A decisão do tribunal de primeira instância, divulgada na terça-feira pela imprensa local, representa um marco na luta pelos direitos das famílias homoparentais na região administrativa especial chinesa.
O casal, identificado como R, de nacionalidade chinesa, e B, cidadã sul-africana com residência permanente em Hong Kong, casou-se no estrangeiro em 2019. O filho, identificado como K e nascido em 2021, foi concebido através de fertilização in vitro recíproca, com um óvulo de R e gestação por B.
Contudo, o registo civil local reconheceu apenas B como mãe legal, deixando R -- que tem o único vínculo genético com a criança -- sem qualquer estatuto parental oficial.
A disputa remonta a 2022, quando o casal deu início a uma ação judicial para reinterpretar a legislação local e garantir o reconhecimento de R como mãe. A juíza Queeny Au reconheceu R como "progenitora segundo o direito consuetudinário", mas sem clarificar os direitos concretos, por considerar que tal ultrapassaria as competências do tribunal.
Face à recusa do Departamento de Justiça em alterar o certificado de nascimento, foi pedida uma nova revisão judicial em 2023.
O juiz Russell Coleman, que presidiu à audiência mais recente, classificou a decisão anterior como "vazia", por não conferir a R quaisquer direitos ou obrigações legais efetivos. Sublinhou que a omissão de R no certificado de nascimento poderia pôr em causa o seu papel parental, afetando a dignidade e identidade da criança.
"Reflete um sentimento de inferioridade decorrente da ausência de um quadro legal de reconhecimento", afirmou o magistrado, citando uma decisão de 2023 do Tribunal de Última Instância que obriga à proteção dos direitos das uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Coleman rejeitou o argumento do Governo de que o certificado de nascimento era "pouco relevante" e frisou que imprecisões nesse documento podem prejudicar a privacidade e o desenvolvimento da identidade da criança em momentos importantes da sua infância.
O juiz rejeitou também a sugestão governamental de que R deveria pedir tutela legal da criança, considerando que "um progenitor é um progenitor" e que tal alternativa é insuficiente.
O tribunal instou os advogados a proporem medidas concretas para executar a sentença.
Em Hong Kong, o casamento entre pessoas do mesmo sexo não é reconhecido de forma plena, sendo apenas admitido para efeitos limitados, como tributação ou heranças, após disputas judiciais.
Em 2023, o Tribunal de Última Instância deu dois anos ao Governo para criar um quadro legal claro para os casais do mesmo sexo. Contudo, um projeto de lei sobre direitos médicos e decisões póstumas enfrenta forte oposição e deverá ser votado hoje no Conselho Legislativo.
A decisão judicial representa um avanço na luta pela igualdade de direitos da comunidade LGBTQ em Hong Kong, onde o reconhecimento legal das uniões entre pessoas do mesmo sexo continua restrito e controverso.
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