Violência contra idosos. Desconhecer direitos, não saber se é crime
Hoje assinala-se o Dia do Idoso e o Notícias ao Minuto conta-lhe a história de uma mulher que sofre às mãos do marido e que só pode contar com a ajuda dos vizinhos.
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País Testemunhos
Dados revelados esta semana pela APAV, a propósito do Dia do Idoso, mostram que, entre 2013 e 2015, os filhos foram os responsáveis de quase 40% dos crimes de violência doméstica contra os mais velhos, o que representa uma alteração face ao período entre 2013 e 2014, quando era a violência conjugal que predominava.
Maria de Oliveira, coordenadora executiva do Centro de Formação APAV, explica que a dependência não é apenas financeira, é também emocional. A mesma responsável esclarece que os casos de vitimação dos idosos duram uma média de dois a seis anos e que as denúncias tardam em ser feitas porque as vítimas “sentem vergonha” e porque têm medo do que possa acontecer aos filhos se apresentarem queixa contra eles.
Maria de Oliveira lembra ainda que há “vários tipos de violência”, como a física, a psicológica e a financeira. Muitos idosos são vítimas de burla e têm “vergonha” de reconhecer que se deixaram enganar.
“Existe ainda algum desconhecimento dos idosos relativamente aos seus direitos e até mesmo em terem a capacidade de reconhecer que estão a ser alvo de algum tipo de crime”, explicou a responsável, acrescentando que esta sensibilização tem de começar ainda nos jovens através das próprias escolas.
Com quase 70 anos 'Maria' vive uma vida de "horror"
Mas não é só às mãos dos filhos que as pessoas com mais idade sofrem. Casos há em que a violência doméstica exercida pelos companheiros se estende ao longo de anos a fio, em silêncio. ‘Maria’, é assim que vamos chamar esta mulher de quase 70 anos que tem vivido um “verdadeiro horror” nas últimas quatro décadas, é protagonista de um desses casos.
Tudo começou quando conheceu o marido, conta ao Notícias ao Minuto receosa de que o cônjuge descubra que conversou connosco.
A “vida razoável” que tinha quando vivia com os pais terminou assim que saiu de casa e foi viver para a cidade-natal do marido.
“Vi-me sozinha, sem nada e a viver numa barraquinha”, recorda emocionada. Mas isto não era o pior. O “pesadelo” começou quando descobriu quem era realmente o homem com quem tinha dado o nó.
“Eu descobri que ele tinha várias mulheres e filhos. Aliás, a algumas ele fazia questão de me apresentar”, lamenta enquanto relembra os insultos que o marido, elemento das Forças Armadas, lhe fazia.
De natureza agressiva, cedo o homem começou a agredir fisicamente ‘Maria’ através de “murros, estalos e pontapés”. Porquê? “Porque sim”.
Uma vez liguei à minha mãe e assim que ele se apercebeu que eu estava a falar com ela deu-me um pontapé nas costas que eu caí ao chão
‘Maria’ sentia “muito medo” daquele homem com quem dividia a vida. Dividia a vida mas não o teto, pois o marido passava semanas fora de casa. “Ía para a casa de uma das amantes e por lá ficava. Mas no dia em que recebia o meu salário vinha ter comigo e ficava com o dinheiro. Como eu tinha medo dava-lhe quase tudo”, afirma.
E o medo não era infundado. Por pertencer às Forças Armadas, o marido de ‘Maria’ trazia sempre uma arma consigo e não perdia uma oportunidade de ameaçar a mulher. “Sabes o que isto faz? Se eu quiser dou-te um tiro”, chegou a dizer algumas vezes a ‘Maria’.
A coragem de pedir o divórcio chegou há relativamente poucos anos. Porque não mais cedo? Questionámos. “Porque eu não queria dar uma vergonha aos meus pais e naquela altura uma mulher deixar o marido não era nada bem visto”, lamenta.
Cansada de sofrer, ‘Maria’ foi pedir ajuda à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV). Foi acompanhada por uma vizinha. Tinha vergonha, “muita vergonha”, pela sua situação, mas agora, garante, percebe que é um erro envergonhar-se de ser uma vítima.
“Digo a todas as mulheres que estejam nesta aflição que tenham força. Que não tenham vergonha e que peçam ajuda”, frisa convictamente.
O processo de divórcio está em tribunal há alguns anos. Aquele que é ainda seu marido, apenas no papel, esteve cerca de dois anos com pulseira eletrónica, tempo durante o qual não se pôde aproximar de ‘Maria’.
“Foram os melhores anos da minha vida”, assegura.
Depois de episódios de agressões, portas arrombadas, polícia a ser chamada várias vezes à habitação do casal, ‘Maria’ vive sozinha, longe dos familiares mais diretos e só conta com a ajuda das vizinhas, as suas grandes amigas.
O marido, esse não o vê há alguns meses, mas ainda assim não dorme descansada. “Já me disseram que ele a rondar-me outra vez”, refere amedrontada.
‘Maria’ é apenas mais um caso de violência doméstica, sendo que no seu caso e, tendo em conta a sua idade, já se trata de violência contra idosos.
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