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"Com Jorge Jesus temos de estar alerta 24 horas. Liga-nos às 3h da manhã"

Em entrevista concedida ao Desporto ao Minuto, Márcio Sampaio, que deixou a equipa técnica de Jorge Jesus em junho deste ano, faz um retrato do que foram os 15 anos de ligação ao treinador amadorense e a forma como este vive o futebol, até em horas pouco normais.

"Com Jorge Jesus temos de estar alerta 24 horas. Liga-nos às 3h da manhã"
Notícias ao Minuto

22/10/24 por Rodrigo Querido

Desporto Exclusivo

Márcio Sampaio tem uma longa carreira como preparador físico e o último treinador com o qual trabalhou foi Jorge Jesus. Foram 15 anos com o técnico amadorense que começaram em 2008/09 em Braga e retomaram em 2015/16 no Sporting até ao verão deste ano.

 

Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, o treinador, de 45 anos, não escondeu que Jorge Jesus vive o futebol com uma exigência muito elevada. Quem o acompanha está, de acordo com Márcio Sampaio, habituado a dias com pouca calma.

Sampaio falou também sobre a passagem pela Turquia e o Fenerbahçe, onde confessa que Jorge Jesus se sentiu "como peixe na água", e a frutífera viagem até ao Brasil, onde colocaram o Flamengo no topo do futebol sul-americano.

Jorge Jesus é como as placas tectónicas. Pode estar tudo muito bem, mas há ali um momento, nós só não sabemos é quando, em que as coisas vão explodirFalando um bocadinho do que é trabalhar com o Jorge Jesus, é preciso estar sempre alerta com ele? Se ele estiver calmo é sinal de que alguma coisa não está bem?

Isto tem a ver como o Jorge encara o dia a dia no seu trabalho, a maneira como ele está no futebol. Eu já trabalhei com outros grandes treinadores: o Jesualdo Ferreira, o Jaime Pacheco, o João Alves, o Oceano... Trabalhei com uma série de treinadores que tinham exigência, mas com ele é completamente diferente.

O Jorge não consegue desligar um minuto e para ele não existem espaços mortos, ou seja, não existe espaço para convívio. Isso cria uma exigência maior no dia a dia. Ele pode ligar literalmente às 03h00 com questões que implicam o treino seguinte. Ou seja, ele precisa de saber algumas coisas para que possa planear o treino a seguir. Isso faz com que nós tenhamos uma exigência diária. Com ele há duas formas de encarar. Ou não aguentamos essa exigência e acabamos por colapsar e não conseguir atender a essa exigência. E eu encarava a exigência de outra maneira, que era tornar-me melhor. Tentar estar sempre em alerta. Muitas das vezes em que nós estamos em sossego, ele não está. Temos de estar sempre em alerta 24 horas. Literalmente 24 horas com ele em alerta. Desconfiança é a palavra certa. Quando ele não diz nada, alguma coisa está para acontecer.

Eu costumava dizer que o Jorge Jesus é como as placas tectónicas. Pode estar tudo muito bem, mas há ali um momento, nós só não sabemos é quando, em que as coisas vão explodir um bocadinho. Mas isso tem a ver com a forma como ele lida com a sua profissão. Tem consciência que para a família dele estar bem, ele tem de viver com esta questão do futebol. E só por isso é que a família está bem. É uma maneira… Eu não sei se é melhor ou se é pior, é a exigência dele. Eu costumo dizer que toda a gente quer estar no futebol, mas nem toda a gente pode estar no futebol. E isso tem a ver um bocadinho com o facto de corresponder às exigências que são colocadas pelos treinadores de várias formas.

Antes do regresso à Arábia Saudita, onde tinham estado em 2018, houve essa passagem com muito sucesso pelo Flamengo. Foi revolucionária a vossa chegada ao Brasileirão?

Eu acho que abrimos portas a outros que se seguiram. Mas é bom recordar que, antes de irmos lá, já tinham estado lá treinadores portugueses, ainda que sem muito sucesso. O Paulo Bento esteve antes de nós irmos para lá, e outros treinadores portugueses também. A verdade é que conseguimos juntar o útil ao agradável. O útil foi ter ido para um grande clube, com capacidade financeira, com apoio da massa associativa e com todas as condições para desempenharmos o nosso trabalho. E também tivemos o condão de escolher bons jogadores para aquilo que queríamos. Quando chegámos ao Brasil, o Flamengo era uma das equipas que estava abaixo do meio da tabela. Conseguimos fazer uma boa recuperação para alcançar tudo aquilo que conseguimos. Houve muito mérito do treinador. Eu vou dizer aqui, taxativamente, que se noutras situações nós tivemos mérito, e a equipa técnica ajudou muito no Brasil para que houvesse sucesso do treinador, ele também conseguiu de alguma forma agregar. Ou seja, os jogadores conseguiram moldá-lo ele e também mudou um bocadinho a maneira de ser. Tudo isso ajudou que o sucesso fosse alcançado. Obviamente que o sucesso também não foi muito repentino. O Jorge tinha um conhecimento muito grande sobre o que era o Brasileirão, vantagem que tiveram depois os outros treinadores que seguiram. Começaram a acompanhar o campeonato brasileiro e isso facilitou. O Abel Ferreira está a fazer um grande trabalho, mas ele também é um bom treinador.

E depois é a conjuntura. Ninguém ganha nada se não tiver jogadores, ninguém faz um omelete sem ovos. Esta é a grande vantagem. Os bons treinadores que seguiram foram para o Brasil... Temos o caso do professor Jesualdo Ferreira, que foi para o Brasil e infelizmente não teve o sucesso. E todos sabemos que em Portugal é um treinador renomado. Tem a ver um pouco também com a conjuntura que se criou à volta disso, que os outros que apareceram beneficiaram também.

E houve mesmo essa hipótese de Jorge Jesus orientar a seleção brasileira?

Foi por questões culturais que não aconteceu. Na minha opinião, o Brasil não estava preparado para um treinador estrangeiro na altura. Nesta fase já está preparado porque, até aqui, eles bateram no fundo com treinadores brasileiros. E não é porque não tenham capacidade, mas a verdade é que não conseguiram. O melhor treinador brasileiro, que eles dizem ser o Fernando Diniz, esteve lá seis jogos. Toda a gente queria o Diniz, inclusive os ex-jogadores. Toda a gente queria o Dorival Júnior, ele está na seleção e agora não estão satisfeitos com ele. Eu acho que terminado este ciclo, e se as coisas não correrem bem, o Brasil caminha de certeza para um treinador estrangeiro. Já era para ter sido o Ancelotti. Na minha opinião, e na opinião de muita gente, eu acho que o Jorge Jesus seria a pessoa indicada para ser selecionador do Brasil. Pelo conhecimento, pelo estatuto que ele tem. A seleção brasileira é repleta de estrelas e ele fala com todos os jogadores de maneira igual. Com o futebol atrativo que ele consegue colocar nas suas equipas, seria curioso perceber se ele conseguiria colocar a seleção a fazer mesmo. Eu acho que o futuro da seleção brasileira será com um estrangeiro. Se vai ser o Jorge ou não, eu não sei.

Se o Jorge Jesus lhe ligasse para integrar a equipa técnica do Brasil, era capaz de abdicar de estar mais junto da sua filha para aceitar o convite?

Se fosse de uma seleção, eu aceitava. Na seleção pressupõe-se que nós estejamos mais tempo em casa ou menos tempo num lugar tão longínquo. E a seleção brasileira é a seleção brasileira, é o Real Madrid das seleções. Eu acho que se me convidasse, eu iria.

O adepto turco e o jogador turco são muito fervorosos, são completamente explosivos

Suíça, Emirados Árabes Unidos, Albânia, Egito, Arábia Saudita e Turquia. Já passou por estes seis países a treinar no estrangeiro. De qual deles guarda melhores memórias?

Inegavelmente, foi no Brasil. As pessoas em Portugal não têm noção do que aquilo é. Obviamente que também houve uma conjuntura de vitória e tudo correu a nosso favor.

Antes da Arábia, onde esteve com duas equipas técnicas diferentes, falemos do Fenerbahçe. Foi o clube onde os adeptos cobravam mais na hora da derrota por causa do seu fanatismo?

Não, eu não acho. Eu acho até que o Brasil nesse aspeto é pior. Toda a gente ouvia e ouve falar da questão da Turquia. Na Turquia são muito fanáticos, no Brasil eles têm paixão. Na Turquia cobravam bastante até, mas acho que em relação ao Brasil não é a mesma coisa, ou pelo menos não era a mesma coisa. É paixão e ódio. No fanatismo eles só veem aquilo, são mais radicais nisso. Obviamente que não tivemos também nenhum dissabor, quer de um lado, quer de outro, mas por aquilo que eu acompanho, acho que no Brasil é pior, embora na Turquia tenhamos testemunhado algumas coisas surreais.

Tais como?

Desde os adeptos entrarem em campo e baterem aos jogadores, desde a confusão que se cria durante o jogo. O adepto turco e o jogador turco são muito fervorosos, são completamente 'explosivos' naquilo que é vivenciar o jogo de futebol. Daí eu dizer que são mesmo fanáticos, eles só veem uma coisa. Tudo o que acontece à volta do jogo, e mesmo às vezes dentro do jogo… Muitos jogos são adiados ou interrompidos porque os adeptos atiram coisas aos adversários. Acaba por ser um campeonato caótico.

Como foi para o Jorge adaptar-se nesse ambiente tão caótico?

Nisso dá 10-0 a todos nós. Ele é assim [caótico] e depois a massa associativa acompanha-o nisso. Ali era o sítio perfeito para isso, porque as pessoas gostavam disso. Eles gostam do conflito, gostam de que o treinador e os jogadores lutem até à última por todas as situações para proteger o clube. Na Turquia, o Jorge estava como peixe na água. A questão de estar ali à beira do campo de um lado com o outro, o estar nervoso, o contestar. Os adeptos adoram isso e ele ali estava bem.

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