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"O Zidane vomitou numa meia-final e continuou. Essa era a chave"

O Desporto ao Minuto esteve em Paris, onde conversou em exclusivo com o campeão do mundo em 1998 e da Europa em 2000, Frank Leboeuf.

Notícias ao Minuto

07:33 - 15/12/21 por Ruben Valente

Desporto Frank Leboeuf

Não é todos os dias que vamos a Paris, cidade luz, conversar com um campeão europeu e mundial. Foi com a Torre Eiffel como pano de fundo, no restaurante Terrass que tivemos oportunidade de falar, em exclusivo com Frank Leboeuf, graças ao convite da ELEVEN e da Ligue 1.

O assunto, claro está, teria sempre de ir parar ao Campeonato do Mundo e ao Europeu ganho pelo antigo central francês, que terminou a sua carreira com 684 jogos e 112 golos apontados. O Desporto ao Minuto puxou também a 'brasa à sua sardinha', como se costuma dizer, e levou a conversa para uma meia-final que ainda nos atormenta.

Com o politicamente correto de lado, e sempre de bom humor, Leboeuf, que é agora ator de cinema, comentou também connosco alguma da atualidade da Ligue 1, deixando ainda uma revelação sobre aquele que diz ser o seu jogador português de eleição. Curioso? Ora espreite toda a entrevista abaixo.

Se o Ronaldo não se tivesse lesionado, não tenho a certeza se Portugal teria vencidoO Frank conquistou o troféu mais desejado de todos: o Campeonato do Mundo. Naquele ano, em 1998, a atitude dos jogadores foi o segredo? Acha que a mentalidade e o foco pode ser mais importante que a sua qualidade numa competição destas?

São escolhidos 23, os melhores entre os melhores, e por exemplo os de Portugal são dos melhores do mundo. Mas eles têm de se manter unidos e isso é aquilo que talvez seja mais complicado para um treinador. Nunca vimos uma seleção ganhar um Campeonato do Mundo apenas com os seus talentos individuais. Os jogadores entendem que têm de trabalhar em conjunto para ganhar alguma coisa. França de 1998, Itália de 2006… claramente não eram a melhor equipa do mundo. Tinham alguns problemas, depois a confusão na qualificação e, de repente, eles uniram-se. Trabalharam durante aquele tempo e venceram. Os Países Baixos, em 2010, com alguns problemas internos na equipa não ganharam, mas todas as vezes em que uma seleção ganha um Mundial é porque o conseguem com união.

É a mentalidade que acaba por ser a chave. O Zidane sabia que sem nós não conseguiria ganhar o Campeonato do Mundo. Ele sabia disso! Ele trabalhava muito, defendia connosco. Lembro-me de ele na meia-final contra a Croácia ter vomitado, por ter-se esforçado em demasia, e continuou. Nós sacrificámo-nos por ele, e ele sacrificou-se por nós. Esta é a chave. Portugal, por exemplo, com os jogadores que tem, precisa dessa mentalidade. Olhemos para a final contra a França no Euro’2016. Se o Ronaldo não se tivesse lesionado, não tenho a certeza se Portugal teria vencido. Não por causa dele, mas pela mentalidade dos outros jogadores. Quando eles perderam o seu capitão, disseram para eles mesmos: ‘wow, agora estamos em perigo'. Eles uniram-se e ganharam. Fizeram a diferença, enquanto a França pensou: ‘Oh, o Ronaldo já não está, vamos ganhar!’. E isso não funciona assim.

Notícias ao Minuto Frank Leboeuf, com os seus companheiros, a festejar o terceiro golo marcado pela França ao Brasil na final do Mundial de 1998© Getty Images  

Depois do Mundial, seguiu-se a conquista do Europeu no ano 2000. Pela frente, França enfrentou Portugal nas meias-finais, num jogo que ainda muitos de nós recordamos. O que é que pensaram quando souberam que iriam enfrentar a seleção das quinas? Sei que depois, anos mais tarde, encontrou o Abel Xavier. Pode confidenciar-nos o que lhe disse?

Nós sabíamos que vencer o Mundial era o título dos títulos, mas também sabíamos, como jogadores, que seria duro vencer o Europeu. Não íamos encontrar equipas ‘exóticas’, mas sim equipas que eram o ‘creme de la creme’. Nós sabíamos que enfrentássemos quem enfrentássemos, a partir dos quartos de final ia ser duro, conhecíamos os jogadores, por vezes alguns deles jogavam connosco. Depois sempre existiu aquela rivalidade com Portugal. Nunca dissemos que iria ser fácil vencer. Claro que pudemos dizer isso em 98 contra a Arábia Saudita, mas como poderíamos dizer que iria ser fácil contra a Roménia ou contra Portugal? Sabíamos das dificuldades e que iria decidir-se nos detalhes. Detalhes como a falta do Abel Xavier, que é uma falta clara. Vi centenas de vezes aquele lance e não há dúvidas. Acho que ele é, ainda, o único a dizer que não cometeu falta.

Abel, desculpa, eu adoro-te, és fantástico, uma grande figura, mas tu cometeste falta! [risos] Eu disse-lhe isso uns anos depois quando o encontrei em Los Angeles: ‘Pára com isso, tu fizeste falta. Estás a aproveitar a vida, deixa isso que já não é importante’. Claro que, quando és jogador de futebol, é um assunto importante, mas é preciso aceitares. Se não fosse falta, eu teria dito obviamente. ‘Desculpa, Abel, o árbitro enganou-se e errou. Nós não merecemos aquele penálti, mas aconteceu’.

Notícias ao Minuto Abel Xavier a queixar-se após ter cometido grande penalidade no prolongamento com França, na meia-final do Euro'2000© Getty Images  

Ainda falando sobre Mundiais, acha que o Euro’2020 serviu de lição à França e que o Mundial conquistado em 2018 pode repetir-se no próximo ano?

Acredito mesmo que foi uma lição para a França. Acho que houve apenas um erro que o Didier [Deschamps] cometeu, que foi confiar em demasia nos seus jogadores. Antes, ele era o mestre da perfeição e fez o possível para atingir aquele nível. Em 2018, foram campeões do mundo porque ele conseguiu unir os jogadores. Só que ele achou que relaxar um pouco, para lidar com a pressão, seria o suficiente para conquistar o Europeu, mas não funcionou. Com todo o respeito, França, campeã do mundo, a vencer por 3-1 frente à Suíça, não pode deixar-se empatar e perder mais tarde nos penáltis. Posso dizer-te com toda a certeza que no próximo Campeonato do Mundo vai ser diferente. O Didier vai ser duro com os jogadores, e vai voltar a fazer aquilo que sabe que é preciso para ter todos os seus jogadores unidos.

Mbappé, Neymar e Messi não fazem o seu trabalho defensivo e isso coloca os outros numa situação delicadaO ano passado, o Lille venceu o campeonato contra praticamente todas as previsões. Esta temporada, o PSG já leva 13 pontos de avanço. Acha que existirá espaço para alguma surpresa ainda?

Na temporada passada foi uma época marcada pela pandemia. Uma época muito difícil para todos os clubes. Nunca vimos o PSG perder tantos jogos como no ano passado. Não estou a dizer que não deve ser dado crédito ao Lille, porque eles realmente fizeram algo fantástico, mas nunca vimos uma época assim do PSG, que não venceu os primeiros cinco classificados da classificação. Não é fácil, acho que a Ligue 1 está a melhorar cada vez mais, mas o PSG é claramente a melhor equipa e estão noutro nível… mas quando trabalham. Caso contrário, podem ser esmagados e a Ligue 1 é dura, até fisicamente. É preciso trabalhar no duro para obter resultados. Nós temos treinadores talentosos e cada equipa precisa de dar o seu melhor. Só que é a tal questão: se o PSG der o seu melhor, ninguém conseguirá pará-los.

O PSG fez uma super equipa esta temporada. Acredita que eles têm o que é preciso para vencer todas as competições?

Não, não. Eles neste momento estão desequilibrados. Têm aquele trio ofensivo que não faz o seu trabalho defensivo e isso coloca os outros numa situação delicada. Eles podem vencer qualquer adversário num jogo, têm o talento para isso, e vimo-lo contra o Manchester City quando venceram por 2-0 em casa. No entanto, vimos o jogo em Manchester e foi aí que observámos os dois lados do Paris Saint-Germain. Só que acredito que numa final contra o City, o Liverpool, o Bayern ou até mesmo o Chelsea, vai ser uma outra história. Aquele trio tem muito talento e precisa de trabalhar junto, principalmente o Mbappé e o Neymar, que são mais novos que o Messi. Porque se fosse um jogador, não haveria problema. Não vemos o Ronaldo defender muito, não vemos o Benzema defender muito, e o mesmo se passa, por exemplo, com o Lewandowski, que não defende como um maluco.

O facto de ter inúmeras estrelas pode ser prejudicial?

O problema de ter muitas estrelas, ou até uma, é que é necessário construir a equipa em torno dela. O futebol moderno não funciona assim. Os últimos vencedores da Liga dos Campeões foram equipas com estrelas, mas não super estrelas. Porque construíram uma equipa com os jogadores que tinham e não em função apenas de um só jogador. O problema do PSG é que são três super estrelas. O Manchester United tem uma super estrela, Ronaldo. Só que é possível lidar com isso. Três grandes estrelas é complicado, ainda por cima porque pertencem todos ao mesmo setor ofensivo. Para mim, o Marquinhos é a maior estrela do PSG. É o melhor dos melhores na sua posição. Ele e o Van Dijk.

Deixe-me colocar mais um nome para discussão: Rúben Dias.

‘Ouhhh’. Igual! É um dos melhores também. O Manchester City venceu na época passada a Premier League por causa da chegada do Rúben Dias. O City era uma equipa ofensiva, mas passou a ser uma equipa completa.

Achar que Messi ia ter impacto imediato no PSG é não perceber de futebolFalando ainda sobre o PSG. O que tem achado da contribuição de Messi para a equipa ao longo desta temporada?

Primeiro, deixa-me dizer-te que é uma enorme contribuição para a Ligue 1. Tenho de agradecer ao Messi por ter vindo porque ele trouxe ainda mais holofotes para o campeonato, mesmo depois de Mbappé e Neymar. Temos de agradecer a estes jogadores, ao Paris Saint-Germain, porque isto é um extra para a Ligue 1. Obriga os outros jogadores, os mais jovens, a terem uma boa experiência por os defrontarem, o que vai fazer com que melhorem. É isto que precisamos para a Ligue 1, porque temos jogadores muito novos, que estão a crescer cada vez mais. Sobre Messi, bem… É preciso tempo para se adaptar. Pensar que terminaria a carreira no Barcelona e pouco depois vir para o PSG, é uma grande mudança. Ele é um dos melhores do mundo, não digo o melhor porque sei que és português e há uma grande rivalidade, mas é um dos melhores. É completamente compreensível que precise de tempo para se adaptar. O Ronaldo não precisou de tempo porque conhecia o clube, conhecia a Premier League, e estava em casa. É diferente para o Messi porque tem de encontrar o seu espaço.

Notícias ao Minuto Lionel Messi a conduzir a bola num jogo frente ao Nice© Getty Images  

Muitos, no entanto, esperavam um impacto imediato do Messi no PSG.

Sim, mas isso é não ter conhecimento do que é o futebol. Se percebermos de futebol, sabemos que é preciso tempo para nos adaptarmos. A La Liga não é a Ligue 1, e é preciso respeitar a Ligue 1. Muitas equipas estão a ter dificuldades contra equipas francesas. Por isso é que todas as equipas francesas se qualificaram para as próximas fases nas competições europeias, isso diz muito sobre o nível atual. Talvez em França, o nível físico dos jogadores seja maior do que em Espanha. Os jogadores trabalham duro. O Messi é respeitado, mas no campo é como qualquer um jogador. Acho que ele vai passar por momentos difíceis.

Antes de terminarmos esta entrevista, gostaria de lhe perguntar: qual o seu jogador português preferido a jogar na Ligue 1?

O José Fonte. O ano passado ele chegou ao Lille, e eles venceram o campeonato. Ele é um líder e os mais jovens precisaram dele. É um fantástico capitão e gosto muito desse tipo de jogadores. Como o Pepe, por exemplo. Adoro os jogadores que sabem o que é preciso fazer para os outros sobressaírem. Mas, de todos os portugueses de quem gosto, tenho de realçar o Bernardo Silva. Atualmente, ele é absolutamente fantástico. É também um ex-jogador da Ligue 1, jogou pelo Mónaco, e estou muito satisfeito por isso.

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