Ciclos de protestos em Portugal no pós-25 de Abril. Eis a cronologia
Portugal registou desde o 25 de Abril períodos de maior mobilização da sociedade, ciclos de protesto, períodos de "visibilidade" do ativismo, por oposição a "latência", no dizer dos académicos.
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País 25 de Abril
Em entrevista à agência Lusa, a investigadora no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa (CIES-Iscte) Guya Accornero, especialista em movimentos sociais, apontou alguns daqueles "picos de ativismo".
O PREC (Processo Revolucionário em Curso)
Neste período registou-se uma "participação política intensiva, quer eleitoral, quer não eleitoral, (...) em assembleias, na ocupação (...)", relacionada com movimentos que existiam antes, mas também com o facto de haver "uma exigência quase de politizar a sociedade".
Foi um "processo de intensa politização coletiva (...), situacional", no final do qual ocorreu "uma grande desmobilização, (...) do ponto de vista da participação nos movimentos sociais, no ativismo" por várias razões.
Nalguns casos "por pragmatismo", os ativistas tinham que "retomar as suas vidas que tinham sido interrompidas por causa da repressão, do exílio ou da expulsão da universidade", noutros devido à desilusão com o processo de democratização.
Intervenção do FMI nos anos 80
A política de austeridade imposta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) quando volta a Portugal em 1983 leva a "outro pico de mobilização", ou seja, a um aumento de intensidade sobretudo do "ativismo na área sindical", com a realização de "uma série de greves".
O ajustamento da economia fez crescer o desemprego e diminuir os salários reais e nas manifestações eram empunhadas as bandeiras negras da fome.
Governo de Cavaco Silva entre 1991 e 1995
O movimento de contestação dos estudantes do ensino secundário e do superior no início dos anos 90 fez cair dois ministros em três anos. "Foram os primeiros protestos que uniram os estudantes portugueses desde o movimento estudantil da década de 1960".
A criação da Prova Geral de Acesso (PGA) ao ensino superior e o aumento das propinas levaram os alunos para as ruas. Os do secundário foram designados de "geração rasca" depois de terem baixado as calças e exposto os rabos numa manifestação e os do superior envolveram-se em confrontos com a polícia durante uma concentração em frente ao Ministério da Educação, o que resultou por exemplo em cabeças partidas.
Quando camionistas e outros bloquearam a Ponte 25 de Abril em junho de 1994 em protesto contra o aumento das portagens os confrontos foram mais duros, incluindo uma carga policial sobre os manifestantes, e um jovem foi baleado e ficou paraplégico.
Buzinões e marchas lentas fizeram parte da contestação, que continuou durante semanas após o bloqueio da ponte. Há quem considere que foi o princípio do fim do cavaquismo.
Anos de crise económica e austeridade entre 2010 e 2014
O desemprego tinha vindo a crescer em Portugal e a taxa relativa aos jovens era significativa quando quatro jovens decidem começar a organizar um grande protesto, que ocorreu em março de 2011.
A manifestação "Geração à Rasca" contra o desemprego e o trabalho precário foi considerada a maior não vinculada a partidos políticos ou a sindicatos desde a Revolução dos Cravos.
Faz parte das "novas identidades políticas" que emergiram durante os anos de austeridade, "foi o primeiro movimento organizado inteiramente através das redes sociais digitais (...) uma inovação significativa".
Na Grécia e em Espanha, países que também foram resgatados, movimentos contra a austeridade "deram origem a partidos", o Syriza e o Podemos, respetivamente.
A "troika" esteve em Portugal de abril de 2011 a maio de 2014 e não faltaram manifestações, além de greves e outras ações de protesto.
Em 2012 é criado o movimento "Que se Lixe a Troika", que leva centenas de milhares às ruas para protestar contra as políticas de austeridade e, no ano seguinte, ações de desobediência civil com os contestatários a surpreenderem ministros cantando a "Grândola, Vila Morena", sinal do 25 de Abril, dá origem ao termo "grandolada".
Os últimos anos
Na sequência do referido ciclo de protestos "houve mesmo uma pluralização, uma emergência de novos atores" e "surgiram muitas mais associações, ambientais, de mulheres (...), antirracistas, antifascistas".
O movimento internacional de estudantes Friday for Future - também conhecido como Juventude pelo clima ou Greve global das escolas pelo clima, lançado na sequência do protesto da estudante sueca Greta Thunberg, que começou em agosto de 2018 - também animou organizações já existentes e gerou greves em Portugal, em 2019 e depois da pandemia da covid-19.
No pós-pandemia a mobilização tem sido intensa, impulsionada, entre outros, pela crise climática e na habitação, o aumento do custo de vida, a guerra na Ucrânia e, mais recentemente, na Faixa de Gaza.
Os professores participaram em sucessivas greves e em várias manifestações, reivindicando, entre outros, a recuperação do tempo de serviço congelado, enquanto médico têm protestado por melhores salários e condições de serviço.
A plataforma "Casa Para Viver" organizou três grandes manifestações entre 2023 e 2024 em defesa do direito à habitação e, em fevereiro deste ano, realizaram-se também manifestações em várias cidades em protesto contra o racismo e a xenofobia.
No mesmo mês, os agricultores portugueses participaram em bloqueios e noutras ações de constrangimentos à circulação, como as marchas lentas, protestando contra os problemas vividos pelo setor, e, nos primeiros meses do ano, muitos elementos da PSP e da GNR exigiram melhores condições salariais em concentrações.
A guerra na Ucrânia também tem levado milhares às ruas em solidariedade com o povo deste país e pelo fim do conflito, o mesmo acontecendo com a guerra na Faixa de Gaza, na sequência dos ataques de 07 de outubro do movimento radical palestiniano Hamas em solo israelita.
Manifestações e, no último ano, bloqueios de estradas e ocupações de edifícios públicos têm marcado a luta pelo clima.
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