"A minha geração estragou o Planeta. Esta economia é psicopata"
Manuela Gonzaga, candidata do partido Pessoas - Animais - Natureza (PAN) à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, é a entrevistada de hoje do Vozes ao Minuto.
© Melissa Lopes
Política PAN
O fim das touradas no Campo Pequeno, Lisboa neutra em carbono até 2030, a criação de um hospital veterinário municipal e um banco alimentar para cães e gatos, arrendamento acessível para estudantes e habitação pública municipal, assim como a erradicação da pobreza e mais transportes públicos são algumas das bandeiras do PAN na disputa autárquica na capital. Um desafio que a escritora e historiadora Manuela Gonzaga aceitou por sentir um peso em relação às gerações vindouras.
"A minha geração estragou o Planeta", diz em entrevista ao Notícias ao Minuto, identificando a economia "triunfante, destruidora e psicopata" como a grande causa para termos chegado a um ponto de destruição "quase irremediável".
Desvalorizando as sondagens, Manuela Gonzaga mostra-se confiante no triunfo do PAN no próximo dia 26. Seja como for, uma coisa tem como certa: o partido "vai celebrar uma vitória muito grande", tendo em conta o número de candidaturas em todo o país. Se conseguir ser eleita vereadora em Lisboa, assegura que mudará a dinâmica da autarquia, ouvindo toda a gente e colocando em prática a "arte do consenso".
Registando que no PAN não há nenhum grupo económico por trás, a historiadora critica as "lógicas empresariais que presidem" as candidaturas dos seus adversários, nomeadamente do PS e da coligação de Direita. "Gerem a cidade em seu nome mas também em nome dos seus clientes", lamenta.
A preocupação com os espaços verdes da cidade, o aeroporto de Beja como alternativa ao Montijo e a Alcochete, a imperiosa urgência de soluções de habitação na capital, o fim das touradas no Campo Pequeno e a necessidade de o mundo mudar o chip em relação à forma como gere os recursos e de como trata os animais são alguns dos temas abordados nesta entrevista.
Com que expectativas parte para esta corrida autárquica em Lisboa e o que a levou a aceitar este desafio?
O que me levou a aceitar este desafio, em primeiro lugar, foi a noção de cidadania e a obrigatoriedade que sinto em relação às gerações vindouras de fazer qualquer coisa para colmatar a tragédia que a minha geração causou ao Planeta. A minha geração estragou o Planeta. Talvez também umas atrás, outras a seguir, mas a verdade é que o destruímos de uma forma quase irremediável. A partir do momento em que aparece um partido como este, com o qual me identifiquei desde o princípio, e que tem medidas para se intervir ativamente, torna-se menos difícil suportar o peso da tragédia a nível global. Isto é um sentir que é comungado por pessoas de todas as partes do mundo. Ao princípio parecíamos muito residuais, mas somos muito resilientes. [Aceitei este desafio] não para, de certa forma, pagar uma dívida, não é disso que se trata, mas sim para contribuir para resolver algo que, de outra forma, é irresolúvel. Sinto um peso imenso em relação à tragédia ambiental, humana, animalista que se faz sentir em todo o Planeta.
Senti que se abria um novo ciclo e que este ciclo era um ciclo muito feminino. Gostei muito. O futuro ou é feminino ou não temos futuro
E foi esse forma de se sentir em relação à nossa presença no Planeta que a levou a aderir ao PAN em 2012?
Sim. Conhecia o Paulo Borges, éramos amigos de longa data. Nunca pensei em ter atividade partidária. Trabalhei numa série de jornais, tive uma carreira como jornalista bastante bem sucedida. Tive convites para todos eles, tenho ligações de afeto, amizade e companheirismo com pessoas de todos os quadrantes. Nunca me seduziu absolutamente nada a política. Quando surgiu o PAN, que não tinha nada para oferecer, senti que eu própria tinha qualquer coisa para dar e que era o melhor contributo que podia fazer. Senti que estava no sítio certo. No princípio, nem sequer pensei em filiar-me. Comecei a participar, a fazer discursos, até ao dia em que foi preciso uma assinatura para um quórum em que vieram a descobrir que nem sequer estava inscrita no partido. Quase que tiveram de andar atrás de mim com o papel na mão [risos]. Mas, filiar-me no PAN fez-me sentido e é nessa lógica que tenho dado os meus contributos cívicos ao partido, ao qual me sinto ligada. Para mim, o PAN é mais do que uma força política, representa um ideário que subscrevo. E tenho a felicidade de ter no PAN pessoas com as quais tenho relações de afeto, amizade e companheirismo. Estive afastada da vida política durante uns anos, mas percebi que era mesmo importante integrar este desafio. E, sobretudo, senti que se abria um novo ciclo e que este ciclo era um ciclo muito feminino. O futuro ou é feminino ou não temos futuro.
Porque é que diz isso?
Não é entrar em estereótipos, a frase nem sequer é minha. Em termos históricos, a mulher cuida, trata, alimenta, carrega, nutre. E o homem, que representa o patriarcado, avança, conquista, destrói. Há sempre um rasto de mulheres atrás que engravida dos seus conquistadores, dos seus abusadores, dos soldados, mas que, depois, reconstrói tudo do zero. Sem estereótipos, porque há mulheres guerreiras. O cuidar, tratar, guardar, salvaguardar fazem parte do princípio feminino e nós precisamos disso. Já chega de tanta conquista, de tanta guerra, de tanta bomba, de tanta destruição até económica. Agora, temos salvaguardado um pouco talvez porque as armas são poderosas demais e hesita-se sempre um pouco porque o limiar catastrófico está muito próximo. Mas há uma guerra económica que nos tem levado a uma pobreza extrema e a uma riqueza obscena. Sinto que podemos travar esta batalha de uma forma completamente diferente: gota a gota, gesto a gesto, com mudanças de atitude.
Com as mulheres na frente dessa batalha?
Com as mulheres completamente na frente da batalha. [Historicamente] ficam atrás a consertar as paredes, o telhado,...
E têm de ir para a frente.
Têm de ir. Ou é feminino ou não há futuro.
Apesar de ter uma carreira no jornalismo, nos livros e na academia, a Manuela é ainda uma cara pouco conhecida no universo político. Pensa que isso jogará contra si neste sufrágio?
Sou apenas uma peça do PAN. O partido está a concorrer em muitos locais e tem um crescimento exponencial muito grande. Este desafio não é pessoal, é mais vasto do que eu. Nós já ganhámos, e vamos ganhar. Pode não ser exatamente em Lisboa. Mas, o facto de estarmos presentes em tantas autarquias, em tantas juntas de freguesia no país inteiro, é uma vitória do PAN. Vamos celebrar uma vitória muito grande. Até que ponto vou colher alguns frutos disso? Não sei. Num processo destes, a coisa mais perigosa que temos é o processo egóico e esse está [aqui] muito de parte.
De que forma estas eleições autárquicas são importantes para a solidez do PAN numa altura em que a nova liderança se tenta afirmar?
É importante porque a nossa mensagem é independente da liderança que há ou deixa de haver. O PAN é um partido de causas. Arrisco-me a dizer que a maior parte de nós está no PAN por causas. O facto de as nossas causas terem mais espaço para se afirmarem, terem mais palcos para poderem expandir a sua mensagem, para nós, é uma vitória. A maior parte das vezes as pessoas não votam em nós porque não nos conhecem mesmo. Estamos ensanduichados entre estereótipos, que já estão um pouco a cair.
Nomeadamente a ideia de que são apenas um partido animalista.
Os animalistas dos cães e dos gatos – ainda por cima não percebem que é uma coisa mais alargada do que cães e gatos. E que, eventualmente, quando não estamos a fazer festinhas aos cães e aos gatinhos, estamos a discutir bolinhos sem ovos ou a tentar proibir as pessoas de comerem isto ou aquilo. O PAN não está aqui para proibir nada a ninguém. E se estivéssemos, o que é que fazíamos aos nossos amores e aos nossos entes queridos que não seguem as nossas prescrições alimentares? Não estamos aqui para isso. As gerações mais novas - a quem eu lhes peço desculpa sempre que penso nelas, porque vão herdar este Planeta - estão profundamente atentas e muito próximas do PAN. Alguns deles ainda não podem votar. Depois, há aquelas pessoas mais esclarecidas, que não estão muito contentes ou que não subscrevem totalmente a economia tal como nos é vendida – uma economia triunfante, de rotura total com o capital vegetal, animal e ambiental, de destruição e de miséria. Quando as pessoas começam a ver isso, passam para além do preconceito e conseguem ouvir-nos, começam a olhar para o PAN de uma forma muito diferente.
Esses preconceitos em torno do PAN têm então vindo a desfazer-se com o tempo?
Sim. Vou dar-lhe o exemplo dos flyers. Estivemos em Alvalade e a maior parte das pessoas recebeu o panfleto com um sorriso e um obrigada, dizendo que já tinha ouvido falar de nós. Algumas até disseram que seria a segunda vez que votariam PAN. Em 2013, quando fiz a primeira campanha, só não deitavam [os flyers] fora porque lhes dizíamos que tinham lá escrito um poema de Sophia Mello Breyner. Mas, às vezes, recebiam-nos quase com repúdio.
Tenho falado com bastantes pessoas que estão muito descontentes porque consideram que a classe política não as ouve. E é verdade
Esse desconhecimento do que é o PAN talvez seja mais acentuado no interior e nas zonas rurais. Aliás, o PAN é acusado de ser contra o mundo rural.
As pessoas no interior não sentem isso. Estamos a falar de várias tipologias de pessoas. Conheço bem e tenho ligações com zonas rurais. Há, no mundo rural, um número assinável de pessoas animalistas, que veem com horror a maneira como os animais são tratados, nomeadamente os animais de companhia. No mundo rural, as pessoas são atentas e sabem o que são as alterações climáticas. Sabem o que é ter agricultura extensiva a perder de vista e com as terras envenenadas. A primeira pessoa que ouvi falar-me disso, numa zona do Alentejo, foi um senhor motorista de autocarros. Dizia-me: ‘Repare, tudo o que está a ver aqui, daqui a 20 anos esta terra esta morta. A quantidade de venenos que deitam nestas terras nem imagina qual é, nem ninguém está a supervisionar isso'. Disse-me isso porque também tinha a sua hortinha e estava profundamente desgostoso com o tipo de agricultura intensiva que via em redor. As pessoas estão atentas e preocupam-se. Tenho falado com bastantes pessoas que estão muito descontentes porque consideram que a classe política não as ouve. E é verdade. Quando vem um salvador da Pátria, dizer ‘que isto é uma pouca vergonha’, sentem, de algum modo, que alguém está a tomar as suas dores. Não é por serem contra o PAN, porque até têm muito respeito. Essa falácia de que as pessoas do PAN não conhecem o mundo rural é outro estereótipo. É como dizerem que só falamos de cães e de gatos. Nós conhecemos, estamos lá, comunico bastante e tenho um conhecimento vasto do mundo rural.
Lisboa tem vindo a mudar ao longo dos anos. Ganhou, por exemplo, ciclovias. Podemos afirmar que a capital está hoje mais amiga do ambiente, mais verde?
Não. Os espaços verdes estão muito mal tratados. Estive no Bairro da Serafina e fiquei chocadíssima com o estado de Monsanto desse lado. É um barril de pólvora. O bairro da Serafina confina mesmo com Monsanto. Antigamente, havia uma equipa de jardineiros. Agora há umas empresas que são contratadas ou subcontratadas. Os terrenos não estão limpos, estão cheios de palha, troncos, árvores secas. E há pessoas que vão para ali fazer piqueniques, sardinhadas, vão-se embora e deixam o carvão a arder. Não fora a vigilância dos moradores que detetam isso e vão apagar as fogueiras... Um dia destes pode haver ali uma grande tragédia. A situação de degradação dos acessos àquela zona do parque merecia uma grande reportagem. Se acontecer uma tragédia naquele parque, arde tudo. Não há a figura do vigilante, não há uma presença.
Há outro local que visitámos com profundo espanto e desgosto: a Tapada das Necessidades. Está completamente ao abandono, não tem um ponto de água que sirva para as pessoas e para os animais. As árvores estão sequíssimas. Um horror. Estivemos também nos jardins da Alameda da Universidade. Aquilo que é tratado pela própria universidade, está bem tratado. O que está a cargo da Câmara está seco e maltratado. A Baixa está despovoada de árvores. Temos mais 2,5 graus de temperatura no Terreiro do Paço do que nas Avenidas Novas. As árvores abrigam, fazem baixar a temperatura e filtram inclusivamente o ruído.
E propunha então que se plantassem árvores na Baixa?
A Baixa sempre teve árvores. Porque não? O Terreiro do Paço é um 'cimentão'. Estivemos lá numa marcha animal há dias, foi muito doloroso, houve pessoas que levaram o guarda-chuva para se abrigarem do sol, uma temperatura insuportável e para quê? Não faz sentido nenhum.
A maior parte das pessoas que anda de carro em Lisboa não é por prazer ou para ir comer pastéis de Belém. É porque têm de ir trabalhar.
E em relação às ciclovias, é um projeto que é para manter?
As ciclovias são importantíssimas e fazem muita falta. As bicicletas também. Retiram bastante carga [ao trânsito na cidade]. Agora, o seu traçado foi delineado em gabinete. Não se teve em consideração nem a tipologia do terreno, nem as reais necessidades, nem os entraves que isso podia trazer, nem os danos. Tem que ser ouvida a população onde as ciclovias passam, têm de ser ouvidos os comerciantes, têm de ser ouvidas as pessoas que andam de bicicletas mas também as que se deslocam de automóvel. A maior parte das pessoas que anda de carro em Lisboa não é por prazer ou para ir comer pastéis de Belém. É porque têm de ir trabalhar. Neste sentido, o carro é um instrumento de trabalho porque não têm outro. Tem de haver uma resposta em transportes públicos que não há ainda. A resposta dos transportes públicos tem sido mal planeada, mal estruturada, não leva em atenção as reais necessidades das pessoas. Parar às duas da manhã? Há pessoas que trabalham até mais tarde. E ao fim de semana, a oferta diminui muito, o que, da nossa ótica, é chocante. E, sobretudo, diminuem as carruagens [do Metro]. Andamos a falar de resiliência, de pandemia, e vamos andar de Metro, apertadinhos, e chegamos ao cinema temos a sala só para nós. É absurdo. Era muito importante que, quem governa, quem legisla, quem toma disposições, soubesse o que é que é andar de transportes públicos e fizesse estes percursos. Sem avisar a comunicação social. Fazer como nós fazemos.
No fundo, colocar-se na pele de quem precisa de se deslocar na cidade.
Sim, e tentar perceber a horas diferentes, dias diferentes... é um bom exercício.
E esse exercício no terreno não tem sido feito?
Não acredito. Se tivesse sido feito, estaria muito melhor. Não há uma sinergia, não há uma gestão integrada entre comboios, metros, Transtejo.
E sem essa oferta, Lisboa nunca será uma cidade sem carros como se pretende?
Não podemos. E as pessoas que vêm de fora? Que não conseguiram ficar em Lisboa ou porque quiseram outro tipo de casa ou porque é muito difícil arranjar casa em Lisboa, mas que depois têm de vir para trabalhar? Se não têm transportes [públicos], como é que hão de vir? E agora há asneiras grandes, como a linha circular do Metropolitano. Estamos, desde o princípio, chocados e contra esta linha, porque há outras prioridades.
Fernando Medina afirma que a linha circular e a expansão do Metro vão acabar por ser feitas quase em paralelo, apesar de a primeira já ter avançado.
Pois, ele tem muitas ideias fantásticas. Promete, mas não cumpre. Tivemos quatro anos à espera das tais casas para arrendamento acessível e depois não cumpre. O que é que nos leva a acreditar que agora leva a cumprir? E porque é que havemos de acreditar que o senhor engenheiro Moedas, que integra uma coligação de partidos que está no poder há tantos anos e que teve Lisboa tanto tempo nas mãos, vai agora ser diferente? Há lógicas, até empresariais, que presidem a estas candidaturas. Estes candidatos gerem a cidade em seu nome mas também em nome dos seus clientes. No PAN não temos nenhum grupo económico por trás porque não somos interessantes para os grandes grupos económicos.
Antes pelo contrário?
Pelo contrário. O que defendemos torna-nos muito desinteressantes e ameaçadores. Aqui há dias um jornalista dizia que somos perigosíssimos. Pensamos, acima de tudo, no que será bom para o coletivo e para as pessoas. Nós não vamos reportar a grandes grupos. Não trocamos uma campanha luxuosa por isto ou aquilo. Defendemos causas, e ainda bem que é assim.
A habitação é a questão central nestas autárquicas e que atravessa várias cidades do país. Em Lisboa será mesmo o ‘calcanhar de Aquiles’ do atual presidente, uma vez que falhou a promessa das seis mil casas de renda acessível. Que propostas tem nesta matéria?
Não descartamos nem achamos que a solução da habitação passe apenas pelo poder político e pelo poder autárquico. Também passa pelos privados. Não diabolizamos a iniciativa privada de forma alguma. Achamos que a autarquia tem uma grande responsabilidade e um grande peso nesse sentido. E o Estado também. Uma cidade faz-se com pessoas e a Câmara tem de dar respostas. Seja em habitação municipal – não gostamos nada da tipologia da habitação social, tem uma carga muito pejorativa que, no nosso entender, não é interessante. Aceitamos uma habitação corporativa, em que há uma mediação feita pela autarquia, que dispõe dos terrenos e dos imóveis e que pode comprar outros. Temos uma Câmara muito rica. Isso pode ser feito. Tinha que ter sido feito há muito tempo. Outra coisa: Não podemos estar mais quatro anos à espera de projetos que vão demorar muito tempo a serem concluídos e, ao mesmo tempo, continuarmos a ser sangrados de gente, a pensar nos jovens que vamos buscar daqui a quatro anos e que, entretanto, já mandámos embora ao colo dos pais. É o que está a acontecer. Os pais e as mães são corridos da cidade porque não conseguem pagar as rendas e manter-se na cidade que amam e onde muitos deles cresceram. Daqui a quatro anos vamos dizer-lhes para voltarem que ‘agora é que está bom’? Ora, não há jovens em geração espontânea, há uma rede familiar e as cidades também têm de promover isso. Propomos desde o início um gabinete de crise de urgência para avaliarmos todas as pessoas que estão em risco de despejo, todos os casos, para, em dois/três/quatro meses, darmos resposta. Sem pessoas, a cidade não existe. Também não são as pessoas com muito poder de compra que fazem a cidade, aquelas que tanto têm casa aqui como têm no Mónaco e em Nova Iorque. Não vivemos só de milionários, de Ronaldos – dá-nos muito prazer que esteja cá – , mas vivemos de gente que sonha aqui e que aqui constrói o seu futuro e o dos seus filhos. Essas pessoas têm de ser mantidas. Temos uma população muito empobrecida, e isso é um problema geral. E o problema da habitação não é só de Lisboa.
Sim, é transversal a todas cidades.
Assistindo aos debates, vemos que é o problema central. Mas há cidades que souberam resolvê-lo, juntando vários formatos, vários modelos. Não temos de estar só à Esquerda ou só à Direita.
É preciso um consenso mais amplo?
Vamos sentar as pessoas à mesma mesa: os empreendedores, os particulares, os arrendatários, e os donos de Alojamentos Locais, que estão agora a ser diabolizados. Obviamente que há Alojamento Local a mais. Vamos ver aonde e como se planeia isso. O Alojamento Local teve esta quebra [por causa da pandemia] e as pessoas estão de facto em grande dificuldades. E querem suspender as licenças de Alojamento Local. Somos absolutamente favoráveis a que as suspendam, mas que as possam retomar depois. Porque estas pessoas já foram parte da solução. Há talvez medidas e legislação que tem de ser alterada.
Na questão dos limites?
E não é só isso. Passou-se de uma lei que congelou as rendas durante uma eternidade - em que as casas passavam dos filhos para os netos, com rendas completamente irrisórias, um sonho para qualquer inquilino -, para uma coisa em que, de um momento para o outro, com a famosa lei Cristas, implacavelmente, as pessoas ficaram incapazes de fazer face à brutalidade do aumento das rendas, o que culminou em despejos e liberalização do mercado.
Casas essas que depois se converteram, grande parte, em Alojamentos Locais.
Porque as pessoas também perderam os seus empregos. A maior parte dos detentores de Alojamento Local não são grandes empresários. A maior parte são pessoas que alugam quartos para sobreviverem, ou alugam a própria casa e ou têm outra para alugar. E assim se criou emprego que nós achamos muito meritório. O Alojamento Local tem uma tipologia de oferta que um hotel não tem, que é viver a cidade por dentro, que é a coisa mais interessante que pode haver. É muito interessante, as pessoas pagaram a reabilitação dos prédios à sua custa, algumas endividaram-se. Agora, ficaram sem trabalho. Vamos obrigá-las a vender os imóveis porque não têm capacidade para enfrentar esta crise? Os hotéis das grandes cadeias podem aguentar um, dois anos. As pessoas que vivem destes pequenos negócios de nicho não e têm que viver. Suspender as licenças de AL, alugar na média e longa duração, sim. Depois retomar outra vez. Tem de ser visto, analisado. Não concebo uma gestão autárquica que não seja com os seus principais atores e intervenientes sentados à mesa.
Passou-se do 8 para o 80 no que toca ao Alojamento Local?
Foi e continua a ser 8 ou 80. Fernando Medina diz que quem suspender as licenças não volta a poder fazer AL, e isso parece-me uma coisa absurda. Porque é que essas pessoas apanharam o embate todo? Foram elas que reabilitaram a cidade. Não foi o Governo nem a Câmara que reabilitou a quantidade de prédios e casas, foram os particulares.
Ainda em matéria de habitação, houve coisas absolutamente imorais, como vender a nacionalidade por ‘tuta e meia’. 500 mil euros é muito dinheiro para nós, para pessoas do capital não é. Aliás, até podem obter esse dinheiro não sendo delas, não usam o dinheiro próprio – é um dos grandes segredos dos capitalistas. Comprar a nacionalidade de um país europeu através dos vistos gold é imoral. Sobretudo quando temos, muitas vezes, quase que hipotecar as nossas vidas porque somos portugueses e não temos condições de viver com salários muito baixos. Houve aqui tomadas de posição, atitudes e políticas económicas de uma grande dureza.
Foi, em resumo, a forma como a cidade encarou o turismo nos últimos anos.
A galinha dos ovos de ouro, em que não interessa mais nada. É pôr os ovos todos no mesmo cesto ou as fichas todas no mesmo jogador. Não pode ser. Por isso pergunto: porque é que não planeiam, porque é que não se sentam à mesa? A política é a arte do consenso. Mesmo tendo maioria, ou não tendo, se a pessoa não está a ouvir os intervenientes, está a fazer um trabalho desligado.
Manuela Gonzaga nasceu em 1951, no Porto, onde viveu até aos 12 anos© Melissa Lopes
Se for eleita vai mudar essa dinâmica na Câmara?
Completamente. Estou habituada a gerir relações humanas, gosto do coletivo. Nós aqui [no PAN] temos um coletivo em que nem sempre estamos de acordo, mas é muito estimulante estarmos a discutir durante horas. Não chegamos sempre a acordo, mas temos um coletivo muitíssimo democrático e debatemos exaustivamente, o que não põe nada em causa. Estamos todos alinhados com o eixo fundamental. Alguém que vá presidir uma Câmara também tem os seus eixos, as suas bandeiras, isso é fundamental. Mas quando vai para o terreno é obrigado a ouvir os outros e se não o fizer está a fazer um péssimo trabalho. A Câmara não é do presidente, a Câmara é nossa. O presidente da Câmara é um gestor da coisa pública, tem de responder pela sua população e levar em consideração que está a trabalhar para seres humanos e também para animais e para a natureza. Quando não tivermos árvores deixamos de poder respirar. Quando tratamos os animais como estamos a tratar, estamos a demitir-nos da nossa própria humanidade e estamos a subscrever uma grande crueldade.
Quem ainda come carne, [podia] comer apenas uma ou duas vezes, por exemplo. Era uma diferença abissal em termos de emissões de gases com efeitos de estufa e de desflorestação. Aí os governos são muito cobardes. É de cobardia de que falamos
A nível da proteção dos direitos dos animais, como avalia o trabalho feito pela autarquia?
Nestes debates autárquicos, ninguém fala de animais. Zero. Quando tenho conseguido introduzir essa nossa bandeira é quase como se eu estivesse a falar de uma coisa muito secundária e a fazê-los perder tempo a tratar disto. O bem-estar animal ainda não é considerado um vetor absolutamente necessário. Nas touradas, estamos mais ou menos todos de acordo que é uma inanidade, uma insanidade, uma obscenidade. Mas [os outros candidatos] não consideram que seja um ponto fulcral. Nós consideramos. O bem-estar animal define-nos enquanto seres humanos. E quanto mais humanos formos mais seremos cuidadores e preocupados.
Por outro lado, não é só uma questão de coração. A forma como tratamos os animais, sobretudo os animais de pecuária que utilizamos para comer, é um risco ambiental tão grande que até os próprios relatórios internacionais dizem para deixarmos de comer carne ou, pelo menos, nas quantidades em que o estamos a fazer. Nas cantinas universitárias e escolares da Alemanha, a carne e o peixe estão proibidos. O Planeta não tem massa crítica para suportar os bilhões de animais criados para a pecuária e não temos capacidade para suportar esse negócio. Primeiro, porque é um dispêndio muito grande de água e, depois, porque a Amazónia está a ser desflorestada para plantar soja para alimentar esses animais. E não é como dizia no outro dia um jornalista [Miguel Sousa Tavares], que nós [vegans] somos responsáveis pela desflorestação porque comemos bifes de soja. É uma pequenina percentagem. O que consome a Amazónia são os campos a perder de vista, em que cada três segundos se abate floresta do tamanho de um campo de futebol para criar vacas. Esta questão é tão central – e parece que andamos aos círculos, mas as coisas completam-se. A Holanda vai diminuir creio que em 80% a indústria agropecuária, porque chegou à conclusão que não é sustentável. Já tivemos a segunda-feira sem carne, uma iniciativa que foi importante, mas que agora devia ir além disso. Quem ainda come carne, [podia] comer apenas uma ou duas vezes, por exemplo. Era uma diferença abissal em termos de emissões de gases com efeitos de estufa e de desflorestação. Aí os governos são muito cobardes. É de cobardia de que falamos. Medidas nesse sentido iriam favorecer, seguramente, as pessoas, mas iriam tornar muito infelizes e descontentes os grandes investidores. Os governos não têm coragem de o fazer. A Alemanha e a Holanda tiveram.
E vê alguma possibilidade de Portugal seguir também esses passos desses dois países?
Vamos fazer por isso. A idade tem um vantagem: já vi muita coisa. Quando era pequena, o consumo de carne era uma coisa rara. E um quilo de carne dava para fazer muita coisa: empadões, croquetes, rissóis, porque era misturado com cenoura e outras coisas. Não comíamos as quantidades de carne que hoje as pessoas comem quer ao almoço, quer ao jantar. Comia-se muito peixe, mas também não era aquela coisa... Marisco era raríssimo. Comia-se galinha numa festa, num Natal. Agora é todos os dias como se fosse alimentação de festa, de casamento. Doces também era muito raro (e a minha mãe era boa doceira). Não era esta abundância. A carne, que era um produto caro, tornou-se muito barato porque a indústria é absolutamente impiedosa pela forma como a produz. Além disso, estamos a consumir animais cheios de antibióticos. Nós próprios estamos resistentes aos antibióticos porque os animais de criação, desde que nascem, são-lhes administradas doses massivas de antibióticos. Uma grande produtora não pode dar-se ao luxo que um animal adoeça. No caso das vacas ainda é pior, porque têm de tomar ansiolíticos porque, sendo mamíferos, entram em depressão. São capazes de berrar um dia inteiro quando lhe tiram um filho. São anestesiadas. Quem vive perto de explorações leiteiras queixa-se muito do horror que é ouvir os animais em sofrimento noite e dia.
Temos de olhar para vários vetores. Se o ‘coração’ não serve, vamos pela sobrevivência. Conseguem atingir que é um risco? Nós achamos que as pessoas têm de tomar essa decisão (reduzir o consumo de carne), mas quando o coletivo está absolutamente contra, tem de haver regras, como há no trânsito.
O que está a transmitir é que não é preciso que a humanidade, de repente, se torne toda vegan para que o problema seja mitigado? Bastava voltar à forma como se comia há umas décadas?
Exatamente. Os fumadores, que fumavam em todo o lado - até no cinema - tiveram de ter regras. Depois chegou-se à conclusão de que fumar pode mesmo causar doenças graves. Decidiu-se implementar regras e, na altura, considerou-se que era um enorme atentado à liberdade. E não é. A pessoa que está a fumar está a obrigar o metabolismo de quem está ao lado a metabolizar o veneno que está a meter no seu próprio corpo. Houve regras que tiveram de ser introduzidas, não se tratou de nenhum atentado à liberdade. Hoje em dia, ninguém coloca isso em questão. Em relação à carne, é muitíssimo barata porque é suportada pelos governos, a indústria agropecuária beneficia de grandes vantagens. Bastava que o Governo deixasse de apoiar as indústrias agropecuárias e que as pessoas fossem informadas, quando estão a comer carne, o que é que isso implica para o seu próprio organismo. Tem peso na nossa saúde, na saúde do Planeta e não temos outro.
Querem fazer touradas? À nossa custa, não. À custa dos nossos impostos, não, de forma alguma. Se houver vontade política... Fernando Medina já podia ter acabado com as touradas porque o terreno é da Câmara
A Manuela foi uma das muitas pessoas que estiveram na manifestação contra a homenagem ao cavaleiro João Moura. Acabar com as touradas no Campo Pequeno é mesmo a grande bandeira do PAN para Lisboa?
É.
Como pensa fazê-lo?
Se tivermos muita gente do nosso lado... Há muita gente que não suporta as touradas e que não aceita, inclusivamente, a borla fiscal que o Campo Pequeno tem de 12 milhões de euros do IMI, numa cidade onde há artistas a passarem muito mal, esses sim produtores de arte. A comunidade artística é a primeira a fechar as portas, a última a retomar e não tem os apoios que deveria ter. Tudo isso teria de ser discutido de outra forma e de outro tom. Entendemos que a cultura não pode ser considerada um bem acessório. É fundamental, a cultura identifica-nos, devolve-nos a nossa identidade. Darem condições económicas e subsídios à indústria tauromáquica... Querem fazer touradas? À nossa custa, não. À custa dos nossos impostos, não, de forma alguma. Se houver vontade política... Fernando Medina já podia ter acabado com as touradas porque o terreno é da Câmara.
Medina tem argumentado que não está nas suas mãos fazê-lo.
Mas está. O terreno é da Câmara e quem tem a concessão é a Casa Pia. Fernando Medina já desobrigou a Casa de Pia de fazer espetáculos taurinos. Legalmente, o contrato pode ser suspendido e o Campo Pequeno ser devolvido aos lisboetas para outro tipo de atividades que não aquela atividade berrante de massacrar animais que não têm saída, aterrorizados. E os cavalos... um cavalo e um touro não se enfrentam, jamais. Quem diz que não conhecemos nada do mundo rural, não conhece nada de animais para dizer isso. E quem diz que, com o fim das touradas, a raça vai ser extinguida, não é biólogo. Não há um único biólogo no mundo que a raça vai ser extinguida. É uma espécie criada através de cruzamentos. Se isto acabar, continuaremos a ter a raça do Bos taurus.
Quanto ao novo aeroporto, o PAN tem estado sozinho a defender a opção Beja. Ainda mantêm a esperança de que essa solução possa vir a ser considerada nesta fase, diria, já tão adiantada?
Faz todo o sentido. Montijo e Alcochete é perigosíssimo. Por um lado, é um atentado ao estuário do Tejo, que é uma das nossas joias, e é um crime ambiental que se vai ali perpetrar. Por outro lado, as alterações climáticas estão aí, já começaram a fazer-se sentir. Não é ficção de Hollywood. Não é só nos países do lado, não é só no outro lado do mundo. A subida do nível das águas é um facto. Todos os estudos climáticos apontam para isso. Expropriar aquelas terras, extinguir aquela biodiversidade do estuário, que é protegida, para fazer um aeroporto que não vai servir mais de 30 anos? Parece-nos profundamente danoso para todos. Beja, com um comboio de alta velocidade, está a uma hora de Lisboa. Faz todo o sentido. E está feito e totalmente preparado – com algumas mudanças – para ser um belíssimo aeroporto.
Mas nem sequer consta das opções do Governo...
Pois é, mas é um erro enorme. Faremos tudo para isso.
E o atual Aeroporto, dentro da cidade, é para manter?
Nós não somos a favor do desmantelamento total. Devemos ter um aeroporto em Lisboa, mais pequeno, com carga muito menor. Neste assunto do aeroporto há outros interesses que não são muito virtuosos. Aqueles terrenos valem muito dinheiro. Não ficaríamos mal com um aeroporto ali, com uma carga muito menor, sem voos noturnos. É que entrámos num alucino completo. Devemos tirar deste aeroporto a grande carga e apostar em comboios de alta velocidade. Tivemos uma grande tragédia que foi o desmantelamento da nossa ferrovia, em detrimento de outros transportes, e fazia-nos muito falta. É uma discussão que volta a estar em cima da mesa, porque a Europa está novamente a reconverter-se à ferrovia. Beja seria boa opção, fica a uma hora de Lisboa, fica perto de Sevilha, do Algarve. E a maior parte das cidades onde vamos ficam a uma, duas horas de distância. Não é assim uma coisa tão extraordinária. Enfim, aqui temos de levar em conta que há muitas forças em jogo, muito dinheiro e interesses em jogo. E nem sempre esses interesses são pelo bem-estar de nós todos.
Numa entrevista recente utilizou a imagem do Titanic a afundar – e nós a dançar - para ilustrar o momento em que estamos ao nível das alterações climáticas. Pegando nessa imagem, na classe política em geral, quem é que é o melhor dançarino?
Acho que estão todos a dançar uns com os outros. E a única coisa que tenho pedido muito é: Está-se mesmo a afundar, o que não queremos é que se salvem os da primeira classe. Desta vez, vamos ter de nos salvar a todos. Para isso, temos de estar todos juntos. E não tem necessariamente de ser uma tragédia. Se no Titanic tivessem estado atentos, se tivessem tomado as medidas que deveriam ter sido tomadas e se tivessem tomado em consideração toda a gente, teriam morrido muito menos pessoas. Nomeadamente, teriam de ter tido mais balsas de salvamento que não tinham e o alerta teria de ter sido dado antes. Hoje em dia, sobre o Planeta, temos todos os alertas em tempo real e para um futuro próximo. Podemos tomar precauções e tomar medidas, ao invés de estarmos a dançar. Temos essa grande vantagem de sabermos que vai acontecer. Há coisas que não sabemos, mas essas [das alterações climáticas] podemos antecipá-las, estão desenhadas. E pronto, haverá políticos que vão dançar uns com os outros a pensar que vai ficar tudo bem. Este mundo, tal como está a ser falado, acabou. Mas não tem de ser mau. Podemos todos reorganizarmo-nos de outra forma, nunca perdendo de vista a nossa humanidade e tendo uma economia ao nosso serviço, ao invés de estarmos nós ao serviço da economia. Esta economia triunfante é uma economia psicopata, devoradora e, para a qual nós somos ativos tóxicos, sobretudo a partir de uma certa idade e quando não somos consumidores.
E entre Medina e Moedas, quem é que está mais alheado, mais afastado da realidade do afundanço do Planeta?
As políticas são bastante parecidas. Os conteúdos programáticos alinham pelo mesmo tipo de economia, o mesmo tipo de visão económica, vêem-na é de formas diferentes de aplicar. Penso que o Medina poderá ter um jogo de cintura um pouco maior porque, apesar de tudo, o PS é mais maleável a um vetor humano, aos valores intrínsecos do socialismo que preconiza também o valor das pessoas. Não quer dizer que o PSD também não invoque... O que acho é que, hoje em dia, está tudo muito liberal. Talvez seja mais fácil conseguir algum consenso, mas depende das redes, dos contratos, dos patamares de responsabilidade que cada um já tem perante as forças às quais reporta. Quando se está muito ligado economicamente, [há interferência] na nossa liberdade e há menos facilidades de negociar. Todos têm projetos bonitos. Mas são conteúdos programáticos de quem não vê a realidade. Para aquilo que estamos a consumir precisávamos de dois planetas e meio e já esgotámos os recursos. Como é que podemos continuar a falar da mesma maneira?
Impunha-se uma mudança mais radical?
De uma forma ou de outra, vai ser. Podemos fazer isto da maneira bonita ou da maneira feia. Podemos atuar quando o Titanic já afundou mesmo e aí é um descalabro total, todos à procura das balsas de salvação. Ou podemos programar e fazer uma transição muito mais sensata. Há muita gente no mundo atenta.
Como avalia a governação da autarquia no âmbito do combate à pandemia no último ano e meio?
Estamos a falar de uma crise sem precedentes e de uma situação, a nível mundial, de que não temos memória de ter acontecido. De repente, entrámos num cenário de ficção científica. Se nos dissessem, há cinco anos, que iríamos andar todos de máscara, riríamos. Até que ponto poderia ter sido feito muito melhor? Só percebo que não houve uma aproximação tão grande quanto deveria ser de uma população mais desfavorecida. O PAN propôs, por exemplo, antes da pandemia, que se fizessem avaliações de risco, que se tirassem as pessoas da rua com o programa Housing First - foi o PAN o primeiro a falar sobre isto. E não foi tido em atenção. Quando há uma pandemia, e muita gente vai parar à rua por outros motivos, acordou-se para essa realidade. Já tínhamos centenas de pessoas despejadas. Quando sabemos que há risco para a vida das pessoas, temos de antecipar, não é só quando as coisas acontecem.
E durante a pandemia em concreto?
Acho que se fez o que era suposto fazer-se e o que era expectável. Houve mais coisas que a autarquia deveria ter feito. Não se avaliaram bem riscos das pessoas. A nossa sociedade civil é o melhor que nós temos. Não foram disponibilizados meios até para situações mais graves. Houve muita depressão, muito desemprego, a violência doméstica aumentou muitíssimo. Penso que uma autarquia tem que se envolver também nesses campos, tem de estar atenta. Pode haver equipas de pessoas que vão ver caso a caso, porta a porta. Saber quem está sozinho... Muitas pessoas foram deixadas à sua sorte. Aí a Câmara esteve mal. Porque é que não houve equipas de psicólogos, pessoal das ciências sociais, humanas e comportamentais a apoiar as pessoas? Porque é que não houve um levantamento dos casos de solidão? Tem que haver essa vertente humana numa autarquia. Não é só gerir uma cidade, não é só negócios e números, é gente, são vidas, e as vidas têm de ser respeitadas e cauteladas. Se temos índices de depressão muito grandes, tem que se fazer alguma coisa em relação a isso. Aqui em Lisboa podia ter-se feito muito mais. Mas pronto, lá se foi, em cima do acontecimento, tirar as pessoas da rua. Temos de ver que temos novos pobres e pessoas que vão para a rua, não por terem problemas psicológicos e de adições, mas porque, estando todos a viver na mesma casa, os conflitos aumentam. Há pessoas na rua que, meses antes, tinham emprego, tinham uma salvaguarda, casa.
O PAN tem como objetivo eleger um vereador na CML, mas até agora as sondagens não têm apontado nesse sentido.
As nossas sondagens deram-nos sempre números muito abaixo da realidade. Quando o André Silva foi eleito, as sondagens davam metade dos votos que veio a ter. É a alavancagem do poder e da visibilidade que dá mais poder e visibilidade. A partir do momento em que houve um deputado na Assembleia, nas eleições seguintes entraram quatro.
Mantém-se confiante, apesar das sondagens?
Estou confiante e estou a fazer um trabalho que sinto que tenho de estar a fazer. Tudo o que venha é muito bom.
E nesse sentido, não descarta acordos pós-eleitorais com Medina? Com Medina, tendo em conta que as sondagens indicam que vai vencer estas eleições.
Tenho dito muitas vezes: a política é a arte do consenso. Os acordos têm que levar em consideração aquilo que são as nossas bandeiras. Há partes inegociáveis, há limites. Sei que o tempo é muito acelerado e que estamos muito perto das eleições, mas é-me impensável estar a pensar nisso. O foco no agora e no trabalho que estamos a fazer é tão grande que estar a fazer contas... Estou com grande entrega, num coletivo muito estimulante, mas o resto ir-se-á pensando. Vamos ver caso a caso. Obviamente que não temos a visibilidade que têm outros partidos, prova disso são os frente a frente onde só entram os ‘grandes’, mas talvez alguma coisa passe, nestas entrevistas. Também não descarto que o ponto de partida das nossas sondagens não esteja bastante nivelado por baixo.
Que estratégia vai usar para levar os lisboetas a votar em si? Ou melhor, dê-nos cinco boas razões para os lisboetas confiarem o seu voto no PAN?
O PAN é o único partido que é ambientalista, animalista, humanista, feminista e ecocêntrico.
- Leia Também: A entrevista ao candidato da CDU, João Ferreira
"Queremos Lisboa bela e justa. Que as pessoas tenham uma palavra a dizer"
Descarregue a nossa App gratuita.
Oitavo ano consecutivo Escolha do Consumidor para Imprensa Online e eleito o produto do ano 2024.
* Estudo da e Netsonda, nov. e dez. 2023 produtodoano- pt.com