Os momentos-chave dos protestos em Hong Kong pós-1997
Em 09 de junho de 2019, faz terça-feira um ano, começavam em Hong Kong os protestos contra a lei da extradição, mais um momento-chave do movimento pró-democracia na ex-colónia britânica desde a transição para a China.
© Reuters
Mundo Cronologia
Hong Kong regressou à China em 1997, sob um acordo que garantia ao território 50 anos de autonomia e liberdades desconhecidas no resto do país, ao abrigo do princípio "um país, dois sistemas".
A constituição da "Lei Básica" garantiu proteger, durante meio século, as instituições democráticas que distinguem Hong Kong da China continental, dominada pelo Partido Comunista.
Apesar disso, o acordo foi ameaçado repetidamente ao longo dos anos, com a revolta contra a lei da extradição, no ano passado, a converter-se no maior protesto desde que Hong Kong se tornou novamente território chinês: sete meses de manifestações, quase sempre marcadas por confrontos com a Polícia, e mais de um milhão de pessoas nas ruas.
Estes são alguns dos eventos mais importantes na luta da população para determinar o futuro de Hong Kong:
2003: Segurança Nacional
A primeira grande onda de protestos surgiu quando os líderes de Hong Kong tentaram aprovar legislação para proibir atos de traição e subversão contra o Governo chinês. O projeto - semelhante à lei agora aprovada por Pequim, em 28 de maio de 2020 - permitiria acusar dissidentes, proibindo ainda entidades políticas estrangeiras de realizar atividades e estabelecer relações com grupos políticos em Hong Kong.
A proposta motivou um dos três maiores protestos da era pós-1997. Os organizadores estimaram que cerca de meio milhão de pessoas se tivessem manifestado contra o projeto de lei, que consideraram uma afronta à autonomia e ao Estado de Direito de Hong Kong. O projeto de lei acabou por ser retirado. Um membro do conselho Executivo renunciou em protesto, e outras medidas que integravam a proposta foram suspensas.
2010: Eleições diretas
Na Lei Básica afirma-se que o objetivo final é que os eleitores de Hong Kong alcancem uma democracia completa, mas dez anos volvidos após a transferência, a China decidiu em 2007 que o sufrágio universal nas eleições do chefe do Executivo não poderia ser implementado até 2017. Alguns legisladores são escolhidos por grupos empresariais e comerciais, enquanto outros são eleitos por voto.
Numa tentativa de acelerar a decisão sobre o sufrágio universal, cinco legisladores renunciaram ao cargo. Mas a esse ato seguiu-se a adoção de mudanças eleitorais apoiadas por Pequim, que ampliaram a comissão eleitoral que escolhe o chefe do Governo, e acrescentaram mais vagas para os deputados eleitos por voto direto. A legislação dividiu o campo pró-democracia de Hong Kong. Alguns apoiaram as reformas, enquanto outros consideraram que só atrasariam a democracia plena, reforçando ao mesmo tempo uma estrutura que favorece Pequim. Contudo, este processo acabou por marcar as primeiras mudanças no sistema eleitoral desde a transição.
2012 - 'Educação Patriótica'
A proposta de introduzir no currículo de todas as escolas públicas uma disciplina de 'educação moral e nacional', criticando as democracias multipardiárias e elogiando o Partido Comunista, levou a novos protestos. O plano previa a adoção de um manual didático com o "modelo chinês".
Pelo menos 90.000 pessoas manifestaram-se contra a proposta, em 29 de julho de 2012, com slogans como "No thought control" ("Não ao controlo do pensamento"), em alusão à música "Another brick in the wall", da banda britânica Pink Floyd.
Os manifestantes ocuparam a sede do Governo durante 10 dias. O plano acabaria por ser abandonado, mas o movimento de contestação fez surgir um grupo de líderes estudantis, incluindo o ativista pró-democracia Joshua Wong, na altura com 15 anos. Apesar de o plano não ter avançado, desde então houve várias intrusões na educação em Hong Kong, incluindo perguntas de um exame de História que Pequim contestou, em 2013, ou, mais recentemente, em maio de 2020.
2014: 'Revolução dos guarda-chuvas'
De regresso à promessa original de permitir que os moradores de Hong Kong elegessem o seu líder até 2017, o Governo chinês apresentou um projeto de lei que o permitiria, mas com uma importante limitação: os candidatos tinham de ser aprovados por Pequim. "O Chefe do Executivo deve ser uma pessoa que ama o país [China] e ama Hong Kong", lia-se na decisão da Assembleia Nacional Popular da China.
Os legisladores pró-democracia ficaram indignados com o projeto de lei, que qualificaram como "falso sufrágio universal" e "falsa democracia".
O processo desencadeou um protesto maciço, de contornos diferentes dos anteriores, já que a multidão ocupou alguns dos distritos mais lotados de Hong Kong durante 70 dias. Os organizadores do movimento batizaram-no de "Ocuppy Central with Love and Peace" (Ocupar Central com Amor e Paz), mas acabou por ficar conhecido em todo o mundo como a "Revolução dos guarda-chuvas", por causa dos guarda-chuvas amarelos que os manifestantes usavam como escudos contra o gás pimenta utilizado pela polícia para dispersar os protestos.
Em junho de 2015, os deputados de Hong Kong rejeitaram formalmente o projeto, e a reforma eleitoral ficou paralisada desde então. A atual chefe do Governo, Carrie Lam, amplamente vista como candidata favorita do Partido Comunista Chinês, foi escolhida a dedo em 2017 por uma comissão eleitoral composta por 1.200 pessoas, dominada pelas elites pró-Pequim.
2019: A lei da Extradição
Carrie Lam anunciou no início do ano uma proposta de emendas à lei de extradição que permitiria que suspeitos de crimes fossem enviados para a China para enfrentar acusações. Os opositores consideraram que o diploma iria corroer o Estado de Direito de Hong Kong e a independência judicial, contra o que tinha ficado definido na Lei Básica do território.
A legislação proposta provocou um enorme protesto em 09 de junho, com os organizadores a estimarem um milhão de pessoas na rua. A 12 de junho, uma nova manifestação ficou marcada por confrontos violentos com a polícia, que causaram mais de 100 feridos e pelo menos 11 detenções. Os manifestantes tentaram invadir o Conselho Legislativo, para impedir a aprovação do diploma, levando ao adiamento do debate, cujo início estava marcado para esse dia. No dia 16 de junho, cerca de dois milhões de pessoas participaram em novo protesto, segundo os organizadores.
Face à contestação, Carrie Lam anunciou em 15 de junho que a discussão da proposta de lei seria suspensa, mas a retirada formal do diploma só aconteceria em setembro desse ano. Os protestos continuaram, com os manifestantes a reclamarem o cumprimento das restantes quatro reivindicações: a libertação dos manifestantes detidos, que as ações dos protestos não sejam identificadas como motins, um inquérito independente à violência policial e, finalmente, a demissão da chefe de Governo e consequente eleição por sufrágio universal para este cargo e para o Conselho Legislativo.
A tensão foi aumentando com a crescente influência de Pequim na região. Em setembro, Hong Kong proibiu o Partido Nacional de Hong Kong, que defende a independência do território, por motivos de segurança nacional.
Em 02 de outubro, no 70.º aniversário do Partido Comunista na China, o território voltou a viver violentos protestos, com a polícia a balear um manifestante de 18 anos, que acabaria por morrer.
Em novembro, os candidatos pró-democracia nas eleições para os conselhos distritais obtiveram um resultado esmagador face ao campo pró-Pequim, assinalando o apoio da população aos protestos: conquistaram 87% dos assentos do Conselho Distrital e venceram em 17 dos 18 conselhos distritais, todos anteriormente sob controlo das forças pró-governamentais.
2020: Lei do hino chinês e lei da segurança nacional
Em maio, o Governo de Hong Kong anunciou que estava a trabalhar num projeto de lei para criminalizar ofensas à bandeira e ao hino nacional chinês, dias após um deputado pró-Pequim assumir o controlo da comissão responsável por avaliar a proposta.
Mas seria o anúncio de Pequim de que pretendia aprovar uma nova lei da segurança nacional, após repetidas advertências do poder comunista chinês contra a dissidência em Hong Kong, que traria os manifestantes de novo para a rua, depois de meses de calma desde os protestos de 2019, muito graças às medidas instauradas para combater a pandemia de covid-19.
Em 24 de maio, milhares de pessoas desafiaram o confinamento para protestar contra a nova lei de segurança, que consideram limitar as liberdades no território e pôr em risco as manifestações pró-democracia. Os manifestantes voltaram aos protestos dois dias depois, em 27 de maio.
Pequim aprovou a lei no dia seguinte. O diploma, ainda não finalizado, proíbe "qualquer ato de traição, separação, rebelião, subversão contra o Governo Popular Central, roubo de segredos de estado, a organização de atividades em Hong Kong por parte de organizações políticas estrangeiras e o estabelecimento de laços com organizações políticas estrangeiras por parte de organizações políticas de Hong Kong". Em resposta, os Estados Unidos anunciaram que já não consideram Hong Kong uma região autónoma em relação à China continental e o Governo britânico ameaçou emitir passaportes para milhões de residentes em Hong Kong, se a China não recuar.
A lei que criminaliza ofensas ao hino chinês também foi aprovada, no dia 04 de junho, data em que se assinalava o 30.º aniversário de Tiananmen. Nessa noite, milhares de manifestantes acenderam velas e gritaram frases a favor da democracia, desafiando a proibição de uma vigília em memória das vítimas da repressão na Praça Tiananmen, em 1989.
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