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"Em vez de ajudarem, 'jotas' captam aqueles que querem copiar vícios"

Miguel Tiago, deputado do Partido Comunista Português, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

"Em vez de ajudarem, 'jotas' captam aqueles que querem copiar vícios"
Notícias ao Minuto

15/11/17 por Inês André de Figueiredo

Política Miguel Tiago

Miguel Tiago tem 38 anos, é deputado pelo Partido Comunista Português (PCP) desde 2005, mas as ligações à política começaram bem mais cedo, quando o entusiasmo com as causas estudantis o arrastaram para vários movimentos, seguindo-se, mais tarde, a Juventude Comunista Portuguesa (JCP). 

A militância noutra juventude partidária "nunca [lhe] passou pela cabeça", até porque, garante, os jovens comunistas eram, e ainda são, "radicalmente diferentes".

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, o comunista recorda a sua juventude e fala sobre a ligação com o partido, as 'jotas', Jerónimo de Sousa e a necessidade de inserir na política os jovens que dela fogem devido aos 'carreiristas'. 

Sobre a atualidade, Miguel Tiago abordou as principais questões da 'Geringonça', a maneira como o PCP é imperial para a solução à Esquerda, a 'relação' com o Bloco, os alegados favorecimentos ao partido de Catarina Martins, deixando ainda críticas a Marcelo Rebelo de Sousa e pedindo que haja uma reflexão sobre o Presidente da República. 

Hoje em dia, Miguel Tiago é um dos nomes mais falados no seio do PCP. Desde quando está a política na sua vida?

A política entrou na minha vida não foi só de uma maneira, mas aquilo que foi mais marcante foi o início, ainda com 14 anos, com a minha participação no movimento estudantil. Na altura, lembro-me, tinha ficado um bocado impressionado com a luta dos estudantes contra a PGA (Prova Geral de Acesso), aquilo tinha mexido comigo, não era ainda uma coisa para a minha idade. Eu estava no 8.º ano, a PGA ainda estava distante, mas aquilo foi impactante, foram manifestações brutais, a minha escola mobilizou centenas, senão milhares, de estudantes, aquilo mexeu comigo e, no ano a seguir, comecei também a participar.

Depois, lembro-me de começar a perceber que aquilo era muito mais do que uma coisa espontânea, e que era preciso trabalhar, organizar, consciencializar e fazer um trabalho que estava por trás, principalmente relacionado com as associações de estudantes. Aproximei-me da Juventude Comunista Portuguesa (JCP), fui sempre participando. Percebi que as manifestações eram importantes politicamente e que havia um conjunto de pessoas que estavam a fazer mais do que estar presentes, estavam a ajudar, a dinamizar, a dirigir. De certa forma identifiquei-me com isso e fui-me aproximando. Tive tarefas nas associações de estudantes no Ensino Secundário e no Ensino Superior e foi, na prática, por aí que me aproximei da JCP, onde militei muitos anos.

Nunca me passou pela cabeça ir para outra juventude partidária 

Quando percebeu que a JCP era a escolha mais acertada?

Isso terá certamente a ver com a educação que tive. A minha mãe e o meu pai tinham sido militantes do partido, estavam afastados na altura em que eu me aproximei - agora estão novamente próximos -, mas aquela foi uma altura complicada. Os anos noventa, a queda do muro, as derrocadas a leste, as pessoas desanimaram. Mas a educação que me deram antes, de certa forma, os livros que me estimularam a ler, os valores que me passaram, estavam muito alinhados com o humanismo e o comunismo. Portanto, desde miúdo que tinha muito contacto com isso.

A minha mãe desencorajou-me muito a entrar na política mas, ao mesmo tempo, formou-me a sensibilidade por este quadrante.

Ora, quando entro no movimento estudantil, rapidamente percebo que há quem esteja a tentar fazer uma carreira política desde miúdo, e refiro-me claramente à JS e à JSD, em que se sente logo que desde miúdos estão a tentar fazer uma carreira política, em que a principal preocupação é a sua prestação perante os seus chefes para serem bem vistos.

E, depois, havia uma organização que era a JCP em que, não só as pessoas eram radicalmente diferentes, e ainda hoje são distintas, como eram os jovens que se organizavam para dinamizar a luta e para entregar o que de melhor tinham de si, muitas vezes com prejuízo próprio e nunca com benefício próprio.

Quando comecei a perceber nas associações de estudantes como é que se comportavam as forças políticas e depois via como é que se comportava a JCP e a forma como se destacava da JS e da JSD, cada dia que passava tinha mais a certeza de que estava na juventude partidária certa, nem nunca me passou pela cabeça ir para outra.

Nunca esteve sequer em cima da mesa?

Nunca, na minha cabeça nunca.

Seria errado dizer que, em todos os momentos, achei que tomámos a melhor estratégia ou tática, mas isso faz parte de um partido que funciona como este em que, felizmente, o coletivo decideEm alguma fase da vida se sentiu desiludido com o partido?

Claro que o que marca o meu percurso de militante é a confiança renovada a cada dia que passa, porque acho que devemos ponderar como é que as coisas estão, se alguma coisa está mal, questionar. E o facto de cá continuarmos significa que a nossa confiança se vai renovando. O que não quer dizer que, a determinadas alturas, não tenhamos a ideia de que alguma coisa podia ser melhor ou que podia ter sido mais bem feito, ou que tomámos uma posição menos acertada. Todos temos falhas. Agora, desilusão política do ponto de vista de 'o partido falhou perante os trabalhadores, ou seja, falhou perante os seus compromissos', não.

Uma coisa é um pequeno acerto de opinião, eu achava que devia ter sido assim e o partido fez de outra maneira e eu penso 'talvez tivesse sido melhor', isso é uma coisa, mas outra coisa é falhar com os seus valores. Nós estamos aqui porque entendemos que o PCP tem um compromisso inquebrável com os trabalhadores e o povo português e este compromisso estando firme é um pouco difícil desiludirmo-nos. Claro que em pequenas coisas podemos ter cada um de nós o seu entendimento mas, no essencial, este partido não me desilude e acho que não desilude as pessoas que votam nele, desde que saibam que é este o compromisso que o partido tem.

Mas claro que seria errado dizer que, em todos os momentos, achei que tomámos a melhor estratégia ou tática, mas isso faz parte de um partido que funciona como este em que, felizmente, o coletivo decide. Para o coletivo decidir significa que podemos nem todos estar de acordo sempre, mas isso não é uma desilusão, porque é uma regra. Estranho seria começar a satisfazer-se as minorias, ou o meu capricho, isso seria uma desilusão maior do que o partido fazer alguma coisa em relação à qual, em determinado momento, não estou de acordo.

 Hoje em dia olhamos para os chefes de Estado dos países e os líderes de governo e parecem todos saídos da mesma forma, do mesmo molde, o mesmo fato, a mesma gravata, a mesma forma de estarFala-se muito da necessidade de inserir jovens na política. Acha que o 'sangue novo' do PCP é suficiente?

Não é suficiente para o PCP e não é suficiente para a política nacional como um todo. Nós temos o grupo parlamentar mais jovem, mas é evidente que ainda temos muitas pessoas mais velhas, é um partido com 90 anos e é sinal de que elas ficaram cá e não foram embora. Mas o partido tem de rejuvenescer os seus quadros, tem de alargar a sua influência junto da juventude. Mas não é suficiente hoje e eu arriscaria dizer que dificilmente um comunista dirá que é suficiente porque vamos querer sempre ter mais influência.

No quadro da política geral, nós damos um contributo com a renovação dos nossos quadros, mas não ignoramos que o sistema dominante, o capitalismo, que verificamos no tempo de hoje traz para a política, muitas vezes, o pior da juventude e não o melhor.

A juventude tem características próprias, uma forma própria de se organizar, preocupações próprias, gostos próprios e não quer dizer que sejam todos os mesmos, mas são distintos da restante parte da população, o que é fácil de explicar porque a esmagadora maioria da juventude não é ainda totalmente independente e não vive exclusivamente do seu trabalho e, portanto, estas características acabam por fazer com que a juventude seja um grupo destacado dos outros.

O problema com que estamos confrontados é que esta hegemonia, esta cultura do egoísmo, da competição, do salve-se quem puder, a promoção do político de carreira, que provavelmente já vem, em Portugal, desde o Cavaco Silva e que está a contaminar o mundo todo. Hoje em dia olhamos para os chefes de Estado dos países e os líderes de governo e parecem todos saídos da mesma forma, do mesmo molde, o mesmo fato, a mesma gravata, a mesma forma de estar. E, na política, estamos a puxar por essa cultura. Infelizmente, muitos dos jovens que se aproximam da política, e estou a falar das juventudes partidárias, são jovens que querem seguir esse caminho e têm uma perspetiva de carreira.

Notícias ao MinutoMiguel Tiago© Blas Manuel

Chegam já às juventudes partidárias com o intuito de construir carreira?

Em vez de as juventudes partidárias ajudarem a desconstruir os vícios e as insuficiências da política, estão a captar aqueles que querem copiar esses vícios, os que já estão a pensar fazer carreira e a comportar-se dessa maneira. O que é normal porque a juventude, sendo uma camada à parte, não deixa de ser contaminada pela cultura dominante.

E acho que a JCP dá um contributo tremendo para combater isso. Sou suspeito para dizer isto, mas acho que quem conhecer os jovens da JCP dificilmente diz 'lá está mais um carreirista que quer subir na vida'. Acho que a JCP e o PCP combatem isso. Bem, na verdade, se alguém quiser fazer carreira política e dinheiro não é, com certeza, no PCP que se quer inscrever.

Falta ainda trazer a juventude que não se revê nesta política e que quer romper com esta política. Há muitos jovens assim e são esses que temos de trazer para a política porque são esses que se estão a afastar e a deixar que venham apenas os que se querem aproveitar e servir da política. E os que acham que isso é condenável são os mesmos que se estão a afastar, são os mesmos que estão desiludidos. Esses afastam-se e não percebem que esse afastamento está a permitir que os outros tenham o caminho mais facilitado.

Num partido comunista, principalmente como o PCP, o secretário-geral não é definido em função de critérios mediáticos e eleitoraisO líder do PCP tem 70 anos, o mais velho de todos os líderes partidários em Portugal. Isso diz alguma coisa sobre o partido?

Ser secretário-geral não é uma recompensa, significa que o coletivo partidário entende que aquele camarada tem as condições para desempenhar um conjunto de tarefas que estão associadas à tarefa da secretário-geral e a avaliação que o coletivo faz é que tem todas as características necessárias para desempenhar aquela função.

Num partido comunista, principalmente como o PCP, o secretário-geral não é definido em função de critérios mediáticos e eleitorais, mas sim de critérios que têm a ver com a nossa organização. Quais são as capacidades e as condições que aquele camarada tem para desempenhar um conjunto de tarefas, nomeadamente do ponto de vista ideológico, qual é a sua capacidade de mobilização junto dos militantes, a sua reflexão própria, o seu contributo individual para o partido, as características pessoais. Ou seja, o PCP não escolhe o líder em função daquele que achamos que vai ter melhores resultados eleitorais, que é um bocado o que se faz nos outros partidos.

O PCP tem uma perspetiva de intervenção política que vai muito além dos resultados eleitorais, é um partido que não vive para as eleições, as eleições são uma parte da nossa luta, tal como contribuir para o sucesso de uma greve, agitar as populações contra as políticas de direita, organizar os trabalhadores contra a sua exploração no local de trabalho.

Lembramo-nos bem das tentativas que fizeram de dizer que o Jerónimo era um cepo, que era um homem sem sensibilidade, que era um ortodoxo, que era um bruto Mas manter um secretário-geral como Jerónimo de Sousa diz alguma coisa sobre o partido?

Acho que sim, que é um partido que não se deixa influenciar por pressões externas, decide qual é o seu secretário-geral independentemente das pressões que houve antes, porque lembramo-nos bem das tentativas que fizeram de dizer que o Jerónimo era um cepo, que era um homem sem sensibilidade, que era um ortodoxo, que era um bruto, na prática.

O PCP não se deixou pressionar por isso, elegeu o seu secretário-geral e a comunicação social, passado duas ou três semanas estava a dizer que. afinal. o homem era um doce, carismático, dá-se bem com as pessoas.

O Jerónimo, independentemente da idade, e até podia ser mais velho, mantém todas as condições para ser secretário-geral do PCP e julgo que tem demonstrado isso, assim como toda a direção.

*Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.

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