Referendos locais sem tradição em Portugal devido à rigidez do sistema
Os referendos locais poderiam aproximar os cidadãos da democracia, mas são pouco utilizados em Portugal, devido à falta de iniciativa dos cidadãos, ao controlo dos partidos políticos e à rigidez do controlo pelo Tribunal Constitucional.
© Reuters
Política Jorge Miranda
Estes referendos estão previstos na Constituição desde 1982, mas, mesmo com a crescente diversificação dos instrumentos de participação cívica (das petições aos orçamentos participativos), são muito pouco usados para "chamar os cidadãos a decidir sobre temas que lhes dizem diretamente respeito".
"É algo que dificilmente se compreende", lamentou o constitucionalista Jorge Miranda, salientando que "a democracia começa a nível local".
"Ainda agora em Lisboa, esta questão das modificações na Segunda Circular, na Avenida da República, na Avenida Fontes Pereira de Melo são questões que bem poderiam ser submetidas a referendo local", considerou o constitucionalista.
Para esta realidade contribuem "uma grande falta de iniciativa cívica das pessoas", um sistema em que "os partidos dominam completamente a vida local" e "um controlo de constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional (TC), que, por vezes, é demasiado rigoroso e demasiado formalista", afirmou, considerando que "uma forma de revitalizar o referendo local seria permitir diretamente a um determinado grupo de cidadãos provocar um referendo local".
Segundo o 'site' do TC, o tribunal analisou cerca de 40 propostas de referendos locais desde os anos 90 do século passado, mas apenas aprovou a realização de cinco.
O primeiro foi realizado em Serreleis, Viana do Castelo, onde a população se pronunciou a favor de um polidesportivo a 25 de abril de 1999, e foi vinculativo por ter uma participação superior a 50%.
Em 1999, realizou-se outro em Tavira, onde a população recusou a demolição de um depósito de água, e em 2012 Milheirós de Poiares mostrou preferir mudar do concelho de Santa Maria da Feira para o de São João da Madeira, o que não aconteceu, porque o referendo não teve valor vinculativo.
Em Viana do Castelo, em 2009, a população recusou integrar a Comunidade Intermunicipal Minho-Lima e no Cartaxo, num outro referendo com fraca adesão, realizado em 2011, a população não autorizou a Câmara a contratualizar a concessão de exploração de um parque de estacionamento coberto a uma empresa privada.
Entre os motivos de rejeição estão sobretudo a consideração de falta de legitimidade às assembleias locais para aprovar referendos sobre os temas propostos e a complexidade das perguntas para a compreensão do eleitor.
Foi a burocracia que levou o presidente da junta de Campolide, em Lisboa, a recorrer a uma consulta popular e não a um referendo formal quando quis que os 3.000 habitantes da zona mais antiga da freguesia, com uma média de idades superior a 65 anos, se pronunciassem sobre a substituição ou não da calçada portuguesa em corredores de alguns arruamentos muito inclinados, para evitar a sinistralidade pedonal.
"Eu poderia ter assinado um papel e estava decidido o que aconteceria, mas achei que, num momento em que vivemos uma crise tão grande na democracia, era bom, era saudável chamar as pessoas a terem uma palavra numa situação destas", para "restaurarmos a credibilidade na democracia", afirmou André Couto.
Cerca de dois terços dos 350 moradores que se pronunciaram preferiram corredores de piso seguro, ao lado da calçada.
"Nunca conseguiríamos realizar um referendo local em menos de nove meses, um ano. Se virmos que os nossos mandatos têm quatro anos, um quarto do mandato vai logo 'ao ar' dentro deste procedimento", salientou.
O referendo realizado em Tavira em 1999 pelo então presidente da Câmara, Macário Correia, propôs uma consulta para decidir se a autarquia avançava ou não com a demolição de um reservatório de água que já não era utilizado, no âmbito "da requalificação do palácio da Galeria, que veio a ser feita, e do próprio parque, que hoje é um parque de eventos da câmara municipal", explicou o ex-autarca.
Quando se ia avançar com a obra, percebeu-se que "não era pacífico para a população" a demolição do reservatório, na altura com 70 anos e uma referência para muitas gerações, pelo que aproveitou as eleições europeias de junho de 1999 para pedir ao TC um referendo sobre a matéria.
"Deu-se a contagem dos votos, o depósito ganhou", afirmou Macário Correia, precisando que 60% dos votos foram contra a demolição.
Assim, a torre foi reabilitada com "um sistema de espelhos, para fazer observações da paisagem envolvente", de 360 graus, num projeto que também foi proposto por cidadãos.
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