Da AR à rua, da "traição" aos cravos. O que foi dito no Dia da Liberdade?
Cumpriram-se 50 anos do 25 de Abril de 1974, num dia marcado pela sessão solene no Parlamento e pela tradicional descida da Avenida da Liberdade.
© FILIPE AMORIM/AFP via Getty Images
Política 25 de Abril
Foi há 50 anos que um grupo de militares rumou a Lisboa, desde Santarém, com um objetivo em mente: Colocar fim ao regime do Estado Novo e, principalmente, à guerra colonial. A missão correu com sucesso e, na quinta-feira, celebrou-se esse 50.º aniversário da madrugada que Sophia de Mello Breyner "esperava".
Primeiro, com uma cerimónia militar no Terreiro do Paço e, depois, com a tradicional sessão solene na Assembleia da República.
Foi na "casa da Democracia" - que não é um "castelo fechado", como referiu o presidente da Assembleia da República, José Paulo Aguiar-Branco - que se fizeram as principais intervenções do dia, tanto do próprio líder do Parlamento como do Presidente da República.
Se Aguiar-Branco pediu "moderação", citando os feitos do antigo primeiro-ministro e antigo Presidente da República socialista Mário Soares, Marcelo Rebelo de Sousa apelou aos portugueses para que tenham a "humildade" de "preferir sempre a Democracia, mesmo imperfeita, à ditadura".
O Presidente da República argumentou, também, que "é injusto comparar o incomparável, e esquecer os custos globais daquilo que vivemos, e até os custos da revolução, que só existiu porque a ditadura não soube ou não quis fazer uma transição, ao contrário da vizinha Espanha". Ao mesmo tempo, preferiu não se alongar em respostas às críticas sobre as suas palavras relativas ao colonialismo. "Do passado colonial guardamos todos as memórias e as lições que nos hão de guiar no futuro", afirmaria mais tarde, numa sessão comemorativa do 50.º aniversário do 25 de Abril, no grande auditório do Centro Cultural de Belém.
Ainda na Assembleia da República, os vários partidos com assento parlamentar tiveram também direito a subir ao púlpito para fazer as suas intervenções.
À Esquerda, o secretário-geral do Partido Socialista (PS), Pedro Nuno Santos, admitiu que "a concretização dos sonhos de Abril é um trabalho imperfeito e ainda inacabado", mas "os portugueses venceram". "O PS aqui estará para defender a democracia política e a democracia social e cultural dos ataques dos seus novos e velhos inimigos. Foi uma e outra que Abril construiu. Uma e outra estão sob ataque e uma e outra terão a nossa proteção", disse.
Uma posição parecida teve a coordenadora do Bloco de Esquerda (BE), Mariana Mortágua. "As carpideiras do salazarismo não são perigosas pela nostalgia desse passado: não será reconstruído nenhum império, o Tarrafal fechou para sempre e o Aljube e Peniche são agora museus que devem ser visitados", vaticinou.
O líder do Livre, Rui Tavares, optou por começar a sua intervenção com uma história pessoal para enaltecer "a mais bela revolução do século XX", que "iniciou a terceira vaga de democratização no mundo". Enumerou, em simultâneo, algumas das conquistas desde então, como o aumento das qualificações da população, as férias pagas, o salário mínimo nacional ou o Serviço Nacional de Saúde.
Finalmente, Paulo Raimundo, secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP), recordou o papel do partido na Oposição ao regime do Estado Novo. "Essa revolução que fez tudo e faz para destruir conquistas e recuperar o poder perdido, que tudo fez e faz para falsificar e reescrever a História. Revolução que foi sonho, realização e construção, foi valores e esperança numa vida melhor que a contrarrevolução e a política de direita procuram negar", criticou.
A deputada única do PAN, Inês Sousa Real, recorreu à metáfora da música para dizer que "é hora de sintonizar uma nova música da liberdade, de nos erguermos contra aqueles que procuram silenciar a voz de Abril".
À Direita, o Partido Social Democrata surpreendeu ao enviar para o púlpito uma jovem deputada, em vez do seu líder, Luís Montenegro, ou mesmo o seu líder parlamentar, Hugo Soares. Na sua intervenção, Ana Gabriela Cabilhas, com um cravo no vestido branco, defendeu que não se pode aceitar que "a melhor versão" da democracia tenha ficado no passado, "cristalizada na Revolução dos Cravos".
Nos 50 anos da democracia, considerou, é necessária "uma democracia melhorada e reconciliada com o povo, que não se contenta em sobreviver, mas que procura florescer com a intensidade de abril de 74, de novembro de 75 ou da ida às urnas para a Assembleia Constituinte". "A voz do povo é a maior força da democracia. Por isso, a Casa da Democracia deve escutar o povo, para devolver ao povo a concretização das suas legítimas expectativas", disse.
Já o Chega, pela voz do seu líder, André Ventura, fez questão de aproveitar o espaço para criticar as declarações do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sobre o pagamento de eventuais indemnizações pelo passado colonialista e esclavagista de Portugal. "O senhor Presidente da República traiu os portugueses quando diz que temos de ser culpados e responsabilizados pela nossa História, que temos de indemnizar outros países pela História que temos connosco", criticou.
Na mesma onda esteve o líder parlamentar do CDS-PP, Paulo Núncio, que disse não sentir "necessidade de revisitar heranças coloniais". "Não queremos controvérsias históricas nem deveres de reparação que parecem importados de outros contextos fora do quadro lusófono", indicou.
Finalmente, pela Iniciativa Liberal (IL), o seu líder, Rui Rocha, citou a música de Zeca Afonso 'Vejam bem', defendendo que "não há só gaivotas em terra quando mulheres e homens se põem a pensar", mas que as gaivotas "voam quando homens e mulheres se põem a pensar". Nesse âmbito, avançou que a IL quer que "o programa das comemorações do 25 de Abril da Assembleia da República passe a incluir uma cerimónia solene no cinquentenário do 25 de Novembro".
A festa na Avenida da Liberdade foi "massiva"
Terminada a sessão solene no Parlamento, e depois de um momento polémico em que a bancada do Chega abandonou o hemiciclo quando os presentes entoaram 'Grândola, Vila Morena' de cravo na mão, a festa continuou na tradicional descida da Avenida da Liberdade, numa festa "massiva", que contou com a presença de 'Celeste dos Cravos', a mulher responsável pela popularização da flor como símbolo da revolução de 1974.
Ao contrário do que é habitual, o presidente da Assembleia da República, José Pedro Augusto-Aguiar, juntou-se à festa na avenida lisboeta e os líderes do PS, BE, PCP e IL enalteceram a participação cívica massiva no desfile popular, apesar das visões distintas para o futuro do país.
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