Muhammad Yunus regressa ao Bangladesh para formar um novo Governo
O Prémio Nobel da Paz Muhammad Yunus chegou hoje ao Bangladesh, onde deverá chefiar um governo provisório destinado a conduzir "um processo democrático" com vista à realização de eleições, após a destituição da antiga líder Sheikh Hasina.
© Getty Images/MUNIR UZ ZAMAN/AFP
Mundo Nobel
O regresso do economista de 84 anos ocorre depois de a violência ter provocado a morte de mais de 400 pessoas e a fuga da primeira-ministra deposta, Sheikh Hasina.
A tomada de posse está prevista para hoje "por volta das 20:00" locais (15:00 em Lisboa), numa cerimónia que contará com a presença, à partida, "de uma centena de pessoas", anunciou o chefe do exército bengali, general Waker-Uz-Zaman.
Num discurso transmitido pela televisão à nação, o oficial disse estar "certo" de que Muhammad Yunus será "capaz de conduzir um belo processo democrático" em benefício do povo.
O Prémio Nobel exilado, que lançou um "apelo sincero à calma" aos seus compatriotas, aterrou como previsto pouco depois das 14:00 locais (09:00 em Lisboa) em Daca, depois de ter partido de Paris na quarta-feira e de ter feito uma escala no Dubai.
"Peço-vos que se abstenham de qualquer forma de violência" e "estejam prontos para construir o país", afirmou, numa declaração antes do seu regresso.
Na quarta-feira, na revista britânica The Economist, Yunus prometeu que faria tudo para garantir a realização de "eleições livres e justas nos próximos meses", mas, advertiu: "Os jovens não devem ficar obcecados com o ajuste de contas, como muitos dos nossos governos anteriores ficaram".
Tarique Rahman, presidente interino do Partido Nacionalista do Bangladesh (BNP), o principal movimento de oposição a Sheikh Hasina, também apelou na quarta-feira à organização de eleições "o mais rapidamente possível", num discurso em vídeo proferido a partir do seu exílio em Londres para uma grande multidão na capital, Daca.
O regresso de Muhammad Yunus foi facilitado pela sua absolvição, ainda na quarta-feira, de um recurso contra a sua condenação por infração à legislação laboral.
A sua condenação a seis meses de prisão em primeira instância, em janeiro, a única proferida num total de mais de 100 processos penais, foi considerada política pelos seus defensores. Em seguida, abandonou o país.
A decisão de "formar um governo provisório (...) com Yunus como líder" foi tomada durante uma reunião entre o Presidente bengali, Mohammed Shahabuddin, oficiais superiores do exército e líderes do coletivo Estudantes Contra a Discriminação, o principal movimento por trás dos protestos que começaram no início de julho, anunciou a Presidência do Bangladesh na quarta-feira.
O economista, conhecido por ter tirado milhões de pessoas da pobreza através do seu banco pioneiro de microfinanças, tinha incorrido na inimizade de Hasina, que o acusou de "sugar o sangue" dos pobres.
Terça-feira, Shahabuddin dissolveu o Parlamento, tal como exigido pelos estudantes em protesto e pelo BNP, um dia depois de ter ordenado a libertação das pessoas detidas durante as manifestações e dos presos políticos.
Num outro sinal de apaziguamento, na quarta-feira, o novo chefe da polícia, Mainul Islam, prometeu uma investigação "imparcial" das manifestações mortíferas e pediu desculpa pelo comportamento dos seus antecessores, que foram demitidos pelo Presidente.
Apelou aos polícias, que estão em greve desde terça-feira em protesto contra os ataques de que foram alvo, para que regressem hoje ao trabalho.
O exército procedeu igualmente a uma série de remodelações nas altas patentes, nomeadamente através da despromoção de alguns elementos considerados próximos de Hasina.
Pelo menos 432 pessoas foram mortas durante os protestos, incluindo pelo menos 122 na segunda-feira, o dia mais mortífero, segundo uma contagem da agência AFP baseada em fontes policiais, governamentais e médicas.
Milhares de bengalis saíram às ruas de Daca na segunda-feira. Os manifestantes invadiram o Parlamento, incendiaram estações de televisão pró-governamentais e destruíram estátuas do pai da primeira-ministra deposta, o herói da independência Sheikh Mujibur Rahman.
Os escritórios da Liga Awami, o partido de Hasina, foram incendiados e saqueados em todo o país. Lojas e casas pertencentes a hindus - um grupo considerado por alguns como próximo de Hasina - também foram atacadas, segundo testemunhas.
Desde então, "várias centenas de cidadãos do Bangladesh, na sua maioria hindus, reuniram-se em vários locais ao longo da fronteira" com a Índia, disse Amit Kumar Tyagi, Inspetor-Geral Adjunto da Força de Segurança Fronteiriça da Índia (BSF).
No distrito indiano de Jalpaiguri, mais de 600 bengalis reuniram-se na 'terra de ninguém', disse Tyagi.
"Como aqui não há vedação, o pessoal da BSF formou um escudo humano para os manter afastados", disse à AFP.
Os protestos no Bangladesh começaram no início de julho após a reintrodução de um esquema que reservava quase um terço dos empregos na função pública para descendentes de veteranos da guerra da independência.
O governo de Hasina foi acusado por organizações de defesa dos direitos humanos de utilizar as instituições para consolidar o seu poder e erradicar qualquer dissidência.
De volta ao poder em 2009, Hasina, de 76 anos, obteve um quinto mandato em janeiro, em eleições que não registaram uma verdadeira oposição. Acabou por ser destituída pelo exército e fugiu de helicóptero para a Índia na segunda-feira.
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