Precariedade laboral. A 'Geração à Rasca' já se desenrascou?
O Notícias ao Minuto conversou com dois dos rostos que impulsionaram a manifestação de 2011 - 'Geração à Rasca' - e pediu-lhes que medissem o pulso àquilo que observam e sentem, volvidos cinco anos.
© Paula Gil
País Testemunhos
Recorda-se do dia 12 de março de 2011? Lembra-se de onde estava? Esse foi o dia da maior manifestação apartidária desde o 25 de Abril – o protesto ‘Geração à Rasca’, que juntou nas ruas milhares de pessoas. A razão? O desemprego, a precariedade laboral e falta de futuro dos jovens (e até menos jovens) da sociedade portuguesa. 2011 foi também o ano em que Portugal ‘chamou’ a troika que cá andou nos três anos que se seguiram.
O Notícias ao Minuto falou com dois jovens que estiveram envolvidos na manifestação ‘Geração à Rasca’ para perceber o que mudou desde então no país e colocou-lhes a questão: já se desenrascou a geração à rasca?
João André Labrincha, 33 anos, responde assertivamente: “Acho que com os anos de austeridade ficámos ainda mais à rasca”. E acrescenta que “vão ser precisos muitos anos e muita luta para recuperar o que a austeridade aprofundou”.
João, que é formado em relações internacionais, sabe que a precariedade no trabalho se transformou “em algo sistémico” que se alargou “a todas as gerações e não apenas aos jovens”. E isso poderá, ou não, mudar “se a União Europeia deixar”. Admite que “talvez se esteja a mudar de rumo”, contudo, tem consciência de que “não será fácil continuar a remar contra a maré austeritária”. Quanto à esperança de um futuro melhor para os jovens, João Labrincha vê uma geração com futuro “porque luta”. “Vejo é uma Europa sem futuro, infelizmente”, sublinha o jovem que hoje em dia trabalha num projeto que nasceu precisamente da Geração à Rasca – a Academia Cidadã, uma plataforma ativista de promoção dos direitos humanos e cidadania.
Sobre a polémica dos estágios do IEFP, Labrincha pensa que deviam ser despenalizados os estagiários (cúmplices) que denunciassem os casos fraudulentos. Os estágios, frisa, “são uma boa medida”. Ele próprio já beneficiou dela. “Não vejo razão para ser revogada só porque existem algumas falhas. Deve ser melhorada, isso sim”, considera.
Paula Gil, 32 anos, é outro dos rostos associados à manifestação 'Geração à Rasca'. Colocámos-lhe a mesma questão: Já se desenrascou a geração à rasca? Mais importante do que perceber se a geração à rasca se desenrascou, é sim perceber como se desenrascou e também como se irá desenrascar o país: foi o país que lhe deu alternativas? Foram as condições laborais que melhoraram? Infelizmente, não”, responde Paula, sustentando a sua afirmação com o facto de grande parte daquela geração ter emigrado desde 2011, “sobretudo depois das declarações de Passos Coelho que incentivavam os jovens a sair da sua zona de conforto”.
Em 2011, Paula tinha 26 anos, altura em que começou um estágio profissional com duração de um ano. “O primeiro e único contrato que alguma vez tive em Portugal e que estabelecia no próprio contrato que não tinha direito a subsídios de férias e Natal, bem como subsídio de desemprego, apesar de serem feitos descontos sobre o valor do meu ordenado”, critica. Agora, Paula, como praticamente toda a atividade profissional que exerceu por cá, é um falso recibo verde.
Na altura da grande manifestação, o mote era precisamente a precariedade e “as ilegalidades praticadas pelo patronato”. Volvidos cinco anos, há razões para manifestações idênticas? "Enquanto estas mesmas ilegalidades se continuarem a verificar haverá sempre espaço a que surja uma nova manifestação, sob este mote ou outro, sob questões laborais ou outras. Não me considero, no entanto, dona ou líder de nenhum movimento em que tenha participado. Tendo noção que existem motivos para que se continue a protestar nas ruas, participarei em novos movimentos com os quais me identifique”.
"No final da legislatura será altura de medir quanto de esquerda teve esta maioria"
Sobre a chegada do PS ao Governo, com o apoio parlamentar dos partidos de Esquerda, Paula Gil vê algumas batalhas ganhas [o aumento, ainda que “irrisório”, do ordenado mínimo e a reposição das 35 horas semanais, entre outras]. “Há uma alteração das políticas que procura um enfoque mais próximo daqueles que são mais vulneráveis, mas são políticas muito pouco substanciais que estão mais a tentar atenuar os efeitos da perda de direitos laborais, de diminuição do custo do fator trabalho, formalizando e aceitando essas práticas ilegais, do que a implementar medidas que de facto as proíbam e protejam o trabalhador”.
Tal como João, Paula também considera que hoje há mais esperança no futuro, “no sentido em que os jovens estão mais informados acerca dos seus direitos, mais aptos para lutar por eles, mais conscientes”, analisa, notando, no entanto, aquilo que é uma realidade difícil de alterar: Infelizmente, num país em que há uma parte significativa da população ativa desempregada e os trabalhos disponíveis são precários e mal pagos, continua a valer – vezes demais – uma ‘chantagem’ que vai do ‘pelo menos tens trabalho’ ao ‘se não aceitares, há quem aceite’, sem esquecer o célebre ‘se não trabalhas é porque não queres’. Esta interrogação face ao futuro destrói a capacidade de resistência”.
Para Paula Gil, e seguindo as tendências da União Europeia, “ainda não se viu legislação que reverta o rumo do trabalho sem direitos e da propaganda feita ao pseudo autoemprego”. Contudo, “a respeito de maus exemplos como o das bolsas de investigação, a legislatura tem a oportunidade de resolver a situação e demonstrar o seu empenho em alterar políticas laborais”. Até ao momento, contesta, essa iniciativa ainda não se fez mostrar. Tanto quanto Paula observa é “sobretudo uma questão de vontade política e de vontade de afrontar um sistema instituído que beneficia o patronato – das empresas ao próprio Estado – em detrimento dos trabalhadores e de todos nós. No final da legislatura será altura de medir quanto de Esquerda teve esta maioria”, termina.
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