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Posição sobre Saara não colide com apoio ao direito à autodeterminação

A aceitação pelo Governo de Espanha do plano de autonomia para o Saara Ocidental proposto por Marrocos não colide com a posição histórica de Madrid de defesa do direito à autodeterminação dos povos, consideram dois analistas espanhóis.

Posição sobre Saara não colide com apoio ao direito à autodeterminação
Notícias ao Minuto

07:33 - 09/04/22 por Lusa

Mundo Saara Ocidental

Em declarações à agência Lusa, os professores universitários Itziar Ruiz-Giménez Arrieta e José Maria Peredo opinaram que a nova posição deve ser vista como uma forma de tentar resolver o problema do Saara Ocidental, que se arrasta há dezenas de anos, estando relacionada sobretudo com a busca de uma nova ordem mundial pelo Ocidente.

"O apoio de Madrid ao direito à autodeterminação do povo palestiniano é muito diferente do caso do Saara, a começar pelo facto de no caso da Palestina haver já um 'estado' constituído e reconhecido", disse à Lusa o professor de Comunicação e Política Internacional na Universidade Europeia de Madrid José Maria Peredo.

Espanha, que ainda é considerada a potência colonial que administra o Saara Ocidental, território que abandonou em 1975, defendeu durante muito tempo que o controlo Marrocos sobre o território era uma ocupação e que se devia realizar um referendo patrocinado pela ONU para que o povo saarauí decidisse sobre o seu futuro. O território é reclamado pelo movimento independentista Frente Polisário, apoiado pela Argélia.

Por isso, Madrid surpreendeu quando em meados de março o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, enviou ao rei de Marrocos, Mohamed VI, uma carta reconhecendo "a importância da questão do Saara para Marrocos" e considerando a proposta de Rabat para criar um Saara Ocidental autónomo controlado pelo país como sendo a iniciativa "mais séria, realista e credível" para solucionar décadas de disputa pelo vasto território.

Itziar Ruiz-Giménez Arrieta, professora e coordenadora do Grupo de Estudos Africanos da Universidade Autónoma de Madrid, também concorda que cada "caso tem de ser analisado à luz de contextos políticos e jurídicos muito diferentes".

"O caso da Palestina é muito diferente", afirmou a catedrática, dando ainda como exemplo de "critérios políticos muito particulares" a posição de Madrid contra a independência do Kosovo em 2008, porque poderia servir de antecedente às aspirações também de autodeterminação da região espanhola da Catalunha.

Para José Maria Peredo, Madrid "está à procura de uma solução para um conflito que se arrastava sem fim à vista" e a questão deve também ser vista no quadro mais global de uma nova ordem internacional que poderia alargar a estabilidade, democracia e desenvolvimento mais para sul na outra margem do Atlântico.

De acordo com as resoluções das Nações Unidas, o Saara Ocidental é um "território não autónomo", cujo estatuto só pode mudar quando "o povo da colónia ou território (...) tiver exercido o seu direito à autodeterminação em conformidade com a Carta [das Nações Unidas] e, em particular, com os seus objetivos e princípios".

Na mesma linha, um acórdão do Tribunal da União Europeia de 29 de setembro de 2021 declarou que a Frente Polisário é o legítimo representante do povo saarauí, devendo ser consultada no caso de qualquer decisão que o afete.

No entanto, o conflito entre Marrocos e a Frente Polisário arrasta-se há mais de quatro décadas.

Os Estados Unidos, quando tinham como presidente o republicano Donald Trump, foram a primeira grande potência a reconhecer a soberania marroquina sobre o Saara Ocidental, em dezembro de 2020, como parte de um acordo no qual Marrocos normalizou as suas relações diplomáticas com Israel.

Madrid tem referido que a sua nova posição se alinha com a da Alemanha e da França, que também apoiariam o plano de autonomia de Marrocos.

Os analistas observam que a ONU, nomeadamente através do novo enviado para o Saara Ocidental, o italiano Staffan de Mistura, tem agora de tentar esclarecer uma série de questões em aberto, como o da necessidade de realização de um referendo no território.

Itziar Ruiz-Giménez Arrieta alerta que, no caso da organização de um referendo, "devem ser dadas garantias para que este seja levado a cabo sem manipulação e de uma forma independente".

O plano de autonomia de Rabat prevê a cedência de certas competências ao povo saarauí, mas no quadro de um Estado marroquino fortemente centralizado.

"A região autónoma do Saara" teria assim competências em matéria jurídica, administrativa e judicial, bem como em matéria económica, fiscal e sociocultural.

No entanto, em termos de moeda, religião, defesa, negócios estrangeiros e bandeira, a competência caberia exclusivamente ao governo marroquino. Mais, a região teria um governo e um presidente investidos pelo rei Mohamed VI e eleitos previamente pelo parlamento marroquino.

A alteração de posição do Governo espanhol está longe de ser consensual em Espanha, tendo sido criticada por todos os grupos políticos, excetuando o Partido Socialista (PSOE) de que Pedro Sánchez é o secretário-geral.

Mesmo uma parte do Governo espanhol está contra a nova posição, com o parceiro do PSOE na coligação governamental minoritária, o Unidas Podemos (extrema-esquerda), a recusá-la.

Madrid defende a sua posição, argumentando que o acordo alcançado com Marrocos é "equilibrado" para os interesses de ambos os países e que abre "uma nova etapa muito mais sólida" em termos de segurança, migrações, mobilidade e relações comerciais e económicas entre "parceiros estratégicos".

Pedro Sánchez deslocou-se na última quinta e sexta-feira a Rabat, onde os dois países se comprometeram a "abrir uma nova etapa" nas suas relações suspensas há um ano.

A crise entre Rabat e Madrid teve o seu ponto mais alto com a chegada de mais de 10.000 migrantes ao enclave espanhol de Ceuta, em meados de maio de 2021, na sequência de uma flexibilização dos controlos do lado marroquino.

A Espanha denunciou na altura a "chantagem" e a "agressão" de Marrocos, tendo Rabat chamado a sua embaixadora em Madrid, que só regressou no passado dia 20 de março, dois dias depois de ser conhecida a nova posição de Espanha.

A deslocação de Sánchez a Rabat foi feita no mesmo dia em que uma maioria de deputados no parlamento espanhol aprovou uma declaração política que ratifica o seu apoio para que o Saara Ocidental possa decidir sobre o seu futuro num referendo de autodeterminação, sendo o PSOE o único partido que votou contra.

Os parlamentares denunciaram o abandono da posição "histórica" de neutralidade de Madrid em relação à antiga colónia espanhola.

Uma reunião de alto nível entre os governos espanhol e marroquino deverá realizar-se antes do final do ano para implementar o "roteiro" de aproximação dos dois países.

Entre as "questões de interesse comum" estão a "reativação" da cooperação em matéria de migração e a delimitação das águas territoriais, e outras prioridades incluem o comércio e o investimento - a Espanha é o principal parceiro comercial de Marrocos - e a cooperação energética, depois de a Argélia ter encerrado o gasoduto Magrebe-Europa.

Para Madrid, o principal objetivo do restabelecimento de relações com Rabat é assegurar a sua "cooperação" no controlo da imigração ilegal. Marrocos tem sido regularmente acusado por muitos observadores de utilizar os migrantes como meio de pressão.

O governo espanhol também espera que Rabat afaste a sua reivindicação em relação aos enclaves de Ceuta e Melilla, mas os analistas advertem que Madrid não recebeu quaisquer garantias reais de Marrocos.

Leia Também: Sánchez reafirma a Mohammed VI posição de Espanha sobre Saara ocidental

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