Meteorologia

  • 23 NOVEMBER 2024
Tempo
20º
MIN 13º MÁX 22º
Vozes ao Minuto

Vozes ao Minuto

Vozes com opinião. Todos os dias.

"Estou sempre com os dois pés atrás. Aprendi isso com a vida"

O Fama ao Minuto conversou com a artista que se tornou maior do que o seu nome, Simone de Oliveira. E porque a sua vida não foi passada apenas nos palcos, eis uma outra perspetiva de uma das grandes senhoras de Portugal.

"Estou sempre com os dois pés atrás. Aprendi isso com a vida"
Notícias ao Minuto

26/01/17 por Mariline Direito Rodrigues

Fama Simone de Oliveira

Mãe de António, com 55 anos e de Maria Eduarda, de 57, Simone de Oliveira viveu a maternidade de forma distinta e, de certa maneira, desafiadora. Quando em 1959 e 1961 os filhos nasceram, a cantora não estava casada com o Engenheiro António José Coimbra Mano com quem mantinha uma relação. Ainda assim, a maneira 'ilegítima' como construiu a sua família não a impediu de lutar por ela com 'unhas e dentes'. Atualmente é uma inspiração para outras mulheres. Símbolo de força e perseverança.

Como é que surgiu a música na vida da Simone?

Ouvíamos um programa de rádio transmitido na Emissora Nacional, à sexta-feira, das 12h15 até às 13h00. Havia lá um rádio em casa e a minha mãe dizia-me, ‘oh, canta lá o fado’. E a minha irmã muito a medo disse [ao pai]: 'ah, ela gosta muito do programa das cantigas, aquilo é uma escolinha, se o pai a deixasse ir lá essas três horas por dia era muito bom'. O meu pai levou-me até à escola de música, mas sem a expectativa de vir a ser cantora. E depois acabei por ir lá com a minha irmã, para passar ali duas horas ou três. Mas eu não queria nada ser cantora. O facto é que três meses depois estava a cantar naquele programa que ouvia às sextas-feiras. A televisão aparece três meses depois. 

Ainda era muito ingénua nessa altura?

Claro que sim, de certa forma não nos preparávamos para a vida. Lembro-me de no dia em que o homem foi à lua estava eu e uma grande amiga minha, as duas estúpidas, ao pé da minha casa a olhar para a lua.

Eu não queria nada ser cantora. O facto é que três meses depois estava a cantar Olhando para trás, como é que vê a atual geração?

Esta geração mais nova acha que tudo está feito. Já nascem com tudo feito. Por isso às vezes têm pouca capacidade de sonhar. E quando não se sonha tem-se um dia a dia horrível. Hoje um miúdo de cinco anos mexe melhor no tablet do que eu. Percebo que é um meio de comunicação extraordinário, mas também é um meio de invasão. Esta globalização tirou a privacidade toda e acho que as pessoas têm de ter os seus jardins secretos. Acho o Facebook, por exemplo, uma arma perigosíssima.

Sente que existe um fascínio dos mais jovens pela 'fama' que as redes sociais ou os meios de comunicação podem trazer?

Sim, sim, adoram mostrar os filhos e as filhas. São opções, não estou a fazer uma crítica. Estou a dizer que não o fiz, nem o faria.

Esta geração mais nova acha que tudo está feito. Já nascem com tudo feito. Por isso às vezes têm pouca capacidade de sonharPor isso é que sempre tentou proteger os seus filhos da exposição?

Sim. Nunca tirei fotografias com os meus filhos. Tirei ao longo da minha vida, duas ou três fotografias com eles já com mais de 20 anos. Nunca fui de mostrar nem filhos, nem netos. E não percebo porque é que as pessoas o fazem.

Sente que hoje é uma inspiração para outras mulheres?

Acredito que sim… tive os filhos sem ser casada. Um dia o pai dos meus filhos disse-me, ‘agora vamos para África, não sei para onde, lá para Moçambique’… e eu disse: ‘ai vamos? Eu não vou’.

A Simone sempre teve coragem de dizer que não?

Sim. Eu pensava assim, tinha 23 anos, África para mim era como se fosse a lua. Ir para o mato para uma tenda com um filho de seis meses e uma filha com dois anos e pouco… 'está doido, vá você que eu não'. E não estou nada arrependida. 

Como é que os seus pais reagiram quando souberam que estava grávida sem estar casada?

O meu pai só percebeu quando a neta nasceu. Mas teve uma paixão absoluta por ela... É tudo muito cheio, a minha vida foi toda muito cheia.

De momentos maus ou bons?

A minha vida é preenchida de coisas magníficas, mas também de coisas muito complicadas. Perdi a voz a seguir à ‘Desfolhada’, fiquei muda. Sem voz, nada. Faringite, laringite, faringite… e como tinha um empresário que não me deixava parar, embora o médico tivesse passado o atestado: ‘essa senhora não pode cantar durante três meses porque tem uma faringite’. Até que um dia a goela acabou.

É tudo muito cheio, a minha vida foi toda muito cheiaComo é que lidou com isso?

Eu tinha 30 anos. Uma filha com 10 e um filho com oito. E pensava: 'e agora?'. Depois acontecem assim uns golpes que eu digo que são os meus arcanjos. Havia um jornalista, o Mário Silva, e estava eu em casa com uma almofada por cima da cabeça a chorar a pensar como é que ia ganhar dinheiro. Recebo uma chamada: ‘olá Simone, você quer escrever, quer vir para o jornal?’. ‘Eu, porquê?’. No mesmo dia telefona-me o Vasco Morgado: ‘oh vedeta, você quer vir para o teatro?’. Eu? Sempre quando está tudo ‘meu Deus o que é que eu faço, meu Deus para onde é que eu vou’ vem não sei de onde uma coisa qualquer de que não estou à espera. É por isso que eu tenho um lado esotérico muito meu. Acredito nas boas energias. 

E nas pessoas, acredita ou confia?

Não, em quase ninguém. Confio nos meus amigos, tenho quatro ou cinco e nos meus filhos, claro… de resto estou sempre com os dois pés atrás. Aprendi isso com a vida.

Não sou de abraços nem de beijinhos. Sou do abraço forteOlhando para trás, qual o seu lema de vida? 

Não faças aos outros aquilo o que não queres que te façam a ti. E eu tentei a minha vida toda viver de acordo com aquilo que sinto, que sou.

Como se define?

Acho que sou cordata, sensata, não sou vaidosa, porque se não não me aguentava a mim própria. Sou extremamente atenta ao outro, não sou de abraços nem de beijinhos. Sou do abraço forte.

*Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.

Campo obrigatório