"Há algumas pessoas que nos pedem palpites sobre as suas relações"
O Lifestyle ao Minuto esteve à conversa com Ana Garcia Martins e David Cristina, a propósito do lançamento do livro "Separados de Fresco". A dupla prepara-se para lançar um novo 'podcast'.
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A dor, os medos e a expetativa do divórcio que serviu de inspiração para um 'podcast', espetáculos ao vivo e um livro, o escrutínio público, o regresso 'ao mercado' do amor e as tréguas com eles próprios. À conversa com o Lifestyle ao Minuto, a propósito do lançamento do livro 'Separados de Fresco', onde a seriedade casa na perfeição com o humor, 'A Pipoca Mais Doce' e David Cristina fizeram uma viagem pessoal pelos últimos tempos, sem meias palavras.
"Nunca foi nossa intenção separar casais, mas acredito que o nosso 'podcast' pode ter dado coragem a algumas pessoas para saírem de relações onde não se sentiam felizes", admite a dupla, que quer servir de conforto a quem os segue - mas nunca de inspiração - e que está já está a preparar um novo 'podcast'.
"Porque há vida depois do divórcio. Mas é uma merda." Continuam a pensar assim?
David Cristina (DC): Menos do que quando começámos o 'podcast', sem dúvida. Os primeiros meses - quem sabe, anos - depois do divórcio são, de facto, uma merda. Mas depois, à medida que vamos fazendo o luto fica um pouco mais fácil. É importante que se compreenda que isto é um processo longo e imprevisível, que tem momentos maus e menos maus. Por sorte, à medida que o tempo avança começam a ser menos os momentos maus.
Ana Garcia Martins (AGM): É normal que seja isso que pensemos logo após um divórcio ou uma separação porque, os primeiros meses, são de facto duros. É a adaptação a uma nova rotina, é o começo de uma nova vida, é a despedida de hábitos que tivemos durante anos, é deixar de ter ao nosso lado alguém que esteve presente durante uma vida, é passar a dividir o tempo com os filhos. São muitas coisas para lidar ao mesmo tempo e pode ser avassalador. A isto, junta-se a dor, a mágoa, a raiva, a tristeza e uma data de sentimentos menos bons que fazem com que a perspetiva de futuro não seja a mais animadora. Mas depois, claro, as coisas vão mudando. Torna-se tudo mais fácil e começamos a acreditar que, se calhar, não só há vida além do divórcio como até pode ser feliz.
Voltando ao início, como é que surgiu a ideia de criar um 'podcast'?
DC: Nas semanas após as nossas separações estávamos muito tristes. Um dia, a meio de uma videochamada em que partilhávamos a nossa miséria, a Ana Garcia Martins sugeriu que fizéssemos um 'podcast', para que outras pessoas pudessem compartir a nossa desgraça. E durante estas semanas, as conversas que tivemos serviram para organizar ideias, exorcizar demónios e, através do humor, obter alguma catarse. Acabou por ser uma consequência muito boa e algo inesperada que tanta gente tivesse gostado do 'podcast'.
AGM: É engraçado que uma coisa que começou de forma muito pouco altruísta e apenas para desabafarmos sobre a tristeza que era a nossa vida, acabou por servir quase como terapia para tanta gente. Tivemos muito 'feedback' nesse sentido. Pessoas que diziam que o 'podcast' as tinha ajudado a mudar algumas coisas nas relações para que se tornassem melhores ou que tinham mesmo decidido que talvez estivesse na hora de porem um fim aos seus casamentos. Nunca foi nossa intenção separar casais, mas acredito que o nosso 'podcast' pode ter dado coragem a algumas pessoas para saírem de relações onde não se sentiam felizes.
Foi terapêutico?
DC: Muito. As horas que passámos juntos a gravar ajudaram-nos a organizar ideias, a lidar com sentimentos e a expressar as emoções difíceis.
AGM: Super terapêutico. Apesar de estamos a falar sobre divórcios, no tempo que passava com o David a gravar o 'podcast', conseguia abstrair-me das coisas menos boas que estavam a acontecer e até divertir-me.
Sendo ambos figuras públicas, isso acrescenta um peso ao divórcio?
DC: Não me considero figura pública... Tenho muita sorte se for reconhecido na minha própria casa! Mas claro que a exposição dificulta um pouco a relação com o ex. No meu caso, falei com a minha ex-mulher antes de lançar o 'podcast' e ficou tudo tranquilo. Dentro do possível.
AGM: Um divórcio nunca é um processo fácil, mas quando tem uma dimensão pública fica muito mais complicado gerir tudo, porque as coisas fogem do nosso controlo. Deixa de ser apenas um casal a ter de lidar com os seus problemas pessoais. De repente, é meio mundo a tecer considerações sobre a nossa separação, a tomar partidos e a inventar histórias. É muito cansativo e desgastante.
Lembram-se do exato momento em que deram por vocês a tomar consciência de que o que 'era para a vida toda', afinal não seria bem assim?
DC: No meu caso foi quando fui ao consultório da terapeuta de casal, convencido que a minha ex-mulher estava a tentar remediar o casamento e fui informado de que seria precisamente o oposto. Eu gosto de surpresas, mas não gostei daquela.
AGM: No livro falo muito sobre isso. O preciso momento em que um casal ou um dos membros percebe que não dá mais. Normalmente, isso não acontece de um dia para o outro. Há várias situações que se vão acumulando, às quais não se dá a devida atenção, e depois, quando finalmente se acorda para a vida, já é demasiado tarde.
Para lá de todas as questões logísticas, como é feita a gestão emocional?
DC: Com muitos altos e baixos. Uma das questões mais peculiares de uma separação destas é a panóplia - ou manancial, se preferirem - de sentimentos que nos avassalam a seu bel-prazer. É importante saber e aceitar que vamos sentir todo o tipo de sentimentos em conflito nas mais variadas e inesperadas situações. Mas que, ao longo do tempo, isto vai melhorar.
AGM: É preciso perceber que um divórcio não é um processo estanque ou linear, em que vai cada um para seu lado e pronto. Fica tudo resolvido. Há avanços, recuos e vários estados emocionais. É um trabalho que se vai fazendo e que leva tempo.
Como é que se diz a um filho que 'a mãe o pai já não são namorados'?
DC: Não sei se há receitas infalíveis. Suspeito que não. No nosso caso, tivemos muito cuidado, tentámos responder a todas as perguntas e logo depois fizemos alguma coisa para distrai-los. O mais importante é que os miúdos não sintam que estão a perder os pais.
AGM: No nosso, tentámos simplificar a coisa ao máximo. Limitámo-nos a dizer que o pai e a mãe já não eram namorados, que iam viver em casas diferentes, mas que eles seriam sempre a nossa prioridade e que nada mudaria na forma ou na intensidade com que gostávamos deles.
É possível um fim de relação civilizado?
DC: Sim, é. Tudo depende da mentalidade com que se aborda o processo. No nosso caso, mantivemos sempre o bem-estar dos nossos filhos como principal prioridade, o que acabou por guiar as nossas decisões da melhor maneira. Esperamos... Mas para isto é importante que mantenhamos alguma consciência das nossas emoções a cada instante.
AGM: Claro que sim, mas depende muito de casal para casal, do que levou à rutura e do estado em que cada um fica depois do divórcio. Mas uma relação civilizada deveria ser sempre o objetivo máximo de cada ex-casal, sobretudo quando já há filhos pelo meio.
Como se faz o 'luto' pela pessoa que se 'perdeu'?
DC: É um clichê, mas o passar do tempo faz muita diferença. Além disso, há muitas coisas que ajudam e se podem fazer proativamente, nomeadamente manter uma distância de segurança para que a relação antiga possa terminar e se possa criar uma nova relação com o ex.
AGM: Eu sei que quando as pessoas estão magoadas odeiam ouvir coisas como 'o tempo cura tudo', mas é mesmo verdade. O tempo ajuda a ganhar algum distanciamento, perspetiva e suaviza tudo. Vai doendo cada vez menos, até deixar de doer por completo.
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O que é que ninguém conta sobre a vida pós-divórcio?
DC: Que não é um forrobodó. Há pessoas que ainda nutrem fantasias de todos os novos amores, novos hobbies, mil viagens. Na verdade, o pós-divórcio é um luto e, como tal, é assim a mandar para o tristonho. Falamos bastante sobre o que é o verdadeiro panorama dos encontros amorosos pós-divórcio e aquilo é uma selvajaria.
AGM: Creio que ainda há algum estigma em torno do tema divórcio porque, basicamente, é assumir que um projeto de vida falhou e ninguém lida particularmente bem com falhanços. Criámos este 'podcast' precisamente para falar disto de forma leve, despudorada, com sentido de humor, mas também com muita verdade. Não estamos aqui para passar paninhos quentes, para dizer que o divórcio é uma coisa espetacular, porque não é. Há coisas realmente duras neste processo. Por exemplo, não se divorciem a achar que vão passar a ter uma vida louca e cheia de programas, porque só vocês é que se estão a divorciar. O resto do mundo, a vossa família e os vossos amigos continuarão nas suas vidinhas preenchidas de sempre.
Que conselhos dão para que uma relação não acabe em divórcio?
DC: Aconselhamos a ler o livro!
AGM: Temos um ótimo capítulo no livro dedicado exclusivamente a isso. Se contarmos tudo ao Noticias ao Minuto, depois ninguém vai comprar.
No vosso caso, que coisas boas resultaram do divórcio?
DC: No meu caso, ganhei a hipótese de construir uma nova relação sem a 'bagagem' que a minha anterior já tinha. Também ganhei alguns 'followers' nas redes sociais.
AGM: Ganhámos, necessariamente, mais tempo para nós. E também a perspetiva de que coisas melhores poderão estar para vir.
Hoje em dia, como olham para o divórcio? Continuam a acreditar que é um fracasso?
DC: Por um lado, é claramente um fracasso de um projeto de vida que considerava um dos aspetos mais importantes da minha. Por outro lado, é capaz de ser mais saudável encarar o divórcio como parte do ciclo normal das relações. Atenção! Não digo que todas as relações têm de acabar em divórcio, mas já que a maior parte acaba, mais vale encarar o processo com alguma naturalidade.
AGM: Já tive mais essa perspetiva, sobretudo quando sentia muito o peso da culpa e por acreditar que era eu a grande responsável por a relação ter terminado. Depois, ganha-se algum distanciamento, percebe-se que a culpa raramente é exclusiva de apenas um dos membros do casal e vai-se ficando mais em paz. Mas, claro, casei a acreditar que era para a vida. O facto de ter acabado em divórcio não deixa de ser um falhanço.
Desde que criaram o 'podcast', os casais procuram-vos decididos a reconstruir o casamento ou para pedir 'aval' à separação?
DC: Um bocadinho das duas, na verdade. Mas tendo a preferir não me meter muito, já que as minhas qualificações são principalmente no lado da incapacidade de manter uma relação. É um bocado como pedir ao último classificado da terceira divisão dicas para ganhar a Champions.
AGM: Sim. Há algumas pessoas que nos pedem palpites sobre as suas relações e conselhos sobre o que devem ou não fazer. Pessoalmente, escuso-me sempre a alimentar conversas de género, porque só conhecemos um lado da história e não quero sentir-me responsável pelas tomadas de decisão alheias.
Consideram que fazem uma espécie de 'serviço público'?
DC: Sim. Estamos ali ao nível dos bombeiros e do INEM. Brincadeira! Acho que, na melhor das hipóteses, damos às pessoas a sensação de que não estão tão sozinhas nos seus sentimentos.
AGM: Não sei se chegamos a tanto, mas não tenho qualquer dúvida de que temos sido um bom fator de distração ou entretenimento para pessoas que estão a passar por uma fase afetiva menos boa.
Qual a diferença entre o 'podcast' e este livro?
DC: No livro aprofundamos muito mais os temas. No 'podcast', quando um de nós começa a escavacar muito os sentimentos, o outro tem sempre uma piadola para aliviar. O livro tem muito humor na mesma, mas muito mais emoção.
AGM: O livro é muito mais intimista. No 'podcast' estávamos sempre os dois, a ouvir o que o outro pensava sobre o assunto. O livro cada um escreveu a sua parte, no recato do seu lar, sem fazermos a mínima ideia do que o outro estava a escrever. Combinámos não ler nada, sobretudo para não nos influenciarmos. Só li a parte do David depois de o livro ter sido lançado e acho que nos complementamos bem: eu um bocadinho mais introspetiva, ele mais dado à piada.
Existe uma versão 'censurada' do livro? Pensamentos que nunca chegaram a partilhar com ninguém?
DC: Do meu lado nem por isso. Disse tudo o que queria dizer.
AGM: Não é uma versão censurada, mas é normal que numa primeira fase haja uma tendência para escrever tudo o que nos passa pela cabeça e que depois, à medida que se vá relendo, se opte por cortar algumas coisas. No meu caso, decidi tirar tudo o que achei que não acrescentava nada aos leitores, que era demasiado pessoal ou que pudesse melindrar o meu ex.
Primeiro um 'podcast', depois a 'tour' ao vivo e, agora, um livro. O que se segue?
DC: Estamos a pensar lançar uma marca de ténis chamada 'põe-te a andar', para pessoas que querem despachar os parceiros, mas não sabem como fazer. Acho que vai ter muita saída.
AGM: Estamos a pensar num musical, depois numa série e, por fim, num filme. Já contatámos a Angelina Jolie e o Brad Pitt para nos representarem, até porque eles também percebem do tema divórcios.
Como é que estão a lidar com este fim de casamento 'podcastiano'?
DC: Eu bem. A Ana Garcia Martins está destroçada. Disse-me, palavras dela, que esta separação lhe está a custar mais do que o próprio divórcio. Por isso, relutantemente lá aceitei fazer um outro 'podcast' com ela.
AGM: Muito bem. Não era possível ficar a falar de divórcios eternamente. O tema acaba por se esgotar e, para já, sentimos que já dissemos tudo o que tínhamos a dizer sobre o assunto. Mas gostamos muito da nossa dinâmica, das nossas conversas e das nossas parvoíces, por isso já temos um novo 'podcast' alinhavado.
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