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"Cascais parece as traseiras requintadas de Lisboa. Não é o que queremos"

Gabriela Canavilhas, antiga ministra da Cultura e candidata do PS à Câmara de Cascais, é a entrevistada de hoje do Vozes ao Minuto. Fique com a segunda parte da conversa que teve connosco.

"Cascais parece as traseiras requintadas de Lisboa. Não é o que queremos"
Notícias ao Minuto

14/06/17 por Pedro Filipe Pina

Política Gabriela Canavilhas

Gabriela Canavilhas é a escolhida pelo PS para a corrida autárquica em Cascais, um concelho que, primeiro com António Capucho e atualmente com Carlos Carreiras, se tornou um bastião do PSD.

O desafio não é fácil mas a antiga ministra da Cultura e deputada socialista acredita que a vitória de Carlos Carreiras se deveu a dois fatores em particular: a fidelidade partidária e a ausência de programa.

A abstenção, afirma, foi maior "onde as pessoas vivem com mais dificuldades e onde as pessoas em parte desistiram de confiar". E aqui poderá estar uma das chaves para o sucesso.

Estamos em ano de autárquicas. Antes de falarmos de Cascais, queria perguntar-lhe que expectativas tem para o PS a nível nacional.

O PS tem neste momento uma credibilidade que advém dos bons resultados na governação do país e esses resultados devem-se a uma governação muito competente, em todas as áreas, e aqui com muito relevância para a área das Finanças, onde Mário Centeno tem pontificado com muito mérito e as suas particularidades especiais, que fazem dele um ministro muito atípico [risos].

Não há dúvida que o sucesso que ele tem conseguido é extraordinário e tem surpreendido a Europa, nomeadamente o senhor Schäuble [ministro das Finanças alemão], que, com o seu comentário irónico e até um bocadinho deselegante, mostra o quão está surpreendido, quase que diria pela negativa. Acho que estava a torcer pelo nosso insucesso para fundamentar as suas teorias em prol da austeridade punitiva.

Seria um diabo germânico...

Exatamente. Mas a posição que o PS teve foi que aquele modelo [de austeridade] não resultava em desenvolvimento e no robustecimento da economia. O que foi posto em marcha, e que estava no programa do PS de robustecer a economia através da devolução de rendimentos para a economia interna ter outra forma de responder à crise, tem dado resultado, apesar de o PSD, incluindo Carlos Carreiras, terem sempre rebatido estas teorias. A verdade é que graças a estas posições positivas do Governo o PS está numa posição confortável para enfrentar as autárquicas.

Espero também que as frações que concorrem em algumas autarquias, onde alguns independentes surgem no campo do PS, não tragam alguns amargos de boca a algumas candidaturas socialistas, porque é pena. Compreendo (...) que existam expectativas individuais. Mas é importante não esquecer que mesmo essas expectativas individuais se devem a percursos antigos no PS. 

Falamos de alguma autarquia em particular?

Falo em várias autarquias, por exemplo no distrito de Braga. Há méritos individuais, naturalmente, mas há candidatos independentes que concorrem hoje como independentes que fizeram o seu caminho dentro do PS e é preciso não esquecer isso.

Há aqui também um receio populista, em que estar a associado a um partido possa ser visto como algo automaticamente negativo?

Esta é uma atitude contra os partidos que está a larvar, quer em termos nacionais, quer internacionais, desde há uns anos a esta parte. Veja-se a vitória de [Emmanuel] Macron em França. Não acho que seja bom para a democracia, porque não há democracia sem partidos. Compreendo o interesse em projetos independentes e isto também enriquece a democracia, mas se vão enfraquecer as organizações partidárias e os mecanismos sob os quais a democracia se constrói, já o considero um pouco perigoso. Os partidos, com todos os seus defeitos, são uma forma regulada de atividade políticaDesde 2001, na primeira eleição de António Capucho, que Cascais tem sido uma câmara tradicionalmente PSD. Como conta quebrar este ciclo?

A direita tem um eleitorado muito estável no concelho de Cascais desde que António Capucho ganhou as primeiras eleições. Mas se olharmos para os números das últimas eleições autárquicas, em 2013, chegamos a uma conclusão que vale a pena analisar: Cascais tem 206 mil habitantes e cerca de 170 mil eleitores. Carlos Carreiras [do PSD] e o CDS ganharam com 28 mil votos. Isso diz muito sobre o alheamento que se sente no eleitorado de Cascais relativamente às eleições autárquicas e sobre a falta de interesse das pessoas em se envolverem na escolha do seu autarca.

Foi decisivo, esse alheamento de que fala?

Não posso perceber como é que dois partidos juntos ganham uma câmara e governam com maioria absoluta, com 42% dos votos, obtendo apenas 28 mil votos num concelho que tem 206 mil habitantes, algo está mal.

Que significado encontra nesses números?

Significa que esta eleição de Carlos Carreiras se deveu a uma fidelidade dos eleitores dos partidos PSD e CDS. Votaram, como sempre votarão, nos seus partidos. Suspeito que provavelmente não votaram no projeto autárquico de Carlos Carreiras, sabe porquê? Porque Carreiras não apresentou nenhum programa. Os 28 mil votos não foram para o projeto autárquico de Carlos Carreiras, foram para o PSD/CDS. Ponto.

E que expectativas tem para estas eleições?

Aquilo que espero nestas eleições é consciencializar o mais possível os moradores de Cascais de que é necessário envolverem-se nas eleições e de que é necessário envolverem-se nos problemas do concelho e ter uma palavra a dizer. Há que fazer uma análise do que foram estes quatro anos e do que querem para o futuro de Cascais. E, já agora, ainda sobre a ausência de programa, diga-se que quem não apresenta um programa se está a proteger.

Ficam a faltar pontos que se possam apontar?

Quem não apresenta um programa não se compromete e não pode ser de seguida avaliado pelo que não fez ou pelo que prometeu.

E como avalia estes quatro anos de mandato de Carlos Carreiras?

Não posso avaliar porque não sei o que ele prometeu, nem eu nem nenhum eleitor de Cascais. O que se vai avaliar é uma série de medidas avulsas porque não estão inseridas numa estratégia apresentada aos cascalenses. Eu abro o site da câmara de Cascais e não consigo perceber qual é a estratégia de Cascais. Nem eu nem os cascalenses temos onde nos possamos basear para percebermos qual é o projeto de desenvolvimento de Cascais. Não quero aqui fazer um juízo de valor injusto para com Carlos Carreiras, que certamente fará o melhor que pode e sabe e que há de querer o melhor para o seu concelho. 

É um concelho pouco homogéneo?

Nós temos um concelho dividido ao meio pela A5. A oeste da A5 temos um concelho e a leste da A5 temos outro concelho, completamente diferentes.

Ao concelho do Cascais, boa parte do país ainda associa aquela imagem de alta sociedade, das ‘tias de Cascais’. Mas este é um concelho com mais de cem nacionalidades diferentes. Gostava de perceber como vê a população de Cascais no seu dia a dia.

Vejo uma população muito assimétrica. Vejo um litoral com um desenvolvimento enquadrado, embora lhe falte por exemplo uma relação clara com a sustentabilidade verde, com a natureza, e um investimento claro, isto mesmo em zonas mais ricas e cuidadas onde há investimento no turismo, como no centro de Cascais ou Estoril. Cascais tem tudo para ser um concelho com marca no mar e no 'verde' e não vejo esta opção. E depois temos a parte de trás de Cascais, que ficou abandonada à sua sorte.

O turismo tem sido um dos motores da economia nacional. Cascais, além de ter sido historicamente local de férias de famílias reais, beneficia, tal como Sintra, da proximidade com a capital do país. Está a ser potenciado?

O turismo em Cascais deve ser diferente do de Sintra e do de Lisboa. É uma tipologia de turismo diferente. Cascais deve ter outro tipo de direcionamento, mais voltado para o mar e para a natureza. A proximidade com o mar e com o parque Cascais-Sintra tem de ser trabalhada e potenciada. Hoje em dia em Cascais os turistas não se apercebem da proximidade do parque Sintra-Cascais e essa relação não é devidamente explorada.

Há isolacionismo entre as autarquias?

Talvez não entre as autarquias mas a relação turística para o Parque Sintra-Cascais não está a ser feita. O turismo de mar é a especialidade de Cascais e deve ser assim tratado. De resto, o mar deve ser a marca de Cascais em todas as suas vertentes, na científica, na investigação, no turismo e na qualidade de vida dos munícipes. 

Mas o turismo também tem gerado apreensão entre moradores de Lisboa e do Porto.

O turismo também tem de ser trabalhado e planificado para sabermos qual o limite que queremos para Cascais. Esse estudo ainda não foi feito e tem de ser feito. Quando o tivermos poderemos pôr um tecto e trabalhar o turismo dentro desse enquadramento. Acredito que terá de haver sempre um limite para o número de pessoas, de estradas, de hotéis, de circulação, enfim, de desgaste territorial que cada região deve ter para garantir o bem-estar da população que lá vive e dos recursos endógenos.

No terreno, quais é que são as principais preocupações dos munícipes?

O maior problema que nos tem chegado é o das acessibilidades. É um problema muito complicado e que temos de enfrentar de frente. Na altura dos censos de 2001 havia cerca de 60 mil pessoas todos os dias a entrar e a sair de Cascais. Hoje dizem-me que são já 80 mil.Temos de evitar que Cascais se torne ainda mais um dormitórioComo é que se enfrenta esta questão?

De duas maneiras: por um lado, criar mais razões para as pessoas não saírem de Cascais, ou seja, emprego em Cascais. Por outro lado, facilitar as vias de acesso. Temos consciência de que, quanto mais carros circularem, mais se afunilam as vias de acesso. O tempo das grandes obras, com muitas vias, já passou. Mas não podemos ficar a assistir a um afunilamento constante e ao enfernizamento da vida dos cascalenses

No lançamento da candidatura, afirmou que "Cascais está atualmente fechada dentro de si própria”. Podia concretizar melhor esta crítica?

A Agência Europeia do Medicamento (EMA), por exemplo. O presidente da Câmara devia imediatamente ter iniciado conversações com o Governo para se perfilar para trazer a agência e para fundamentar as razões para a EMA ficar em Cascais. É essa a ambição de colocar Cascais numa centralidade nacional e internacional que eu não vejo em Cascais. Cascais parece as traseiras requintadas de Lisboa e não é isso que queremosQueremos que seja requintado, sim. Mas queremos que tenha influência. E Cascais é o sítio ideal para a EMA. Há espaço, seria um motor de desenvolvimento qualificado, tem todas as condições que uma agência destas precisa, uma população cosmopolita. O presidente da Câmara devia ter envidado todos os esforços e ativar as suas relações institucionais para integrar a comissão que vai preparar a candidatura. Isto é intervir para não isolar Cascais.

Não foi uma prioridade para Carlos Carreiras?

Acho que Carlos Carreiras está distraído em relação à promoção de Cascais. Está muito focado nos problemas do PSD, nos problemas das eleições autárquicas, no seu papel de constante comentador das tricas do PSD. E está também muito focado na sua autopromoção.

O tema da descentralização tem surgido pontualmente no debate público. Já esteve num Governo e já foi deputada. Agora está ‘deste lado’, como candidata à autarquia. Qual é a sua opinião sobre o tema? 

As câmaras e o Governo só têm a ganhar. A centralização de poder só penaliza o destinatário das políticas, que são as pessoas, e qualquer governo quer o melhor para que as suas políticas tenham sucesso. É um meio passo para uma regionalização que nunca chegou a ser efetivada e que, desta forma, consegue atingir parte dos seus objetivos sem haver alterações constitucionais e sem se levar aos limites para os quais muitos encontraram dificuldades. Acho que é um ganho para todas as partes. Não vejo razão para receios, julgo até que o PSD está bastante recetivo à maior parte das propostas do Governo.

Houve também quem já a tenha criticado por não ser natural de Cascais...

Cascais é um concelho cosmopolita, na área metropolitana de Lisboa, onde as questões da origem não se colocam. É provincionismo pensar assim. Se Cascais fosse uma aldeia para trás do sol posto, que se digladiasse com a aldeia vizinha sobre quem é de onde, ainda compreendia, agora Cascais, que é cosmopolita, que tem ambição de marcar o país, e de ter importância nacional e internacional?

Acredita que não será prejudicada por isso?

As pessoas que moram em Cascais não têm preocupações com esse detalhe. Em Lisboa não se pergunta se os vereadores são de Lisboa ou não, são questões laterais.

Falámos antes de abstenção. Foi entre a população mais jovem que o PS falhou em Cascais em anteriores eleições?

Os dados da abstenção em Cascais mostram que os bairros e as zonas onde ela foi maior são precisamente os mais frágeis social e economicamente e as zonas mais afastadas do litoral. Foi onde as pessoas vivem com mais dificuldades e onde as pessoas em parte desistiram de confiar.

É já um desencanto na própria democracia?

É um desencanto na democracia, sim. E onde houve mais votos foi na franja mais fiel aos partidos, e claramente não foram fiéis ao PS. O que vingou nas últimas eleições foi essa fidelidade partidária e não a confiança num projeto autárquico. Acho importante neste período eleitoral, não só para esclarecermos muito bem as pessoas sobre o nosso projeto, como para convencer as pessoas a votar, mesmo que votem noutras forças políticas.

Mesmo que isso tivesse custos eleitorais?

Ficaria muito contente, mesmo que perdesse, que houvesse uma corrida às urnas. Seria sinal de que fizemos um trabalho de alerta de que vale a pena votar. E vale a pena votar.

*Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.

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