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"Voto na CDU vale por dois: derrotar a Direita e condicionar o PS"

O comunista Bernardino Soares, que encabeça a lista da CDU para Santarém para as eleições legislativas de 10 de março, é o convidado do Vozes ao Minuto desta sexta-feira.

"Voto na CDU vale por dois: derrotar a Direita e condicionar o PS"

A 10 de março os portugueses serão chamados às mesas de voto para eleger o próximo governo. Nos dias que antecedem esta importante escolha, o Notícias ao Minuto falou com rostos dos principais partidos na corrida às eleições, para conhecer melhor as suas propostas e as suas visões de futuro para o país.

Bernardino Soares foi o escolhido em nome da Coligação Democrática Unitária (CDU), composta pelo Partido Comunista Português (PSP) e pelo Partido Ecologista 'Os Verdes' (PEV).

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, o comunista não poupou elogios ao novo líder do partido, Paulo Raimundo, considerando, inclusive, que se tem destacado nos debates políticos televisivos, falando de temas de que mais nenhum candidato falou. 

Bernardino Soares, que encabeça a lista da CDU para Santarém, deixou críticas ao Partido Socialista (PS), que considera que, apesar de agora ter "um discurso mais à Esquerda", este "não corresponde à prática que tem vindo a ser seguida nem ao seu programa eleitoral". Sobre um possível acordo pós-eleitoral, sublinhou que o partido irá não só "impedir e combater governos da Direita", mas também "garantir uma política de Esquerda".

O comunista elencou ainda as principais propostas do partido, desde o aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN) e das pensões ao reforço da habitação pública, defendendo que se deve deixar de "dar benefícios" aos grandes grupos económicos e usar esse dinheiro para responder aos problemas da população.

Na esfera internacional, Bernardino Soares explicou a postura do PCP em relação à guerra na Ucrânia e acusou a comunicação social de ter "deturpado a posição do partido", lamentando também que ninguém se indigne "com o facto de a maioria dos partidos portugueses não condenar com toda a veemência o que está Israel a fazer na Faixa de Gaza".

Para o futuro, ficou a promessa de que o partido continuará por cá, ainda "com mais força", na luta para uma vida melhor das populações. 

O PCP apresenta-se a estas eleições pela primeira vez em 18 anos com um novo líder. O que é que isso traz de diferente ao partido?

Em relação aos princípios fundamentais não há uma alteração. Com a nova liderança há um novo estilo, uma nova forma de colocarmos as nossas propostas e a nossa abordagem. E isso é um elemento diferenciador. De facto, penso que o Jerónimo de Sousa foi um excelente líder, nos últimos anos trouxe muito para a luta das populações e dos trabalhadores e julgo que o Paulo Raimundo é também uma pessoa com grande capacidade e grande conhecimento dos problemas reais das pessoas, que ele próprio também vive. Tem uma capacidade muito grande para introduzir no debate político aquilo que preocupa de facto as pessoas no dia a dia e não estar só naquele campo da alta política que, por vezes, fazem nos debates e que nem sempre diz muito às pessoas.

Na maior parte dos debates, claramente Paulo Raimundo foi quem esteve melhor e esclareceu - que é uma coisa muito importante 

Jerónimo de Sousa era um líder bastante carismático e muito acarinhado. Paulo Raimundo tem estado à altura dessa herança? 

Tem estado muito bem, com uma boa prestação nos debates, apesar de ser a primeira vez que entra nestes debates. Uma prestação que, aliás, cresceu e foi-se tornando ainda melhor para os últimos debates. Teve um desempenho muito positivo e que deu um forte contributo para o nosso resultado no próximo dia 10 de março.

Aliás, na maior parte dos debates, claramente foi quem esteve melhor e esclareceu - que é uma coisa muito importante. Esclareceu as nossas propostas, falou de coisas, como por exemplo a questão da Cultura, que nem os moderadores nem os outros candidatos tinham ainda abordado. Foi, de facto, uma mais valia a sua presença nestes debates.

Durante o debate com Pedro Nuno Santos, Paulo Raimundo procurou demarcar-se politicamente do secretário-geral do PS, salientando que as propostas da CDU são diferentes das do Partido Socialista "em questões centrais". O que os distingue essencialmente?

Quase tudo. O Partido Socialista tem agora um discurso mais à Esquerda, mas as suas propostas não batem certo com esse discurso. Por exemplo, o Partido Socialista agora tem algum tom crítico em relação a algumas privatizações, como é o caso dos CTT, mas, na realidade, o que propõe em relação a essa matéria é que fique tudo na mesma e isso diferencia-nos muito.

O Partido Socialista não dá prioridade ao aumento dos salários, fala timidamente disso, propõe coisas para 2028 que devia concretizar já, como é o caso do aumento do salário mínimo para mil euros. Há todo um mundo que nos distancia e que, evidentemente, também se traduz no facto de ao longo destes últimos anos, em particular nos dois anos em que o PS teve maioria absoluta, não ter havido políticas para resolver o problema das pessoas. Hoje podemos dizer que o Partido Socialista e o seu governo abandonaram o Serviço Nacional de Saúde (SNS) favorecendo o setor privado, não resolveram o problema da habitação e não resolveram o problema dos rendimentos das pessoas, dos salários e das reformas, que não aumentaram o suficiente para fazer face ao aumento do custo de vida.

Não nos peçam para dar um cheque em branco ao Partido Socialista só porque agora tem um discurso mais à Esquerda, que não corresponde à prática que tem vindo a ser seguida nem ao seu programa eleitoralE havendo essas tamanhas diferenças, estão disponíveis para fazer algum tipo de acordo à Esquerda e em que condições? 

Acho que as pessoas precisam de ver a proposta de cada partido e aquilo que está disponível para defender na Assembleia da República. Nós não vamos eleger nem o governo nem o primeiro-ministro, vamos eleger 230 deputados e o peso de representação de cada força política é que vai ser determinante para que as coisas depois possam acontecer. Nós sempre estivemos disponíveis, como no passado se verificou, para convergir com outras forças políticas, e naturalmente também com o PS, desde que isso signifique avanços nas condições de vida das pessoas. Agora, não nos peçam para dar um cheque em branco ao Partido Socialista só porque agora tem um discurso mais à Esquerda, que não corresponde à prática que tem vindo a ser seguida nem ao seu programa eleitoral.

Como é que a CDU vê a disponibilidade que Pedro Nuno Santos demonstrou para viabilizar um governo da Aliança Democrática [embora tenha dias depois emendado a mão]?

É uma questão que deve ser colocada a Pedro Nuno Santos, nós não nos posicionamos em função disso. O que sabemos é que cada voto na CDU e cada deputado eleito pela CDU será sempre um deputado que combaterá os partidos da Direita e que procurará contribuir para uma política que seja verdadeiramente de Esquerda.

Nós estamos cá não só para impedir e para combater governos da Direita, mas sobretudo para garantir uma política de Esquerda

Dizia há pouco que a CDU não está disponível para fazer um acordo qualquer, contudo Paulo Raimundo tem afirmado que "o PCP quer aproveitar todas as oportunidades para melhorar a vida das pessoas". Uma nova geringonça será uma dessas oportunidades que vão querer agarrar?

Há uma diferença entre não querer um acordo qualquer e não querer qualquer acordo. Estamos disponíveis para convergir no que é positivo, agora passar a campanha eleitoral a fazer o debate das futuras convergências é uma coisa um bocadinho antecipada demais. Não vai haver uma nova geringonça, a chamada geringonça, porque esse acordo - que foi aliás suscitado pelo Partido Comunista Português na noite das eleições - visou duas coisas fundamentais: pôr fim à possibilidade do governo da Direita continuar, e procurar recuperar os direitos que tinham sido retirados e conquistar novos direitos. E nós, mesmo não conseguindo alterar as questões estruturais que continuam a nortear a política do Partido Socialista, conseguimos isso. Foi assim que conseguimos recuperar os salários e as reformas, os subsídios de Natal e os feriados. E foi assim que conseguimos, contra a vontade inicial do PS, garantir manuais escolares para toda a escolaridade, as creches públicas que agora falta completar com uma rede de creches públicas que dê de facto resposta às pessoas, o passe social muito mais barato nas duas grandes áreas metropolitanas e com reflexos em algumas outras zonas do país. Tudo isso foi arrancado a ferros ao Partido Socialista que não tinha a maioria destas questões no seu programa e só cedeu a fazê-las porque o PCP e a CDU impuseram essas questões nas negociações.

Isso só demonstra que quanto mais força tiver a CDU mais oportunidade teremos de acordos para fazer coisas positivas. Esse é o fator determinante nestas eleições.

Disse que um dos objetivos dessa geringonça era impedir que a Direita vencesse as eleições. Posto isso, e dado que muito se tem falado em voto útil e voto necessário, a prioridade nestas eleições vai ser garantir que ganha um governo de Esquerda ou garantir o maior número de votos possível para a CDU? 

Não houve nenhum governo de Esquerda em 2015. Houve um governo do Partido Socialista. A CDU não esteve no governo, não houve nenhum acordo de incidência parlamentar, o que houve foi a convergência para evitar que a Direita continuasse no governo e depois a negociação de orçamentos, caso a caso, de posições e propostas concretas que foram sendo feitas ao longo daquelas anos.

Nós estamos cá não só para impedir e para combater governos da Direita, mas sobretudo para garantir uma política de Esquerda. Como se viu nos últimos anos, o facto de o PS estar no governo não é garantia de que faça uma política de Esquerda, como nós já provámos nos últimos anos, em particular nos dois anos de maioria absoluta. O que precisamos é de ter mais força na CDU. Um voto na CDU vale por duas vezes, vale para derrotar a Direita e vale para condicionar o Partido Socialista, para obrigá-lo a ter medidas, posições, propostas e iniciativas de uma política de Esquerda.

Mas a CDU perdeu seis deputados nas últimas legislativas. Vão conseguir recuperá-los?

Vamos tentar fazê-lo, estamos a trabalhar para isso. O nosso trabalho é feito não só com a participação nos debates, papel que o camarada Paulo Raimundo tão bem tem desempenhado, mas também com um intenso trabalho de contacto com as populações, na rua, de conversa, de capacidade de ouvir, de explicar, de esclarecer. E isso é um trabalho que ninguém faz como os candidatos da CDU nestas eleições, e é um trabalho que estou convencido que vai dar frutos, em março, com a recuperação de deputados por parte da CDU. 

Tem verificado isso no terreno?

Todos os dias. Ainda antes desta conversa. Isso é uma realidade: mais ninguém está ali disponível para falar com as pessoas, para ouvir as coisas que têm para nos dizer, as suas críticas em relação à política, os seus desencantos em relação ao rumo que as coisas tomam . Nós estamos lá e isso tem um valor imenso e é uma forma digna e muito valiosa de fazer política que só a CDU tem como prática.

Nós estamos lá e isso tem um valor imenso e é uma forma digna e muito valiosa de fazer política que só a CDU tem como práticaSobre o programa eleitoral, quais são as principais diferenças entre o último programa eleitoral da CDU e o destas eleições?

Há coisas que se mantêm porque não foram resolvidas e há outras que se introduzem de novo. É novo e mais vincado nesta altura a questão da rede pública de creches, temos um largo número de casais e de mães que precisam de ter acesso às creches gratuitas, que foi exigida e conseguida pelo PCP, mas só as IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social) não garantem essa resposta e é, portanto, necessário ter uma rede de creches públicas que o faça. O mesmo em relação aos lares. Nós temos de acabar com essa praga de lares ilegais em que os nossos idosos estão alojados até com conivência da nossa Segurança Social porque não têm outro sítio onde os colocar. Precisamos ter uma rede de lares pública para responder a essa matéria. 

Outras propostas mantêm a  prioridade que tínhamos. Por exemplo: o aumento geral de salários. E dizemo-lo muito em concreto, isto é novo nestas eleições, com um mínimo de 15% e um valor que não seja inferior a 150 euros. E que o aumento do Salário Mínimo Nacional suba já em 2024 para 1.000 euros e progressivamente se aproxime da média da Zona Euro. A mesma coisa em relação às reformas, que propomos e é novo, um aumento intercalar das reformas em 7,5% com um mínimo de 70 euros e com retroativos a janeiro, garantindo que a partir daqui e em cada final de ano elas aumentam mais do que a inflação para fazer face ao custo de vida e repor o poder de compra.

Temos um conjunto de propostas muito importantes sobre a saúde, a habitação, problemas que se agravaram drasticamente desde as últimas eleições legislativas e que se já na altura eram uma prioridade agora são ainda mais. A questão de mantermos a manutenção de profissionais de saúde, em particular médicos e enfermeiros no SNS, valorizando a sua remuneração em 50% se eles quiserem estar em dedicação exclusiva, ou garantir que os investimentos, sobretudo nos serviços públicos de saúde, não são transferidos para o setor privado para ter mais capacidade nos serviços públicos… Ou, no caso da habitação, colocarmos uma parte dos lucros da banca a pagar o aumento das taxas de juro. Nós não podemos ter uma situação em que mais de um milhão de famílias estão a ser causticadas com o aumento da prestação bancária e os bancos a terem os melhores lucros das últimas décadas, com a diferença de lucro financeira entre o pouco que pagam nos depósitos e o muito que cobram nos empréstimos, em particular nos empréstimos da habitação. 

Nós não podemos ficar indiferentes - e essa é uma linha geral da nossa intervenção - à desigualdade existente na distribuição da riqueza, algo que se acentua cada vez mais quando temos os maiores lucros de sempre de vários grupos económicos e as pessoas a viver cada vez pior. Isso é sinal de que algo não está bem.

Uma das coisas que defendem é uma "habitação que as pessoas consigam pagar". De que forma se concretiza esta medida?

Passa pelos juros da banca e pela redução das suas comissões bancárias daquilo que tem a ver com as pessoas que têm habitação hipotecada ao banco com prestação bancária. Passa pelo controlo das rendas, em particular nas zonas onde há uma maior atividade especulativa, para garantir que as rendas são acessíveis, em particular à juventude. Os jovens hoje não conseguem arrendar uma casa nas principais cidades e em quase todo o país. Passa pelo reforço da habitação pública, que nós defendemos que deve ter mais 50 mil novas habitações nesta próxima legislatura, com o investimento do Estado correspondente a 1% do PIB. A habitação é uma prioridade. É um setor que está totalmente liberalizado. Para quem defende a liberalização de vários setores, como os partidos à Direita, e deixar o mercado funcionar: o mercado a funcionar é isto. São os fundos de investimento a especularem com os valores das habitações, são as rendas a aumentar a níveis incomportáveis, são os inquilinos a poderem ser despejados ou a verem a sua renda aumentada brutalmente de um ano para o outro e é a banca a aproveitar a situação do aumento das taxas de juro para engrossar os seus lucros, deixando completamente esmagados os orçamentos familiares dos que têm empréstimos à habitação. 

Quanto à Educação, o PCP é o partido mais radical no que diz respeito à avaliação dos alunos e propõe o fim de todas as provas finais e exames. Como é que esta proposta pode ser benéfica para a educação e o futuro dos jovens?

Os exames não garantem mais qualidade de ensino. O que garante mais qualidade de ensino é termos uma escola pública com boas condições, com os professores necessários e com a valorização desses professores. Durante muito tempo tivemos apenas avaliação contínua e isso não significou menor qualidade na educação. A ideia de que os exames é que trazem a qualidade à educação é completamente disparatada. Aliás, nós hoje temos um fenómeno em todas as escolas, incluindo escolas públicas, que é o facto de haver exames, provas de aferição com reflexo externo no prestígio das escolas e na forma como aparecem junto do público. Temos hoje cada vez mais pressão para organizar o trabalho de ensino e aprendizagem, não em função das regras pedagógicas, da melhoria do ensino, da aprendizagem constante e ao longo de todo o ano letivo, mas a partir de certa altura, com uma obsessão para a preparação dos exames deixando para trás aquilo que deviam ser as boas práticas de aprendizagem.

Portanto, isso não é ser radical é, de facto, não permitir que a nossa escola pública seja dominada por uma lógica de exames que é mais exclusiva do que inclusiva e que não acrescenta nenhuma qualidade à escola pública e ao ensino. O que traria qualidade é nós termos tido um governo que valorizasse os professores e não tivesse feito uma teimosa negação em valorizar os professores, contando o seu tempo de serviço integralmente, que o PSD não tivesse, como diz o povo, 'virado o bico ao prego' depois de anunciar que ia apoiar a recuperação, ter votado contra essa recuperação na Assembleia da República. Isso faz com que cada vez menos pessoas queiram ser professoras e não sei como é que vamos resolver o problema da escola pública sem professores. 

Estes partidos que têm estado no governo e têm apoiado políticas negativas e políticas de Direita sempre que é para beneficiar os trabalhadores ou os reformados acham sempre que é caro, mas sempre que é para beneficiar os bancos e os grupos económicos há sempre disponibilidade financeira Outra das vossas prioridades tem sido o aumento dos salários e das pensões e tem-se ouvido muito nos debates, sobretudo Pedro Nuno Santos, a acusar os partidos de apresentarem estas propostas sem fazerem as contas para saber se são possíveis. O PCP fez as contas? É possível realizar os aumentos que tem em vista?

Sim. Por exemplo, em relação ao aumento das pensões, nós propomos intercalar e custa 1.600 milhões de euros, que é exatamente o mesmo valor que está previsto no Orçamento que está em vigor já este ano de 2024 para benefícios fiscais aos grandes grupos económicos, à SONAE, à EDP, ao setor bancário e financeiro - todos esses grupos que estão a enriquecer à custa do povo português. Portanto, a nossa proposta nesse caso é muito simples: é de dizer "deixe-se de dar benefícios, descontos dos impostos, aos grupos económicos e use-se esse dinheiro para aumentar as pensões, em particular de forma mais acrescida às pensões mais baixas". 

Mas também queria dizer que acho muito engraçado que o doutor Pedro Nuno Santos e outras pessoas até mais à Direita, sempre que nos propomos a aumentar os salários ou aumentar as reformas, perguntam quanto custa e onde é que se vai buscar o dinheiro, mas quando foi para meter dinheiro nos buracos das fraudes bancárias, nunca ninguém perguntou - nem do PS, nem do PSD, nem do Chega, nem da Iniciativa Liberal - onde é que se ia buscar o dinheiro. Nas últimas duas décadas, o Estado português pôs 20 mil milhões de euros nos bancos, nas fraudes bancárias, nos buracos financeiros dos bancos feitos por gestores e banqueiros que se apropriaram da riqueza de todos e depois esteve lá o Estado para os salvar e para injetar o dinheiro necessário. Há aqui dois pesos e duas medidas, estes partidos que têm estado no governo e têm apoiado políticas negativas e políticas de Direita sempre que é para beneficiar os trabalhadores ou os reformados acham sempre que é caro, mas sempre que é para beneficiar os bancos e os grupos económicos há sempre disponibilidade financeira. 

Relativamente às forças de segurança, a CDU defende o direito à greve destes profissionais. Neste sentido, perguntava-lhe como é que estão a encarar os sucessivos protestos da Polícia de Segurança Pública (PSP) e da Guarda Nacional Republicana (GNR) e qual a opinião sobre a manifestação junto ao Capitólio no dia do debate entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos?

Acho que é preciso contextualizar a nossa posição. Nós defendemos há já muitos anos uma polícia única, isto é, fundir a PSP e a GNR numa só polícia de caráter civilista. Nós hoje temos a PSP, que é uma polícia civil, e temos a GNR que é uma força de segurança militarizada. É nesse contexto, de uma polícia única, que sempre defendemos a possibilidade do direito à greve. Naturalmente, uma força militarizada é mais difícil ter direito à greve e não se propõe isso para as forças militares ou militarizadas. Parece-nos que era vantajoso, do ponto de vista da uniformidade das nossas forças de segurança, ter uma força única e nessa força pensamos, como noutros setores, que é possível e adequado que esses cidadãos tenham também direito à greve, naturalmente condicionados com os serviços mínimos que teriam de ser determinados em relação à atividade das forças de segurança, que são indispensáveis, e daí não adviria nenhuma situação de insegurança para o país.

De onde vem a insegurança é das forças de segurança não terem efetivos suficientes, não terem viaturas para se deslocarem para as ocorrências, não poderem fazer policiamento de proximidade porque lhes faltam os meios para o fazer. É aí que temos os problemas de segurança e não na possibilidade de estes profissionais poderem ter - estando numa força única civilista - o direito à greve.

Nós vemos com naturalidade as manifestações e a tomada de posição da plataforma das várias associações das forças de segurança, que tem sido muito coerente na forma como defende, pelo menos, a equiparação do subsídio de missão que já foi atribuído à Polícia Judiciária (PJ). Há muitos anos que temos vindo a defender a necessária valorização destes homens e mulheres, que têm situações financeiras difíceis e que têm uma função absolutamente indispensável ao funcionamento da sociedade e parece-nos que eles o têm feito em geral com pleno respeito pelo funcionamento da democracia. Se alguma vez isso deixar de acontecer, cá estaremos para fazer essa crítica.

E especificamente sobre a manifestação junto ao Capitólio?

Não tenho nenhuma apreciação sobre essa matéria. Penso que não pode haver nenhuma tentativa de coação dos órgãos de soberania. A generalidade dos dirigentes das associações que representam estas forças tem vindo a declarar sucessivamente o que querem e, por isso, estamos bastante tranquilos em relação a essa matéria.

A solução de unir as duas forças pode efetivamente resolver os problemas? Acabaria com a falta de meios que existe nas forças de segurança?

A unificação não resolve esse problema porque esse problema só se resolve com mais efetivos e meios. Não há outra maneira de o resolver. Essa é a nossa filosofia há muitos anos e não tem a ver com as últimas movimentações dos agentes da PSP, dos guardas na GNR, dos guardas prisionais e de outros profissionais das forças de segurança. Há muito que defendemos que não há razão para termos uma força militarizada no nosso país e que ela deve ser uma força civil e, sendo uma força civil, a lógica será que, para uma melhor coordenação e também para melhor aproveitamento dos meios, possa ser uma única força em todo o país. Mas se resultarmos numa única força e não lhe dermos mais meios, os problemas vão manter-se. Essa não é a solução que vai resolver o problema da falta de efetivos, da falta de viaturas e a falta de outros meios para garantir que as forças de segurança tenham todas as condições. O que vai garantir isso é dignificar as forças de segurança, melhorar os vencimentos e as condições de trabalho destes homens e destas mulheres, garantir que há nas instalações, nas viaturas e nos equipamentos condições dignas para eles desenvolverem o seu trabalho. Isso é que vai garantir um melhor desempenho das forças de segurança.

O que ainda não perceberam é que o Chega é farinha do mesmo saco dos outros partidos da Direita: também defende as privatizações, a redução dos direitos do trabalho, a privatização do SNS, o fim da escola pública e tudo para o setor privado

Ainda sobre o programa eleitoral, o PCP começa por fazer referência aos 50 anos do 25 de Abril e à necessidade cada vez mais atual da "liquidação do fascismo". As sondagens eleitorais continuam a dar o Chega como a terceira política. Significa que o PCP não está a ser eficaz no seu papel nesta luta?

Sobre sondagens não tenho muito a dizer porque as sondagens têm dois aspectos fundamentais sistematicamente. O primeiro é que normalmente não acertam no resultado e é isso que temos verificado nas últimas eleições. E o segundo é que desvalorizam sempre o resultado da CDU. As sondagens são hoje um instrumento muito forte de condicionamento das decisões de voto das pessoas. Não são um instrumento técnico, mas a sua leitura é feita de forma sempre a privilegiar a bipolarização e muitas vezes o Chega, que tem sido nas análises das sondagens também bastante favorecido. O que eu me lembro é que as sondagens davam um empate ou até uma vantagem do PSD nas eleições legislativas de 2022 e o que aconteceu depois foi uma maioria absoluta do PS. E porque é que isso aconteceu? Porque as tais sondagens que davam empate ou vitória ao PSD condicionaram muitas pessoas à Esquerda para irem votar no PS, procurando com isso evitar essa tal vitória, como se votar noutros partidos à Esquerda, designadamente na CDU, não evitasse também a vitória da Direita.

As sondagens funcionaram para condicionar o voto das pessoas. Há poucos meses, nas anteriores eleições da Região Autónoma da Madeira, todas as sondagens davam a CDU a perder o deputado regional que tinha na Assembleia Legislativa Regional. Todas. No entanto, o que aconteceu foi que, não só a CDU manteve o seu deputado, como esteve à beira de eleger o segundo e aumentou em 50% a sua votação. O que eu peço às sondagens e a quem faz a sua leitura é que não deturpem aquilo que é a política nacional, que não as usem como condicionamento das decisões das pessoas, que eu julgo que é isso que acontece na maior parte dos casos.

Mas assusta-o o crescimento de um partido como o Chega?

Acho que não é positivo e nós cá estaremos para dar resposta a isso. Julgo que [o Chega] se aproveita de um justo descontentamento de muitas pessoas. Julgo que muitas pessoas que eventualmente possam ter intenção de votar no Chega têm razão para estar descontentes. O que ainda não perceberam é que o Chega é farinha do mesmo saco dos outros partidos da Direita: também defende as privatizações, a redução dos direitos do trabalho, a privatização do SNS, o fim da escola pública e tudo para o setor privado. É isso o Chega, não é mais do que isso. Pode agora até aproveitar alguma coisa do descontentamento, mas as pessoas rapidamente vão perceber que dali não vem nada de positivo para resolver os problemas que todos enfrentamos na via do dia a dia.

O que vemos no governo português e noutros governos europeus é nenhuma preocupação em obrigar as partes a sentarem-se à mesa para conseguir negociar uma paz, que seja aceite por ambas as partes. O que se preocupam é em prolongar a guerraPassando para o plano internacional, as posições do PCP relativamente a conflitos como o da Ucrânia fragilizaram a sua imagem, mas recentemente Paulo Raimundo afirmou num dos debates que, afinal, as posições do atual governo russo eram muito diferentes das do PCP. Qual é, então, a posição do partido em relação ao conflito na Ucrânia?

O que prejudicou a posição do PCP foi a deturpação que foi feita em toda a comunicação social da posição que efetivamente tivemos, que foi de rejeição da invasão da Ucrânia pela Rússia, regime com o qual, aliás, não temos nenhuma proximidade ou identificação. Se calhar até alguns partidos de extrema-direita na Europa têm uma proximidade grande com o regime de [Vladimir] Putin. O que dissemos na altura foi que esta guerra não foi o primeiro episódio neste conflito. Esta guerra já existe desde 2014 e a invasão foi apenas mais um degrau na escalada deste conflito. Para resolver este conflito, era necessário que todos se empenhassem - incluindo os Estados Unidos da América e a NATO, que tem um papel preponderante nesta guerra, tal como a Rússia - para conquistar a paz.

O que vemos no governo português e noutros governos europeus é nenhuma preocupação em obrigar as partes a sentarem-se à mesa para conseguir negociar uma paz, que seja aceite por ambas as partes. O que se preocupam é em prolongar a guerra. Acho que a política que devemos defender num Estado português não pode ser prolongar a guerra. Portanto, essa deturpação que foi feita em relação à posição do PCP foi uma instrumentalização da justa preocupação das pessoas com a guerra, uma guerra ainda por cima aqui tão perto, que visou prejudicar o prestígio do PCP junto das populações. E está a ser agora utilizada outra vez.

Curiosamente, ninguém se indigna com o facto de a maioria dos partidos portugueses não condenar com toda a veemência o que está Israel a fazer na Faixa de Gaza e o genocídio que ali está a acontecer. Isso demonstra bem como todo esse debate foi feito não com a preocupação com o martirizar do povo da Ucrânia, mas com a preocupação de atingir o PCP e o seu prestígio junto das populações. Mas o esclarecimento tem avançado e hoje está mais claro que as questões não são assim tão simples como na altura nos quiseram a todos fazer crer e que de facto para nós chegarmos a uma solução de paz, é preciso trabalhar para a paz e não trabalhar para a guerra.

Nós somos um partido com mais de 100 anos e já nos disseram dezenas de vezes, em várias épocas da nossa história, que estávamos terminados e ainda cá estamos e vamos continuar a estar

Falou sobre o conflito na Faixa de Gaza. Qual é que acha que devia ser o posicionamento do governo português e que medidas podia adotar para ajudar com o que o apelidou de "genocídio"?

Devia ser retirado o apoio que está a ser feito a Israel por parte da NATO e dos Estados Unidos da América, com apoio inclusive militar, e devia haver uma forte pressão internacional para que Israel cesse imediatamente esta ofensiva, que não está a atacar o Hamas. Não é uma guerra com o Hamas, é uma guerra com o povo palestiniano, que é quem está a ser martirizado com toda esta ofensiva. Penso que a indignação que alguns tiveram - e bem - sobre a situação da guerra na Ucrânia ficou muito recuada quando se tratou de afrontar o poder de Israel e a sua influência no debate público e no debate político. Hoje ouvi que há mais um pacote de sanções a dirigentes do regime russo de Putin, mas ainda não ouvi nenhuma adoção de sanções da União Europeia (UE) em relação ao governo de [Benjamin] Netanyahu. Curiosamente, isso parece não fazer parte da agenda.

Por fim, há quem considere que o PCP é um partido com fim à vista. Como é que essa visão ecoa dentro do partido?

Não ecoa. Nós somos um partido com mais de 100 anos e já nos disseram dezenas de vezes, em várias épocas da nossa história, que estávamos terminados e ainda cá estamos e vamos continuar a estar. O nosso reforço nestas eleições e depois delas vai ser determinante para que as pessoas possam ter uma vida melhor, para que os seus direitos sejam respeitados e para que as suas vidas tenham maior dignidade e melhores condições e, enquanto for necessário lutar por esses direitos e por essas condições de vida, cá estaremos e, certamente, com mais força num futuro próximo.

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