Da reunião à consulta. A confusa fita do tempo de Sales no caso gémeas
António Lacerda Sales viu o seu nome ser envolvido no caso das gémeas luso-brasileiras, que toca também o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o seu filho, Nuno Rebelo de Sousa, que alegadamente terá metido uma cunha para o tratamento das crianças.
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O caso das gémeas luso-brasileiras com atrofia muscular espinhal que foram tratadas com Zolgensma (um medicamento que custa milhões de euros), no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, continua a ganhar novos capítulos e adensa-se a polémica em torno de António Lacerda Sales.
O ex-secretário de Estado da Saúde viu o seu nome ser envolvido no caso, que toca também o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o seu filho, Nuno Rebelo de Sousa, que alegadamente terá metido uma cunha para o tratamento das crianças. Desde então, muito está por esclarecer e muitas contradições foram encontradas no envolvimento do antigo governante.
Afinal, o que se sabe e o que já foi dito? Eis a fita do tempo da polémica
O alegado envolvimento de Lacerda Sales no caso começou quando uma reportagem da TVI revelou que a primeira consulta das gémeas terá sido solicitada por um secretário de Estado à diretora do Departamento de Pediatria do Hospital Santa Maria.
A (não) marcação da consulta e a ausência de documentos
Inicialmente, Lacerda Sales negou ter marcado qualquer consulta, referindo que nenhum secretário de Estado tem poder para marcar consultas e influenciar ou violar a consciência e a autonomia de qualquer médico.
"Nenhum secretário de Estado, nem ninguém, tem poder para marcar consultas, nem para influenciar ou violar quer a consciência quer a autonomia de qualquer médico", disse, numa resposta à agência Lusa, no dia 5 de dezembro, tendo ainda referindo que não se recordava do caso das gémeas e que tinham passado quatro anos.
"Além disso, não tenho acesso a quaisquer documentos e, portanto, não consigo reconstituir na fita do tempo todo este processo e espero tranquilamente por ter acesso a esses documentos" para o poder fazer, salientou.
As falhas de memória
No entanto, apenas um dia depois, a 6 de dezembro, as notícias eram outras. É que, depois de ter negado qualquer intervenção, o ex-secretário de Estado da Saúde admitiu que, afinal, não se recordava se marcou uma consulta para as meninas naquela unidade de saúde.
Esta nova posição surgiu depois de a SIC Notícias apurar que a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), que está a averiguar o caso, terá na sua posse um documento enviado por uma secretária do antigo governante a solicitar a marcação de uma consulta para as gémeas no Santa Maria. Contactado pelo canal televisivo, o antigo secretário de Estado da Saúde assegurou não se recordar de ter agido pessoalmente ou através de terceiros, ainda que tenha prometido solicitar os referidos documentos à IGAS.
As alegadas reuniões com o filho de Marcelo e o retorno à posição inicial sobre a marcação da consulta
Mas as novidades em torno do caso não deixavam de surgir e, no dia 7 de dezembro, a TVI avançava que Lacerda Sales e Nuno Rebelo de Sousa, se teriam reunido no Ministério da Saúde, em 2019, altura em que gémeas luso-brasileiras foram tratadas. Na altura, ao ser confrontando pela estação televisiva, Lacerda Sales disse que decorria um "inquérito em sede própria" e recusou confirmar ou desmentir a situação "em praça pública".
"Não quero desmentir, nem confirmar, porque são situações que só em sede própria é que devem ser tratadas", afirmou, reiterando que iria respeitar aquilo "que são os poderes e os tempos da justiça".
Dias depois, ao falar do assunto, Lacerda Sales garantia, à Renascença, que "nunca falou do assunto" com o Presidente da República, nem com o primeiro-ministro, António Costa, ao mesmo tempo que disse não se recordar e aguardar documentação para se poder pronunciar sobre a alegada reunião que terá tido com o filho do Presidente da República.
Além disso, regressava à sua posição inicial e dizia que não tinha marcado a consulta no Serviço Nacional de Saúde (SNS) para as gémeas.
Enquanto se discutia um inquérito aberto pela Ordem dos Médicos ao caso das gémeas e enquanto se votavam as audições parlamentares da ex-ministra da Saúde e atual deputada do PS Marta Temido, bem como de Lacerda Sales e de Nuno Rebelo de Sousa - chumbadas - eis que a polémica se volta a adensar.
A confirmação do encontro, o pedido e a promessa de que o caso seria tratado "sem privilégio"
O antigo secretário de Estado da Saúde admitiu, ao Expresso, na edição desta sexta-feira, 22 de dezembro, que se reuniu com o filho de Marcelo e que foi nessa reunião que ficou a conhecer do caso das gémeas, reafirmando, contudo, que não esteve envolvido na marcação da consulta das crianças.
Em entrevista ao semanário, o antigo governante afirmou que teve uma reunião com Nuno Rebelo de Sousa a 7 de novembro de 2019, a pedido do filho do chefe de Estado, altura em que ficou a conhecer o caso das irmãs. A reunião, esclareceu Lacerda Sales, foi-lhe pedida uma reunião para "apresentação de cumprimentos", desconhecendo até essa data a existência das gémeas com atrofia muscular espinal.
"Fez o pedido ao meu gabinete, com o objetivo de apresentar cumprimentos, dado que não o conhecia", esclareceu Lacerda Sales.
O antigo membro do Governo explicou que Nuno Rebelo de Sousa lhe contou que conhecia duas crianças brasileiras que precisavam de um medicamente para a doença, e que o filho do Presidente da República lhe perguntou qual era a amplitude do seu poder e até onde poderia chegar o caso.
"Dei-lhe informação que trataria este caso como todos os outros, sem privilégio, porque todos os processos que me chegavam formalmente constituídos sinalizavam para as diferentes instituições. E foram centenas", garantiu Lacerda Sales.
O deputado socialista vincou ainda que não recebeu documentos ou informações sobre o processo clínico das crianças e repetiu que não teve qualquer qualquer intervenção na marcação da consulta.
Além disso, confirmo que teve "uma segunda reunião" com o filho de Marcelo, "mas sobre um assunto completamente diferente".
Recorde-se que o caso das gémeas foi revelado numa reportagem da TVI, transmitida no início de novembro, segundo a qual duas crianças luso-brasileiras vieram a Portugal em 2019 receber o medicamento Zolgensma, - um dos mais caros do mundo - para a atrofia muscular espinhal, que totalizou no conjunto quatro milhões de euros.
Segundo a TVI, havia suspeitas de que isso tivesse acontecido por influência do Presidente da República, que negou qualquer interferência no caso.
O caso está a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República, pela IGAS e é também objeto de uma auditoria interna no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, do qual faz parte o Hospital de Santa Maria.
A família das meninas, cujo pedido de nacionalidade portuguesa ficou concluído em 14 dias, será conhecida do filho e da nora de Marcelo Rebelo de Sousa.
No início deste mês de dezembro, o Presidente da República, que garantiu anteriormente que não se recordava "minimamente" de como a trama tinha começado, confirmou que, a 21 de outubro de 2019, recebeu um e-mail do filho, Nuno Rebelo de Sousa, sobre a situação das meninas, que era "uma corrida contra o tempo".
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