Almaraz: "Vamos abrir uma Caixa de Pandora. É um risco"
A segunda parte da entrevista do Notícias ao Minuto ao fundador e Presidente da ZERO, Francisco Ferreira, centrou-se na polémica em torno da central nuclear de Almaraz assim como o Acordo de Paris e formas alternativas de criar um futuro sustentável.
© Zero
País Francisco Ferreira
Na primeira parte da entrevista a Francisco Ferreira, o Notícias ao Minuto procurou perceber o que a ZERO está a fazer no que diz respeito a tornar a ecologia e o ambiente tópicos de discussão na sociedade portuguesa. Nesta segunda parte é abordado o tema da central nuclear de Almaraz, o qual motivou algum atrito entre Portugal e Espanha neste início do ano.
As obras em áreas-chave de Lisboa, os transtornos que causaram e os seus efeitos (benéficos?) foram também assunto nesta conversa. Por outro lado, procurámos perceber o que significa a tomada de posição do Presidente dos EUA, Donald Trump, em relação às alterações climáticas e para o Acordo de Paris.
Por fim, sobrou ainda espaço para formas alternativas de salvaguardar um futuro mais sustentável, que passa sobretudo por uma reeducação no que diz respeito à alimentação.
Mais valeria não termos as migalhas e marcar uma posição forte do que andar de cedência em cedênciaUma questão em que a ZERO tem sido particularmente ativa é a da central nuclear de Almaraz. A maioria das pessoas foi apanhada um pouco desprevenida pela situação. A ZERO também foi?
Espanha viveu alguma instabilidade política ao longo dos últimos tempos, portanto, o prosseguimento do uso das centrais nucleares em Espanha está muito ligado às próprias intenções do Estado espanhol. Houve esperança, do ponto de vista político, de que se respeitasse o final de vida das centrais que estão com licenças a terminar dentro de muito pouco tempo.
Entretanto, ao longo dos últimos meses, com esta a estabilização do governo que é favorável ao recurso à energia nuclear para produção de eletricidade, Espanha inflete e começamos a perceber que a sua verdadeira intenção era continuar esse prolongamento.
A indústria nuclear espanhola já queria fazer o prorrogar da vida das centrais. Já tinha pensado nisso há alguns anos. O estudo do armazenamento temporário individualizado de resíduos nucleares em Almaraz é de 2015, o que significa que já estamos com dois anos de trabalho. A nossa esperança foi de que nos últimos meses uma outra solução governativa suspendesse o avanço do nuclear. Isso não aconteceu e portanto, aquilo que eram as intenções de 2015 estão agora a concretizar-se de forma pouco transparente.
Quer dizer, queremos construir um armazenamento que só é preciso se quisermos prolongar a central para além de 2020; temos a central de Almaraz a pedir praticamente dentro de poucos meses a sua prorrogação para além de 2020; vamos abrir uma Caixa de Pandora porque ter uma central nuclear com mais de 40 anos é efetivamente um risco acrescido.
Esta retirada da queixa, é um sinal muito claro… Esta intervenção da Comissão Europeia e de Espanha… O último ponto do entendimento fala das interligações elétricas e de gás. Portugal está claramente a aceitar contrapartidas porque acha que não vai ter êxito na sua luta e isso realmente do ponto de vista político é mau porque estamos a ceder, e estamos a ceder porque nos estamos a contentar com algumas migalhas. Mais valeria não termos as migalhas e marcar uma posição forte do que andar de cedência em cedência. Há que dar tempo ao tempo mas o nosso pessimismo é, infelizmente, grande.
É o Governo a querer agradar a todos?
Sim. Estávamos muito agradados com a postura do Governo quando interveio junto da Comissão Europeia por causa dos impactos transfronteiriços (legitimamente justificada) . Com a retirada da queixa, confesso que começo a perder a esperança dessa postura mais vertical.
Esta situação podia ter sido evitada por parte do Ministério do Ambiente?
Talvez tenha havido um atraso da parte do Governo em perceber as consequências e na resposta. Mas depois há realmente a resposta adequada. Aquilo que nos interessa é o recuo, onde ainda temos alguma esperança de ver resultados. Estas coisas são difíceis de nos pronunciarmos sem ver os resultados.
Todos sabemos quais são as soluções. A melhoria da qualidade do ar é claramente um penalização do transporte individualA cidade de Lisboa tem sido palco de várias obras, que têm causado algum transtorno a quem circula em artérias-chave como a Avenida da República ou o Cais do Sodré. Houve planos para avançar para a 2ª Circular, mas recuou-se. Há benefícios reais para a cidade a nível de qualidade do ar com estas obras?
Os dados que foram apresentados numa primeira fase na zona de funcionamento das emissões reduzidas revelaram-se bastante positivos. O problema é que as pessoas desde há dois anos acharam que a crise tinha terminado. É um facto também que os preços da gasolina e do gasóleo numa determinada fase baixaram muito.
Nós tivemos em 2015 e em 2016 um aumento brutal de tráfego em comparação com anos anteriores. Portanto, o benefício que se tinha sentido – parte devido às medidas, parte devido à redução do tráfego – foi-se.
Achamos que a zona de emissões reduzida é um elemento importante, tem de ser reforçado. E tem de ser abrangente.
Por exemplo, há casos em que as pessoas não sabem que há passes conjugados com estacionamento. Muitas pessoas não sabem desse tipo de oportunidades.
Não tem sentido que, por exemplo, do meu local de trabalho aqui no Monte da Caparica até Lisboa tenha de comprar três títulos diferentes. Estando eu a cinco quilómetros do centro de Lisboa, tenho que comprar um título para o Metro Sul do Tejo, um para a Fertagus e um para o Metro ou Carris. Posso dizer, ‘Bem, felizmente agora já posso usar o mesmo título’, está bem, mas é cobrado um bilhete por cada um destes percursos. Podíamos e devíamos ter oportunidade de facilitar o uso do transporte coletivo.
Há aspetos de caráter nacional que o Governo tem de perceber que tem de ser a administração central a assumi-losO PS completou o primeiro ano de governo há pouco tempo. Qual é a apreciação que a ZERO faz do trabalho do Ministério do Ambiente sob liderança do PS em comparação com o do PSD-CDS?
Acho que para já há desvantagens e vantagens. Nas desvantagens eu diria que o facto de a Energia ter saído do Ambiente levou novamente a um divórcio na comunicação e do relevo que a Energia tinha na articulação com as políticas de ambiente. E muitas políticas na área do Ambiente são efetivamente políticas na área da Energia. Acho que a ida da Energia para outro Ministério foi negativa.
Outra questão acho que neste Governo – talvez também por causa das eleições autárquicas – há aspetos de caráter nacional que o Governo tem que perceber que tem de ser a administração central a assumi-los. A preservação da Reserva Ecológica Nacional (REN, aquilo que se passou em Alcácer e em Grândola, com a desafetação enorme de área de REN deveria estar a ser ativamente corrigido por este Governo).
As demolições na Ria Formosa, a municipalização que vai ser testada nas áreas protegidas – o caso do Tejo internacional – em que a ideia é ter as autarquias a gerir as áreas protegidas… Há áreas do ambiente que têm de ser vistas e tratadas à escala nacional. Esses são os dois aspetos que me parecem mais negativos.
Os aspetos que me parecem mais positivos são os compromissos que o Governo foi capaz de fazer. À partida esperemos que sejam consequentes. A questão de Portugal vir a ser neutro em carbono em 2050 é um objetivo difícil mas que foi assumido e que é louvável. Por outro lado, as questões da reabilitação urbana e da mobilidade que estão mais visíveis no Ministério do Ambiente e que são cruciais.
Mas a nível de fiscalidade verde, o que poderia ser feito na linha da taxa sobre os sacos de plástico, por exemplo?
Há muitas medidas na área da fiscalidade que podiam e deviam ser tomadas. Nós fizemos um conjunto de propostas neste Orçamento de Estado…
Nomeadamente…
As questões dos incentivos ao IRS para aplicações nas renováveis e na eficiência energética. Nós não temos neste momento qualquer incentivo. Questões na área dos pesticidas… A polémica do glifosato e a proibição do seu uso. É uma questão importante porque há alternativas e é um aspeto de contaminação que podia ser evitado. Na ZERO tivemos uma excelente resposta – acima dos que estávamos à espera – dos vários partidos políticos em relação ao Orçamento de Estado.
A medida relativa aos sacos deveria ser totalmente abrangente. Ou seja, há sacos que neste momento são oferecidos porque são de uma gramagem maior e portanto já não são abrangidos pela legislação. Nós achamos que todos os sacos deveriam ser taxados. Deveria haver, por exemplo, uma penalização do café em cápsulas, com o IVA passar de 13% para 23%. Uma duplicação da taxa de gestão de resíduos.
Uma verdadeira retribuição em sede da lei das finanças locais para que os municípios com áreas classificadas como protegidas poderem ser ressarcidos para poderem fazer investimentos nessas áreas. O aumento da taxa do IVA para os produtos fitofarmacêuticos de forma a promover a agricultura biológica. Todo um conjunto de medidas ainda bastante vasto.
Houve adesão?
Houve muitos partidos que nos pediram detalhes e fizeram propostas. Falámos por exemplo da mobilidade, a questão do incentivo ao veículo elétrico, uma maior penalização nos veículos a gasóleo, a ideia de a aquisição de bicicletas ser dedutível no IRS...
Será que as bicicletas fazem sentido em Lisboa por causa da topografia?
As bicicletas fazem todo o sentido independentemente da topografia. Há áreas de Lisboa que são verdadeiramente difíceis para andar de bicicleta a não ser que tenham bicicletas elétricas.
E quanto ao incentivo à cultura de eucaliptos?
Aí achamos que o Governo esteve bem. Houve agora a discussão sobre o setor florestal no pós-incêndios. Realmente o que tem sentido é que eu não tenha uma expansão da área do eucalipto porque devo ter uma diversidade de espécies que têm aliás depois diferentes setores económicos por trás.
A começar pelo setor da madeira, do mobiliário, etc., que têm habitualmente espécies com crescimentos mais lentos, com investimentos mais complicados. Essa diversificação é muito importante por comparação com extensas monoculturas, nomeadamente de eucalipto.
A entrada do PAN no Parlamento tem contribuído de alguma forma para ajudar a fazer pressão em questões de preservação do ambiente e dos direitos dos animais?
Sem dúvida. Apesar de ter apenas um deputado é um facto que, nas nossas conversas com os diferentes grupos parlamentares, em relação ao PAN, e também aos Verdes – os dois partidos ‘ecologistas’, digamos assim, na sua própria raiz – nota-se uma diferença na recetividade às propostas que fazemos.
Os EUA não podem sair do Acordo de ParisDurante a nossa conversa o Francisco mencionou várias vezes o Acordo de Paris e as alterações climáticas. Se os EUA saírem, algo possível mas não provável, fará sentido continuar com o Acordo de Paris?
Como digo, estive há pouco tempo nos EUA e tive a possibilidade de perceber a posição de muitos americanos e do próprio Al Gore, e realmente há um risco de um enorme retrocesso. Não tem apenas a ver com o clima, tem a ver com a eficiência energética, tem a ver com o uso do petróleo, com o uso do carvão… E os EUA não podem sair do Acordo de Paris. Quando muito poderão abandonar a convenção e não é claro que venham a sair do Acordo de Paris porque politicamente é complicado. Mas isso não significam boas notícias, porque eu posso estar no Acordo de Paris mas não cumprir e não fazer o esforço que seria desejável.
Por coincidência, ao mesmo tempo que Trump foi eleito surgiu um documentário que acabou por ser mediático pelo envolvimento do ator Leonardo DiCaprio e o aparecimento do Elon Musk da Tesla. Este tipo de documentários tem impacto e relevância para voltar a levantar o debate sobre questões ambientais? Personalidades como o Leonardo DiCaprio são importantes para o mediatismo deste tema?
Claro que é bom e é muito importante que tal venha a acontecer. A 28 julho vai sair um novo filme do Al Gore e todos eles são motivo de discussão, de reflexão. Há outro filme muito marcante, o ‘Demain’ (‘Amanhã’). E estes documentários e estes filmes são fundamentais para criar fóruns de discussão, para que nas escolas se vejam e discutam os filmes. O envolvimento dos atores, de personalidades… Há aqui a construção de uma consciência que só precisa agora de ter a resposta consequente dos políticos.
Quem estrutura o Acordo de Paris são os EUA e a China e uma das coisas preocupantes é realmente o futuro dessa relação, porque o Trump e o governo chinês não se andam a dar muito bem. A China se calhar será a líder do Acordo de Paris no futuro…
Curiosamente…
Curiosamente… Mas todos estes aspetos mobilizadores são fundamentais. A questão do clima é verdadeiramente crucial porque o paradigma de vivemos numa sociedade neutra em carbono – que é o compromisso de Portugal – à escala mundial algures entre 2050 e 2100 é avassalador. Significa que praticamente à escala mundial fazer um uso minimalista do gás natural, do carvão e do petróleo. É uma mudança estrutural que temos de fazer mas o custo das consequências é enorme e todos estes elementos fazem parte desta literacia climática.
Uma questão importante é a obrigatoriedade da opção da ementa vegetarianaAo longo desta conversa temos falado de reutilização, mudança de comportamentos, alterações climáticas… Mas há um aspeto que ainda não falámos, que é a questão da alimentação, do excesso de consumo de carne. É uma prioridade para vocês?
É sim senhor. A alimentação saudável e sustentável é uma das prioridades da ZERO, tanto é que do ponto de vista público e da sensibilização temos vindo a trabalhar esta área. E temos olhado para várias questões, não só do ponto de vista da alimentação como também do desperdício alimentar e também, por exemplo, o papel das hortas comunitárias.
Há um caminho a fazer no sentido não do parar de comer carne – porque aí é a opção é mais profunda, e cada pessoa deve fazer essa reflexão tendo em conta questões de consciência e de nutrição – mas pelo menos como realmente a carne tem uma pegada carbónica e ecológica muito grande.
O consumo excessivo de proteína animal prejudica o ambiente, prejudica a saúde e também prejudica o orçamento familiar. Há aqui grandes vantagens se nós reduzirmos esse consumo. Não é terminar esse consumo – porque isso interfere também muito nos nossos hábitos culturais e aí fica ao critério de cada um – mas pelo menos nas cantinas, nas nossas opções do dia a dia fazermos essa redução.
Parece óbvio que a educação alimentar também tem de partir das escolas mas parece que tem havido entraves.
Uma questão importante também é a obrigatoriedade da opção da ementa vegetariana, que já foi aprovada. Neste momento é obrigatório dar essa escolha, é esta sensibilização que precisamos de fazer.
Nunca mais me esqueço. Às vezes vou com colegas almoçar, queremos pedir pratos vegetarianos e a única coisa me dizem é ‘bem, posso fazer uma salada’. É preciso aqui uma maior apetência dos restaurantes, esta questão das cantinas, dos cidadãos e perceber o porquê. Porque quando percebemos o porquê sentimo-nos orgulhosos do esforço.
*Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.
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