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Mediação de Staffan de Mistura entre paciência e "missão impossível"

Um ano após ser nomeado como enviado pessoal do secretário-geral das Nações Unidas para o Saara Ocidental, o diplomata ítalo-sueco Staffan de Mistura ainda está longe de ser consensual, face aos lentos resultados na mediação do conflito.

Mediação de Staffan de Mistura entre paciência e "missão impossível"
Notícias ao Minuto

08:13 - 20/11/22 por Lusa

Mundo Saara Ocidental

Considerada por observadores internacionais como uma "missão impossível" - a de obrigar Marrocos e a Frente Polisário a chegarem a um consenso -, outros especialistas defendem que a multiplicidade de fatores obriga à paciência, salientando os pequenos e lentos avanços num processo sobre o qual de Mistura pouco controlo tem.

O contexto não ajuda, com as constantes disputas políticas entre Marrocos e a Argélia -- Argel apoia desde sempre a Frente Polisário, movimento de libertação da antiga colónia espanhola --, com Rabat a defender intransigentemente o plano de autonomia para o Saara Ocidental, recusado pelos sarauís, que exigem o referendo de autodeterminação prometido pela ONU em 1991.

"De Mistura tem avançado muito devagar, mas ainda não enfrenta um fracasso, pelo contrário. A última resolução do Conselho de Segurança [da ONU, do final de outubro] não mudou muitas coisas por causa da oposição de Marrocos e respetivos aliados, mas introduziu umas palavras potencialmente muito importantes sobre os atores do conflito", disse à agência Lusa o diretor do Programa para o Norte de África do International Crisis Group (ICG), Riccardo Fabiani.

E essas palavras são "all concerned" ("todos os envolvidos"), o que, para Fabiani, constitui uma "expressão mais alargada do que antigamente", uma vez que as anteriores resoluções falavam em retomar as negociações segundo o formato da "mesa redonda", envolvendo também a Argélia e Mauritânia. 

"Esta alteração abre o caminho a um novo plano de retoma das negociações entre Marrocos, a Frente Polisário e Argélia, num novo formato, um meio-termo entre as exigências da Polisário, que defende negociações bilaterais, e as de Marrocos, que pretende o formato de mesa redonda", explicou.

Fabiani salientou que norte-americanos e os europeus "estão prontos para apoiar este tipo de plano", assim que o enviado o apresentar oficialmente. 

"Isto não quer dizer que o regresso à mesa das negociações seja imediato, pois ainda há muito trabalho por fazer e há sempre um risco de Marrocos, Polisário ou Argélia recusarem esta hipótese. A retoma não equivale a um êxito nas negociações e as barreiras são enormes. Mas acho cedo demais para julgar o trabalho do enviado", sustentou Fabiani.

Para Romuald Sciora, cineasta e investigador franco-norte-americano especializado na ONU, a quem dedicou vários livros e documentários e que conheceu bem de Mistura quando este foi destacado para o Líbano, no início dos anos 2000, o ítalo-sueco é "um dos últimos, senão o último, dos pesos pesados do grande período da ONU no pós-Segunda Guerra Mundial, quando a organização era a 'peça chave' e quando o multilateralismo fazia sentido".

Para Sciora, citado quarta-feira passada pela revista Jeune Afrique, de Mistura, com uma experiência de mediação de mais de 40 anos, "sabia muito bem o que o esperava quando concordou em assumir o caso do Saara Ocidental, tendo sobretudo em conta a falta de vontade política dos atores em chegar a um compromisso, ou pela interferência de uma potência externa, a Argélia".

Mais a mais, lembrou, há que recordar o "desrespeito ao direito internacional", que complica o trabalho dos diplomatas da ONU, que constituiu o reconhecimento pela administração de Donald Trump da soberania marroquina sobre o Saara Ocidental, realizada à margem de qualquer legislação internacional. 

"É um 'modus operandi' que não incomoda Marrocos, desde que lhe permita alcançar o sucesso no campo diplomático", sublinha Sciora, situação que explica por, apesar dos encontros com autoridades marroquinas, argelinas e da Polisário, de Mistura se encontrar "isolado, até mesmo marginalizado do conflito", como a instituição que encarna, e cuja influência nos rumos dos eventos diminui de ano para ano.

"A ONU tornou-se um anão no cenário político, enquanto as agências humanitárias continuam a fazer um trabalho notável. Mas o Conselho de Segurança não representa já qualquer autoridade e os Estados não se sentem obrigados a seguir as recomendações", argumenta Sciora, apontando um "ostracismo" que, diz, é ilustrado pelas duas visitas infrutíferas do emissário à região, em janeiro e julho/setembro deste ano de 2022.

"Se há alguém que pode tentar é de Mistura. Sabe comunicar e abrir o diálogo. O problema é que herda uma disputa insolúvel, um pouco como o caso de Chipre. Atualmente é impossível um diálogo real entre Rabat e Argel, e a tentativa de apelar à Rússia para participar nas mediações já não é relevante por causa da guerra na Ucrânia", sublinhou o investigador francês.

Na atual fase, com as conversações estão suspensas, o principal objetivo de de Mistura é trazer todos de volta à mesa de negociações, especialmente a Argélia, tal como tentou o seu antecessor, o antigo Presidente alemão (2004/10) Horst Köhler, entre dezembro de 2018 e março de 2019, quando renunciou ao cargo.

De Mistura confronta-se também com o contexto de deterioração das relações entre todas as partes no conflito, a quebra do acordo de cessar-fogo de 1991 na sequência dos acontecimentos de Guerguerate, quando Marrocos pôs militarmente termo a um bloqueio na fronteira com o Saara Ocidental, em novembro de 2020, seguidos, alguns meses depois, pelo congelamento das relações diplomáticas entre Marrocos e a Argélia.

No final de outubro, o Conselho de Segurança da ONU decidiu renovar o mandato da MINURSO, considerando que a missão "representa o compromisso das Nações Unidas e da comunidade internacional a favor de uma solução política justa, duradoura e mutuamente aceitável" para o conflito no Saara Ocidental.

A Frente Polisário, por seu lado, acusa a ONU de falta de firmeza na aplicação das várias resoluções, com o chefe do Estado-Maior do Exército de Libertação do Povo Sarauí, Mohamed Luali Akeik, a lembrar que há 30 anos que as Nações Unidas se esquiva às responsabilidades, "o que se repercute no povo sarauí, que paga um alto preço pela teimosia de o ocupante marroquino".

Caberá a de Mistura desatar este "nó górdio".

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