"O luto por um animal de estimação não é visto da mesma forma"
Para perceber melhor este processo de luto e desmistificá-lo, o Lifestyle ao Minutou falou com a psicóloga Ana Rita Monteiro.
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Lifestyle Dia Mundial do Animal
Não, não é 'só' um animal de estimação. O vazio causado pela morte de um patudo pode mesmo levar a um processo de "luto idêntico à perda de um membro da família ou uma pessoa próxima", esclarece a psicóloga Ana Rita Monteiro, da Clínica Espregueira, no Porto, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, a propósito do Dia Mundial do Animal, que se assinala esta sexta-feira, 4 de outubro.
"As pessoas devem aceitar a dor sem vergonha, respeitá-la e não ter medo de pedir ajuda", defende. A especialista lembra ainda que "não existe um tempo preciso ou uma forma certa de fazer um luto". "É um processo individual. É normal experienciarmos o processo de luto em ritmos diferentes."
Psicóloga Ana Rita Monteiro© Clínica Espregueira
O luto por um animal de estimação é diferente?
A morte de um animal de estimação leva a um processo de luto idêntico à perda de um membro da família ou uma pessoa próxima. Muitas pessoas partilham laços de afeto muito fortes com os seus animais de estimação.
Que impacto pode ter na saúde mental dos donos?
Uma perda destas pode desencadear ou agravar problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade, incluindo tristeza profunda, falta de interesse nas atividades e isolamento social. A ligação entre humanos e os seus animais de estimação é muitas vezes comparável a relações humanas. Os animais de estimação oferecem amor incondicional, companhia e apoio emocional. Uma das questões fundamentais é perceber que impacto esta morte está a ter no dia a dia da pessoa e há quanto tempo dura esse impacto.
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A partir de que momento é que se deve considerar ajuda especializada?
É normal que as pessoas se sintam tristes e que prefiram estar mais isoladas por um momento. Mas quando há um impacto na dinâmica do dia a dia familiar, social, laboral por um período prolongado, isso é um indicador de que é necessária ajuda especializada. As pessoas devem aceitar a dor sem vergonha, respeitá-la e não ter medo de pedir ajuda.
É importante permitir-se a sentir o luto e todas as emoções que lhe estão associadas. Não se apresse a superar a perda
Há um tempo para ultrapassar o luto por um animal de estimação?
Não existe um tempo preciso ou uma forma certa de fazer um luto. É um processo individual. É normal experienciarmos o processo de luto em ritmos diferentes. Algumas pessoas vivem-no por fases. Depois da negação, raiva, culpa e tristeza, segue-se a aceitação. Outras vivem o processo de luto por 'ondas' ou uma série de 'altos' e 'baixos' emocionais, que tendem a ser menos intensos à medida que o tempo passa.
Se sentir que o sofrimento é tão perturbador que o impede de realizar as suas atividades do dia a dia, é altura de procurar ajuda. Muitas clínicas veterinárias disponibilizam até recursos para ajudar os donos a enfrentar o luto após a perda de um animal.
Como passar pelo luto de uma forma menos dolorosa?
Em primeiro lugar, é importante permitir-se a sentir o luto e todas as emoções que lhe estão associadas. Não se apresse a superar a perda. Falar com outros que já passaram pelo mesmo pode ajudar a normalizar os sentimentos de tristeza, culpa ou vazio. Pode ser terapêutico. Participar em grupos de apoio também. Considere ainda a possibilidade de marcar uma homenagem ao animal, como plantar uma árvore em sua memória, criar um álbum de fotografias ou simplesmente guardar os seus brinquedos num lugar especial.
Estes pequenos gestos podem ajudar a honrar a vida do animal e o papel que ele desempenhou nas nossas vidas, proporcionando algum conforto e sentido ao processo de despedida. Por outro lado, manter uma rotina diária pode ajudar a trazer estabilidade e estrutura à vida após a perda.
Em caso de morte por eutanásia, muitas vezes coloca-se a questão de assistir ou não ao momento. Enquanto psicóloga, o que sugere?
Isso é algo profundamente pessoal e pode variar de acordo com as circunstâncias e a relação que os donos têm com o animal. Tomar essa decisão nunca é fácil. Muitos donos de animais sentem-se culpados, questionam se estão a fazer a coisa certa e temem estar a 'desistir' demasiado cedo. No entanto, é fundamental recordar que a eutanásia, quando indicada por profissionais, é um ato de amor e cuidado. É uma forma de poupar o animal de estimação do sofrimento desnecessário e prolongado.
De modo geral, o momento em que se decide optar pela eutanásia é carregado de emoção. Durante o processo, é comum sentir uma mistura de tristeza, alívio, culpa e até mesmo dúvida. Se a culpa foi uma emoção preponderante, pode ser útil procurar apoio emocional, seja com um terapeuta especializado em luto por animais de estimação ou através de grupos de apoio.
E quando a morte é inesperada?
A dor pela perda inesperada de um animal pode ser diferente e, por vezes, mais intensa em certos aspetos. Os donos podem sentir culpa por não terem sido capazes de proteger ou cuidar adequadamente do animal de estimação, especialmente se a perda foi devido a doença ou acidente. Por vezes, pode deixar os donos com uma sensação de falta de propósito, uma vez que cuidar do animal muitas vezes desempenha um papel importante nas suas vidas. Na morte súbita, o dono não tem a possibilidade de se despedir ou de processar o que está a acontecer no momento.
O luto por um animal de estimação não é visto da mesma forma. Não existe o mesmo apoio. A maior parte dos empregadores não nos pergunta se precisamos de tirar uns dias para recuperar e os nossos familiares e amigos nem sempre se mostram disponíveis para nos compreender
Como explicar a morte de um animal de estimação às crianças?
A morte de um animal de estimação pode ser uma experiência dolorosa para uma criança. Os mais novos podem até sentir medo de que outras pessoas ou animais que amam também morram. Apesar de termos tendência a proteger as crianças da tristeza de perder um animal, não falando acerca da sua morte ou não sendo sinceros sobre o que lhe aconteceu, essa pode não ser a melhor estratégia. As crianças podem sentir-se ainda mais confusas e assustadas.
Há casos em que pode ser a primeira experiência que uma criança tem da morte e a primeira oportunidade que os adultos têm para ajudá-la a lidar com a dor que acompanha a perda de alguém de quem gostamos muito. Os adultos devem usar uma linguagem simples, ser honestos, validar os sentimentos dos mais novos, permitindo que as crianças façam perguntas, partilhar memórias que tragam algum conforto e criar rituais de despedida reconfortantes.
O luto pela perda de um animal de companhia vem muitas vezes acompanhado de um estigma social?
O luto por um animal de estimação não é visto da mesma forma. Não existe o mesmo apoio. A maior parte dos empregadores não nos pergunta se precisamos de tirar uns dias para recuperar e os nossos familiares e amigos nem sempre se mostram disponíveis para nos compreender.
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Considera que é algo que deva ser revisto?
Sim, a falta de reconhecimento do luto por animais de estimação e a ausência de políticas que permitam que os donos tirem dias de folga após a morte de um animal é uma questão importante que merece a devida atenção. Enquanto o luto por um familiar ou amigo é compreendido, inclusivamente no local de trabalho, e os mecanismos sociais de apoio garantem essa mesma compreensão em todas as fases do luto e tornam a experiência menos dolorosa, no luto que se vive por um animal de estimação é, muitas vezes, desconsiderado.
A perda de um animal não é considerada como algo importante por quem está à nossa volta, o que poderá adicionar mais sofrimento e fazer-nos sentir desajustados, emocionalmente fracos ou envergonhados. A isto chama-se luto marginalizado.
Só percebe quem passa pelo mesmo?
A dor é melhor compreendida por aqueles que já vivenciaram a mesma experiência. No entanto, isso não significa que aqueles que nunca perderam um animal não possam ser solidários ou compreensivos.
Depois de um processo de luto, quando é a altura ideal para considerar a adição de um novo animal à dinâmica familiar?
O 'tempo ideal' é aquele em que a pessoa se sente preparada emocionalmente, sem que isso interfira no processo de luto do antigo animal de estimação.
Ter outro animal ajuda a ultrapassar a dor da perda do primeiro?
Na realidade, pode levar a comparações. Muitos donos espelham no novo animal as expetativas de que se comporte como o que morreu, criando sentimentos de frustração quando isso não acontece. Para o seu bem e do animal que vai adotar, dê tempo ao tempo.
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Serviços telefónicos de apoio emocional em Portugal
SOS Voz Amiga (entre as 16 horas e as meia-noite) - 213 544 545 (número gratuito) - 912 802 669 - 963 524 660
Conversa Amiga (entre as 15 e as 22 horas) - 808 237 327 (número gratuito) e 210 027 159
SOS Estudante (entre as 20 horas e a uma da madrugada) - 239 484 020 - 915246060 - 969554545
Telefone da Esperança (entre as 20 e as 23 horas) - 222 080 707
Telefone da Amizade (entre as 16 e as 23 horas) – 228 323 535
Todos estes contatos garantem anonimato tanto a quem liga como a quem atende. No SNS24 (808 24 24 24), o contacto é assumido por profissionais de saúde. Deve selecionar a opção 4 para o aconselhamento psicológico. O serviço está disponível 24 horas por dia, sete dias por semana.
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