na discussão no comité europeu TAXE, criado para debater esse caso.
"A responsabilidade política é uma linha vermelha, e isso é uma pena", lamenta.
Por outro lado, Kristof Clerix afirma que este é o momento, também, da investigação policial.
"Cada um deve fazer o seu papel. Os jornalistas devem expor as situações, descrever a realidade, revelar verdades, porque esse é o seu papel como vigilantes da sociedade. Não somos polícias, nem inspetores tributários", sublinha o jornalista de investigação.
Lembrando que uma "grande parte" da informação dos Papéis do Panamá foi divulgada numa base de dados do ICIJ, Kristof Clerix considera que o "Ministério Público e os inspetores tributários podem agora fazer o seu trabalho".
"No fim do dia, o que queremos é que as pessoas que estiveram envolvidas em atividades ilegais, como lavagem de dinheiro ou evasão fiscal, possam ser levadas aos tribunais, mas isso está fora das nossas mãos", afirma o jornalista belga.
Os Papéis do Panamá referem-se a mais de 11,5 milhões de ficheiros, retirados dos registos da Mossack Fonseca - a quarta maior empresa de advocacia do mundo na área de paraísos ficais.
Em causa estão denúncias feitas pelo ICIJ - que inclui, em Portugal, jornalistas do semanário Expresso e da TVI - de branqueamento de capitais, elisão e evasão fiscal.
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