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A opinião de Gonçalo Almeida: Os Jogos Olímpicos

O espaço de opinião de Gonçalo Almeida no Desporto ao Minuto, no qual o ex-advogado FIFA analisa os temas que marcam a atualidade do ponto de vista do direito desportivo.

A opinião de Gonçalo Almeida: Os Jogos Olímpicos
Notícias ao Minuto

08:46 - 31/07/21 por Gonçalo Almeida

Desporto Gonçalo Almeida

Adotando o nome de Olympia, local sagrado na costa do Peloponeso, na Grécia, estima-se que os Jogos Olímpicos tenham tido a sua origem há cerca de 3000 anos atrás e se tenham realizado durante aproximadamente 12 séculos, terminando pela mão do imperador cristão Teodósio, o qual baniu todas as atividades pagãs, incluindo os Jogos, que homenageavam o deus grego Zeus. Porém, já no século XIX, o barão francês Pierre de Coubertin, figura de destaque da ressurreição do movimento olímpico, restabeleceu-os em Novembro de 1892, naquela que seria apelidada da sua Era Moderna. Apesar das primeiras Olimpíadas desta Era Moderna terem igualmente ocorrido na Grécia (Atenas 1896), eis que o seu verdadeiro arranque internacional se deu em Paris, no ano de 1924, contando com a presença de mais de 3.000 atletas em representação de 44 países. Desde então e não obstante as interrupções forçadas decorrentes das duas grandes guerras mundiais, os Jogos nunca mais pararam. Aliás, a própria pandemia da Covid-19 não logrou mais do que um adiamento da edição de 2020, cuja cerimónia de inauguração teve lugar na passada sexta-feira, em Tóquio. 

A verdade insofismável é que os Jogos reúnem muitos milhões de fãs, a uma escala verdadeiramente mundial, seja pelos princípios que representam, seja pela diversidade ou atratividade das suas atuais 33 modalidades desportivas. De acordo com o “Global Broadcast and Audience Report”, em análise aos Jogos Olímpicos de 2016, disputados no Rio de Janeiro, conclui-se que tal edição foi a mais visualizada de todas, estimando-se que mais de metade da população mundial assistiu à respetiva cobertura televisiva, um dado estatístico, per se, absolutamente extraordinário. Com efeito, as mais de 355.000 horas de cobertura televisiva, a que acresce o tremendo impacto das plataformas digitais, refletem um aumento de 96,7% comparativamente à edição anterior de 2012, que decorreu em Londres. Concomitantemente, atingiram-se cerca de 7.2 mil milhões de visualizações do conteúdo publicado em redes sociais como Instagram, Twitter, Facebook, Youtube ou Snapchat. É certo que para tal evolução, muito contribuíram os significativos avanços tecnológicos vividos nesse quadriénio. Mas o mérito, esse, deve-se à essência dos Jogos, enquanto bastião máximo do Desporto.

Do ponto de vista estrutural, na sua génese, o Comité Olímpico Internacional (COI), enquanto organização sem fins lucrativos, tem como missão principal o “reinvestimento” das receitas geradas pelos Jogos, no desenvolvimento do desporto a nível mundial. A título exemplificativo e para que o leitor melhor compreenda a dimensão financeira desta organização, o COI distribui, diariamente, cerca de 3.4 milhões de Euros por atletas e organizações desportivas de todo o mundo. É certo que nem sempre foi assim, mas enfim…isso já são águas (felizmente) passadas. 

Atualmente, por forma a contribuir tão generosamente para o Desporto, o COI gera a sua receita essencialmente através da cessão de direitos de transmissão televisiva e de patrocínios, atingindo valores verdadeiramente astronómicos. Por exemplo, entre 2013 e 2016, período que abrangeu os Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi em 2014 e os Jogos Olímpicos de Verão do Rio em 2016, o COI gerou uma receita total de aproximadamente 5.7 mil milhões de dólares norte-americanos (USD).

Nesse contexto, para fazer face ao avultado investimento financeiro que a realização dos Jogos implica, foi criado em 1985, o TOP (The Olympic Partner Programme), programa que reúne um conjunto de parceiros internacionais, que assumem, em regime de exclusividade, o estatuto de principais fornecedores e patrocinadores dos eventos olímpicos. De um grupo originariamente constituído por 12 patrocinadores, o TOP conta atualmente com 14, empresas todas elas obviamente de dimensão mundial, tais como Coca-Cola, Alibaba, Bridgestone, Airbnb, Samsung, Visa ou Toyota. Já no computo geral dos mais de 60 patrocinadores do COI, assistimos a um total de receitas de aproximadamente 2.000 milhões USD no último quadriénio (2017/2020), estimando-se que tal valor possa ascender aos 3.000 milhões USD até Paris 2024.

Mas também os países anfitriões têm uma palavra fundamental a dizer em matéria de financiamento dos Jogos, nomeadamente, mas não só, ao nível dos consideráveis investimentos estruturais necessários para acolher o evento. Sendo que a espetacularidade de Pequim 2008 custou aos cofres chineses mais de 45 mil milhões USD, Rio 2016 ainda assim implicou um investimento a rondar os 20 mil milhões USD. Nesse panorama de investimento nacional para o país/cidade anfitrião, um outro dado extremamente relevante diz respeito à utilidade futura das instalações desportivas em virtude da sua especificidade, dimensão ou até mesmo de uma eventual ausência de eventos desportivos de determinada natureza, cenários que se agravam quando cogitamos os custos avultados ao nível da manutenção de grande parte das infraestruturas desportivas que sobrevivem aos eventos. Um exemplo paradigmático desta realidade é o do Estádio Nacional de Pequim, também conhecido como o “ninho de pássaro”, cuja construção custou cerca de 460 milhões USD em 2008 e que aos dias de hoje, custa mais 10 milhões USD por ano em manutenção. Instalações desportivas à parte, a principal fatia do investimento em infraestruturas diz respeito à construção de aeroportos ou vias de comunicação, entre inúmeras outras edificações que complementam todo o evento e que, no futuro, por norma, têm uma utilidade bastante assinalável.

A tudo isto acresce um longo e burocrático processo de planeamento e submissão das candidaturas, processo que, por exemplo, implica a contratação de inúmeros profissionais especializados em diversas áreas e milhares de horas despendidas em reuniões, eventos ou viagens, estimando-se que tenha um custo variável entre os 50 e os 100 milhões USD. Uma vez mais a título meramente exemplificativo, na sua candidatura para a organização dos Jogos de 2016, Tóquio gastou cerca de 150 milhões USD, tendo esta caído por terra. Já para a atual edição dos Jogos, a nova candidatura implicou um investimento a rondar “apenas” metade desse valor.

Dinheiros à parte, de 23 de Julho a 8 de Agosto, poderemos assistir à maior competição desportiva do mundo, a qual reúne 33 modalidades desportivas, 4 das quais, estreantes (Surf, Skateboarding, Escalada e Karaté), contando com a participação de 209 Comités Olímpicos Nacionais e mais de 11.000 atletas, já para não mencionar os milhares de jornalistas e membros do staff, profissionais e voluntários, num cenário de aparente segurança decorrente do processo de vacinação em curso, da implementação de rigorosas medidas de confinamento e das já sobejamente conhecidas regras de higiene e segurança sanitária, que o povo japonês tão sensatamente acata.

Quanto a Portugal, para a XXXII Olimpíada da Era Moderna, a nossa comitiva é constituída por 92 atletas, 56 masculinos e 36 femininos, que irão competir em 67 eventos de medalha, em 17 modalidades distintas (Andebol, Atletismo, Canoagem, Ciclismo, Equestre, Ginástica, Judo, Natação, Remo, Skateboarding, Surf, Taekwondo, Ténis, Ténis de Mesa, Tiro com armas de caça, Triatlo e Vela), igualando assim a participação de 2016 no Rio de Janeiro em número de atletas participantes e sendo a terceira maior comitiva da nossa história, apenas atrás de Barcelona 1992 (101 atletas) e Atlanta 1996 (107 atletas). Julgo igualmente ser interessante mencionar um aumento da representatividade em termos de atletas do sexo feminino, numa percentagem de 39,1% da comitiva, assim como o fato da nossa equipa ser uma das mais jovens de sempre, com 60,9% dos atletas a estrearem-se neste palco. Ao nível competitivo, a comitiva portuguesa já viu sair algumas das suas principais figuras, entre elas e talvez com maior destaque, a judoca Telma Monteiro. Mas também o surfista Frederico Morais, que integrava a comitiva de 92 atletas, não escapou a este malfadado vírus e viu-se forçado a desistir, em virtude de ter testado positivo ao mesmo. Para contrapor a estes revezes, o judoca Jorge Fonseca conquistou ontem uma brilhante medalha de bronze, a qual nos deixa, enquanto portugueses, repletos de orgulho! 

Questão colateral, mas deveras essencial, é aquela em torno de um verdadeiro e imprescindível investimento no Desporto por parte do Governo da República, capaz de dar corpo a tantos sonhos com medalhas olímpicas e cujos escassos, mas verdadeiramente brilhantes casos de sucesso (em termos de medalhas, esclareça-se!), são alvo de um já algo vergonhoso aproveitamento político a cada 4 anos. Enfim, uma matéria para outras calendas, que não gregas.  

Nota: Ao Dr. António Vicente, o meu sincero agradecimento pela sua brilhante contribuição para a redação deste artigo.

Leia Também: A opinião de Gonçalo Almeida: Muito mais que futebol

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