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Protestos de 2019 alteram modelos políticos na América Latina

Um tsunami de protestos com características insurrecionais ganha as ruas em vários países da América do Sul, evidenciando frustrações sociais acumuladas e colocando em xeque sistemas políticos e modelos económicos tanto de esquerda quanto de direita.

Protestos de 2019 alteram modelos políticos na América Latina
Notícias ao Minuto

12:56 - 14/12/19 por Lusa

Mundo 2019

A convulsão social que encurrala governos começou em outubro no Equador, avançou pelo Chile e pela Bolívia, e chegou à Colômbia em novembro com um final ainda aberto em todos os países.

Apesar da profunda crise económica e social na Argentina, a transição política evitou que a onda chegasse ao país.

No Brasil, que viveu experiência semelhante em 2013, os sinais de alerta acenderam-se no governo de Jair Bolsonaro, que admitiu ter dado um sobreaviso às Forças Armadas em caso de um efeito contágio da vizinhança em território brasileiro.

"A América do Sul experimenta um momento de intensos conflitos sociais como parte de um fenómeno mundial de ordem tecnológica e de organização política", avalia em declarações à Lusa o analista em política internacional, Jorge Castro.

"O mundo convive com a convergência de dois processos: o de uma sociedade global, na qual a comunicação é instantânea, e o de uma nova revolução industrial com base na tecnologia. O resultado desses dois processos é que em vários países do mundo, de forma simultânea, questiona-se o status quo", explica.

Os protestos replicam-se em Hong Kong, Líbano, Iraque, Egito, Etiópia, Argélia, Espanha (Catalunha) e Grécia. Esse fenómeno mundial faz um movimento nacional influenciar outro, mas com detonadores diferentes em cada país.

"Essa tendência global manifesta-se através de particularidades nacionais. O que acontece no Chile é intransferível em relação à Bolívia, por exemplo. É um fenómeno social, basicamente, de classe média e através das redes sociais", destaca Castro.

A híper conectividade tecnológica e a ausência de líderes partidários ajudam a entender a maciça presença de jovens nos protestos no Chile, na Bolívia e na Colômbia e a consequente dificuldade de os governos encontrarem interlocutores com os quais negociar uma saída.

"Sem lideranças nem bandeiras, os protestos levantam um leque de exigências imediatas que encurralam a capacidade de resposta dos governos. Vejo uma reação social ao esgotamento de dois modelos, o neoliberal (de direita) e o populista (de esquerda)", observa também à Lusa o analista em política internacional Federico Merke, da Universidade San Andrés, na Argentina.

Nesse processo de desorientação dos governos sobre como conter o avanço popular, ressurge um ator político: os militares.

O venezuelano Nicolás Maduro sustenta-se nas Forças Armadas para conter protestos e para manter-se no poder.

O chileno Sebastián Piñera impôs o recolher obrigatório e o regresso dos militares na repressão, algo que não se via desde a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).

Reação semelhante teve o equatoriano Lenín Moreno ao usar o Exército para conter a rebelião indígena.

O ex-comandante das Forças Armadas da Bolívia, Williams Kaliman, sugeriu a renúncia de Evo Morales.

No Brasil, Bolsonaro apoia-se na ala militar do seu governo.

"Quando surge uma situação de instabilidade, agora aparecem os militares para definirem como se resolvem as disputas democráticas. Isso é preocupante para a democracia na América Latina", adverte o sociólogo e analista político Ariel Goldstein.

No Equador, o Presidente Lenín Moreno revogou um decreto que eliminava subsídios ao combustível depois de encurralado pelos sindicatos e pelos movimentos indígenas que paralisaram o país entre os dias 2 e 13 de outubro.

No Chile, onde os protestos continuam, um pequeno aumento no valor dos bilhetes no metropolitano em 06 de outubro provocou uma rebelião popular que forçou o Presidente Sebastián Piñera a convocar um plebiscito para uma nova Constituição.

Na Colômbia, a partir do dia 21 de novembro, começou um ciclo de protestos e de greves contra as reformas laboral e de segurança social e a favor do cumprimento do processo de paz.

Na Bolívia, Evo Morales renunciou no dia 10 de novembro, depois de três semanas de maciços protestos populares contra uma fraude eleitoral confirmada pela Organização dos Estados Americanos.

A reclamação na Bolívia foi basicamente contra uma autocracia que se resistia a deixar o poder por mais que a Constituição impedisse um novo mandato.

"Vejo um fio condutor entre Venezuela, Equador e Bolívia: a ação da inteligência cubana com o seu modelo de acumulação de poder. Nesses países, a luta é pela recuperação do Estado de direito. A dicotomia nesses casos não é esquerda versos direita, mas autoritarismo versus democracia", aponta o analista boliviano Carlos Toranzo.

Em nenhum dos protestos, a consigna inicial foi a renúncia do chefe de governo ou uma alteração da Constituição, mas a falta de respostas adequadas fez a queixa crescer ao longo das semanas de protestos.

Em todos os países, são comuns as exigências de melhor sistema de Saúde e de Educação e contra a corrupção e a desigualdade social.

As rebeliões são basicamente das classes médias, tanto da tradicional como da que surgiu ao longo de uma década de bonança do preços das matérias primas até 2014.

O cobre chileno; o petróleo equatoriano, colombiano e venezuelano; o gás boliviano ou a soja argentina; o minério de ferro e a soja brasileiros. O chamado 'boom' das 'commodities' permitiu uma melhoria generalizada sem que, no entanto, a desigualdade entre uma classe e outra tenha diminuído substancialmente.

Depois da bonança, os governos aplicam receitas de ajustamento enquanto a nova classe média resiste a voltar ao patamar anterior.

"O Chile cresceu muito, com muitas oportunidades e educação de qualidade, mas com altos níveis de desigualdade. A classe média emergente tem demandas e a elite chilena, que estava comprometida com o combate à pobreza, não está disposta a partilhar privilégios. Os chilenos estão descontentes, não porque o caminho do país esteja errado ou porque a situação tenha piorado, mas porque o país não avança na igualdade de oportunidades", explica à Lusa o cientista político chileno, Patricio Navia, da Universidade de Diego Portales e da New York University.

As manifestações chilenas são as que mais influenciam a região. Teve incidência na deflagração do movimento na Colômbia e levou o governo brasileiro a suspender o programa de abertura económica e de redução do tamanho do Estado, baseado no modelo chileno.

A última versão da sondagem da Latinobarómetro feita em 18 países da América Latina indica a frustração de expectativas na região.

O apoio à democracia na região caiu para 48% em 2018, o valor mais baixo desde 1995, quando este tipo de dados começou a ser compilado.

Em 2010, por exemplo, no auge do valor das matérias primas, 61% dos latino-americanos preferiam a democracia.

O último relatório da Comissão Económica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) indica um aumento da pobreza que afeta um terço da população na América Latina e nas Caraíbas.

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