Caso do bebé Rodrigo pôs médicos sob críticas e abalou a Ordem
O caso do bebé que nasceu sem parte do rosto em Setúbal colocou no debate público a qualidade das ecografias na gravidez, o papel disciplinar da Ordem dos Médicos e até as convenções que o Estado tem com privados.
País 2019
Rodrigo nasceu em outubro no Centro Hospitalar de Setúbal com várias malformações graves, como falta de olhos, nariz e parte do crânio, sem que o médico que realizou as ecografias de acompanhamento da gravidez tivesse detetado ou sinalizado aos pais qualquer problema.
O obstetra Artur Carvalho, que realizou as ecografias numa unidade privada, tinha já cinco queixas em curso na Ordem dos Médicos, algumas desde 2013. Foi o mesmo clínico que seguiu outro caso mediático em 2011, quando uma menina nasceu com várias malformações graves, incluindo as pernas viradas ao contrário.
A demora na análise dos processos por parte do conselho disciplinar do Sul da Ordem dos Médicos veio colocar a instituição sob fortes críticas. Entretanto, Artur Carvalho foi suspenso preventivamente.
O bastonário Miguel Guimarães assumiu que a Ordem falhou na parte disciplinar e propôs medidas para recuperar os atrasos na análise de processos do conselho disciplinar do Sul.
O próprio bastonário entregou uma queixa contra Artur Carvalho no conselho disciplinar, órgão autónomo, logo que se soube do caso de Rodrigo. Ao todo, há em curso pelo menos 14 processos contra o mesmo obstetra.
Mas o caso do bebé de Setúbal fez o bastonário apontar críticas à atividade inspetiva e fiscalizadora por parte de entidades públicas, uma vez que a clínica onde eram feitas as ecografias não tinha afinal convenção com o Estado.
Para Miguel Guimarães, o caso mostrou "uma falência do controlo do que é feito no sistema de saúde".
A gravidez da mãe de Rodrigo foi seguida num centro de saúde, mas as ecografias obstétricas eram feitas na clínica Ecosado, que supostamente teria uma convenção com o SNS. Ou seja, a mãe entregava credenciais do serviço público na clínica e não pagava a realização das ecografias.
Contudo, a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo abriu um inquérito e detetou que a clínica Ecosado não tinha qualquer convenção, apesar de estar a receber grávidas do SNS, o que aponta para irregularidades e uma alegada ou eventual burla.
O esquema pode passar por receber doentes com convenção estatal, sendo depois a faturação feita através de outra clínica ou unidade privada que tenha efetivamente acordo com o Estado.
Também o papel da Entidade Reguladora da Saúde foi questionado pela Ordem dos Médicos, lembrando que a clínica foi licenciada 'online' e de forma automática, sem que tivesse recebido uma fiscalização do regulador.
O caso do "bebé sem rosto" foi notícia em vários jornais internacionais e o impacto global do caso chegou a ser sublinhado pelo próprio bastonário. Os jornais espanhóis deram uma atenção especial ao tema, que descreveram como pondo "em xeque a classe médica" em Portugal.
A propósito das malformações não sinalizadas, a própria classe debateu publicamente a questão da qualidade das ecografias e da competência de quem as faz.
O bastonário dos médicos juntou obstetras e radiologistas e decidiu criar uma competência específica na área da ecografia de acompanhamento da gravidez. A Ordem comprometeu-se ainda a divulgar no seu 'site' uma lista dos médicos qualificados para a realização destas ecografias específicas.
Sob uma chuva de críticas públicas em relação à falta de atuação disciplinar da Ordem, o bastonário anunciou também que pretende criar a figura do Provedor do Doente e incluir um magistrado no Conselho Superior, órgão que tem tutela parcial dos conselhos disciplinares, que avaliam processos e queixas sobre médicos.
Para que isso ocorra, será necessária uma alteração dos Estatutos, que tem necessariamente de passar pela Assembleia da República. O próprio parlamento tem estado a fazer audições a personalidades e entidades sobre o caso do bebé de Setúbal.
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