Ordem dos Advogados organiza debate contra objetificação feminina
Para contrariar a "objetificação da mulher" a Ordem dos Advogados organiza hoje um debate "fora da caixa" sobre direitos no feminino, para assinalar o Dia Internacional da Mulher, mas consciente de que há problemas a resolver dentro de casa.
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País Dia da Mulher
"Em casa de ferreiro, espeto de pau" poderia ser o adágio em tom de resumo para aquilo que foi um dos temas principais da campanha eleitoral da atual bastonária dos advogados: a desigualdade de direitos -- "direitos humanos", como faz questão de frisar -- entre os advogados, mas sobretudo as advogadas, e o resto dos cidadãos, no que diz respeito a parentalidade e assistência social.
Fernanda de Almeida Pinheiro lembrou, em declarações à Lusa a propósito do dia que hoje se assinala, que 85% das profissionais da advocacia são trabalhadoras liberais e independentes, mais expostas à falta de proteção social, desde logo porque o regime contributivo para a caixa de previdência de advogados e solicitadores não confere os mesmos direitos nem é feito nos mesmos pressupostos que os aplicáveis à Segurança Social.
A título de exemplo, referiu que, ainda que a lei preveja que uma advogada possa pedir o adiamento de diligências processuais nos primeiros dois meses após ter sido mãe, isso apenas é possível se não comprometer prazos do processo. Se incumprir prazos corre também o risco de perder o cliente e fonte de rendimento numa profissão em que o regime contributivo exige pagamentos 'cegos', independentemente da situação atual e pessoal do advogado, e do seu rendimento, uma vez que as contribuições são feitas com base nos anos de atividade.
"Com as características da profissão que nós representamos tem um papel fundamental o Dia Internacional da Mulher, para garantir que os direitos constitucionais das advogadas não sejam apenas aqueles que estão plasmados na lei, mas sejam exercidos de forma efetiva, de forma cabal, para acabar de vez com esta situação de não se poderem exercer direitos fundamentais das mulheres, que estão consignados, mas que estão impedidos pelo próprio exercício da profissão por falta de execução daquilo que a lei preconiza", disse a bastonária.
Em 2021 os advogados, em referendo, afirmaram maioritariamente querer poder descontar para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) ou para a Segurança Social. O tema foi bandeira de campanha e continua na agenda da bastonária, que já se reuniu com a ministra da Justiça e aguarda agora nova reunião, à qual se deve juntar também a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.
"Uma coisa é certa: Este assunto tem que ser estudado e tratado e tem que se encontrar uma solução. [...] Isto não pode continuar", disse Fernanda de Almeida Pinheiro.
E, ainda que as questões em causa sejam um "problema de classe" profissional, a bastonária sublinha que se colocam "de forma mais incisiva" às mulheres, em alinhamento com restante sociedade, onde as mulheres "continuam a ter uma dificuldade imensa" de acesso a cargos de topo, apesar das qualificações superiores às dos homens, e de acesso e participação no espaço público, por ser sobre elas que continuam a recair a maioria das tarefas domésticas e de cuidados de crianças e idosos, retirando-lhes tempo para a vida pública.
"A Ordem dos Advogados não pode deixar de assinalar com toda a veemência esta realidade de uma desigualdade que persiste que tem que ser combatida com eficácia e com resultados", disse.
A partir das 15:00, a Ordem debate violência obstétrica, "até por desconhecimento de que ela existe"; e a exploração da imagem da mulher, para contrariar uma objetificação da mulher nos media, nas redes sociais ou na publicidade.
Fernanda de Almeida Pinheiro critica aquilo que apelida de "ditadura para com as mulheres" e de sentimento de posse que a sociedade ainda encarna em relação às mulheres e ao entendimento do que deve ser o seu papel e o seu comportamento em público.
"As mulheres que estão no poder estão constantemente a ser julgadas, não é pela sua imagem, é por tudo o que diz respeito a si próprias como se a sociedade fosse proprietária do corpo da mulher", disse, apontando o seu próprio exemplo.
Na campanha para o cargo de bastonária um dos temas em debate foram as 'écharpes' da única candidata mulher, mas nunca as gravatas dos adversários, sublinhou ironicamente.
"Ninguém diz a um homem que não sabe vestir-se, que não tem o penteado ou os sapatos adequados. Esse tipo de comentários e críticas é feito às mulheres e não aos homens. Uma coisa é criticar um titular de um cargo politicamente, outra coisa é estarmos a atacar pessoalmente os titulares desses cargos e com este tipo de argumentos. [...] Aquilo que me tem que ser apontado e criticado são as minhas decisões políticas, a ideia que tenho para a classe, esse é o tipo de discussão que eu muito gostaria de ver publicamente feita", disse.
A bastonária reconhece que já "há muito caminho feito" e que Portugal tem boas leis de paridade, mas diz ser necessário fazer mais para se efetivar a "esperança na mudança do mundo" que um dia uma jovem estagiária lhe manifestou por numa sala de tribunal os únicos homens que encontrou serem os arguidos e à qual Fernanda de Almeida Pinheiro respondeu, com um sorriso, que essa já era a realidade quando era ela própria uma estagiária.
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