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Zambujal é um bairro unido no luto por um "grande homem"

A marcha vai discreta até à porta do apartamento no bairro do Zambujal, na Amadora, onde morava Odair Moniz, morto por um agente da PSP na segunda-feira, e aí estaca para cumprir coletivamente o luto por "um grande homem".

Zambujal é um bairro unido no luto por um "grande homem"
Notícias ao Minuto

19:39 - 22/10/24 por Lusa

País Cova da Moura

Calam-se os petardos e impera o silêncio por alguns minutos para se prestar homenagem ao morador, de 43 anos, dono e gerente de um café, conhecido por todos no bairro pela alcunha "Dá".

 

Dezenas de pessoas param no meio da rua, viradas para a porta onde duas anciãs negras cumprem o ritual do choro africano.

As muitas janelas do prédio vão sendo ocupadas por mulheres, num cerimonial de luto a que se junta toda a comunidade, unida na dor.

Antes, o grupo em marcha, liderado por Edgar Cabral, um dos elementos da associação de moradores, que foi apelando à discrição, parara em frente ao café de Odair Moniz, assinalado com uma vela e um ramo de flores brancas à porta.

Edgar convocou o grupo para debaixo da arcada e pediu uma salva de palmas em homenagem a Odair Moniz.

As paredes estremeceram com o som, acompanhado pelos assobios das muitas crianças que seguiam o cortejo.

"Era aqui que ele ganhava o dele, todos os dias", recordou uma mulher, munida de um megafone que usou, no percurso entre o café e a casa, para clamar por "justiça".

Nessa altura, os elementos da associação de moradores já haviam aconselhado os repórteres de imagem a recolherem as câmaras, por temerem não conseguir garantir a sua segurança.

Não queriam dar a imagem de que o bairro é violento, mas reconhecem que os ânimos estão, "naturalmente", exaltados. Afinal, morreu uma pessoa, um deles.

São ainda visíveis os sinais dos desacatos que obrigaram à intervenção policial nesta madrugada. Há pneus queimados e estilhaços de vidro pelo chão.

"As pessoas ficaram incrédulas [com a morte de Odair Moniz]", disse à Lusa Gilberto Pinto, presidente da associação de moradores do bairro, chamada A Partilha.

"Isto é uma bola de neve, apoderou-se um sentimento de injustiça", justificou, confirmando que se registaram no bairro "uma série de acontecimentos" que "ninguém conseguia controlar" -- referindo-se aos distúrbios registados durante a noite, que obrigaram à intervenção da polícia e dos bombeiros (motivada por focos de incêndio em caixotes do lixo).

Já nesta tarde, junto ao café da Sónia, bem no centro do bairro, homens houve que não conseguiram controlar as lágrimas, garantindo que morreu "um grande homem" e que os títulos em destaque no televisor não correspondem à "verdade".

Morreu Odair Moniz, afrodescendente de 43 anos, criado no bairro, uns dizem que tinha dois filhos, outros atribuem-lhe três.

Segundo relatos recolhidos no local, trabalhava também como 'chef' de cozinha num estabelecimento fora do bairro e era também voluntário na associação de moradores.

Aliás, segundo contou Edgar Cabral, na noite em que acabaria por ser morto -- na sequência de uma ação policial no bairro vizinho da Cova da Moura, também no concelho da Amadora, no distrito de Lisboa -- tinha acompanhado um idoso a casa.

"Era uma pessoa bondosa, amigo de um amigo", destacou.

A associação de moradores desdobrou-se em declarações às dezenas de órgãos de informação que acorreram ao bairro, para garantir que o que ali se passava esta tarde não era um protesto, nem sequer uma manifestação.

"A população está revoltada, está triste", descreveu Edgar Cabral.

"Não aceitamos a forma como o Odair Moniz foi morto", vincou, contestando o relato da Polícia de Segurança Pública (PSP) "até haver provas".

Segundo a PSP, Odair Moniz pôs-se "em fuga" ao visualizar uma viatura policial, tendo sido baleado por um agente por alegadamente ter "resistido à detenção e tentado agredi-los [polícias envolvidos] com recurso a arma branca".

Baleado por um agente da PSP na madrugada de segunda-feira, acabaria por morrer pouco depois, no Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa.

"O Odair Moniz não é assim, não faria isso. É um cidadão comum, paga as suas contas, faz os seus descontos", contrapõe Edgar Cabral.

"O que aconteceu é que o Odair Moniz foi morto e alguém tem de ser responsabilizado", defendeu, saudando que o agente em causa já tenha sido constituído arguido.

Justiça foi o apelo dito e repetido, em português e em crioulo. "Que nada seja encoberto e tudo seja claro", apela Edgar.

"Não queremos que seja, mais uma vez, uma morte em vão. Queremos confiar no trabalho da polícia. Confiamos na Polícia Judiciária para resolver este caso", realçou.

Edgar não confunde a ação de um indivíduo com a PSP no seu todo, mas insiste que o agente em causa "tem de ser responsabilizado" pelo ato praticado e para que "não possa fazer mal a mais ninguém".

Acontece que, para já, o bairro vê um ato "sem consequências", o que instala "uma sensação de medo", descreve.

Gilberto Pinto retrata o Zambujal como "um bairro multicultural", com "ambiente bom", onde as "para cima de seis mil pessoas" que ali vivem "relacionam-se todas".

A caminho da porta do apartamento onde morava Odair Moniz, a comunidade entoou junta: "'Dá', agora e sempre na nossa vida."

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