"Diagnóstico de uma doença rara é complexo" e pode "demorar anos"
Num momento em que os portugueses têm bem presente a história de Constança Braddell, jovem que sofre de uma doença rara (fibrose quística), e dias depois de ter sido assinalado o Dia Mundial das Doenças Raras, o Notícias ao Minuto conversou com o doutor Luís Brito Avô, representante do Núcleo de Estudos de Doenças Raras da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, sobre o tema que é ainda tão estranho, até para a ciência.
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Lifestyle Doenças raras
No passado mês de fevereiro, assinalou-se o Dia Mundial das Doenças Raras, um tema que, talvez, seja ainda desconhecido para muitos mas que existe. Já ouviu falar, por exemplo, na doença de Gaucher? E na doença de Fabry ou na doença de Pompe?
Em Portugal, há cerca de sete mil doenças raras conhecidas, sendo que "cerca de 80% tem causa genética, e mais de metade manifestam-se na infância".
O diagnóstico de uma doença rara "é um processo complexo" os sintomas podem variar muito de doente para doente, e, apesar dos avanços da ciência nomeadamente na melhoria de qualidade de vida destes doentes, não têm cura.
A este propósito, e num momento em que o caso da jovem Constança Braddell continua, felizmente por bons motivos, a marcar a atualidade informativa, o Notícias ao Minuto entrevistou (por escrito) o doutor Luís Brito Avô, representante do Núcleo de Estudos de Doenças Raras da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, que nos ajudou a identificar as características destas doenças, e explicou as consequências que provoca a quem delas padece.
Sabemos que há sete mil doenças raras já identificadas. Há algum em comum entre elas? A idade em que surgem, o sexo, sintomas?
Este conceito de Doença Rara, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), diz respeito a uma patologia que afeta até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos. Atualmente sabemos que existem cerca de 7.000 doenças raras identificadas e estima-se que cerca de 600 mil pessoas sofrem de doença raras em Portugal.
Sendo que cerca de 80%, tem causa genética, mais de metade manifestam-se na infância. No entanto cerca de 30% dos pacientes atingem a idade adulta. Atingem ambos os sexos, e são caracterizadas por uma ampla diversidade de sinais e sintomas que variam não só de doença para doença, como de pessoas para pessoa, até mesmo dentro da mesma família.
Estas doenças também podem manifestar-se a partir de causas não genética: infeções bacterianas ou causas virais, da imunidade e ambientai, ou são degenerativas e proliferativas.
Por norma, o diagnóstico de uma doença rara é um processo complexo e, por vezes, pode demorar alguns anos a ser identificado"
Caracterizam-se pelos sintomas diferentes que manifestam ou, pelo contrário, o seu diagnóstico é por norma complexo?
Por norma, o diagnóstico de uma doença rara é um processo complexo e, por vezes, pode demorar alguns anos a ser identificado. Para isto contribuem os sintomas que muitas vezes são presentes nas patologias raras que podem ser facilmente confundidos com outras patologias, atrasando assim o diagnóstico.
2/3 destas patologias são de origem genética e 50% manifestam-se logo em criança. Estes dados permitiram chegar já a alguma conclusão para o tratamento das mesmas?
O extraordinário avanço da genética e biologia molecular das últimas décadas, permitiu já identificar as causas e os mecanismos de doença de muitas delas, dados fundamentais para o desenvolvimento de possíveis alvos terapêuticos. A investigação farmacológica tem vindo a desenvolver os chamados medicamentos órfãos úteis no seu tratamento, estando já disponíveis a nível mundial cerca de 200. Por outro lado, o avanço constante de terapêuticas de controlo de sintomas e suporte paliativo tem melhorado a qualidade de vida destes doentes.
Doenças lisossomais de sobrecarga, o que são em concreto? E os três tipos identificados - doença de Gaucher; a doença de Fabry e a doença de Pompe - que sintomas as caracterizam? Sabe-se a sua origem (genética ou outra)? E em que idades pode surgir?
Os Lisosomas são organelos celulares que fazem parte de um sistema de “limpeza” e reciclagem do “lixo” orgânico celular. As doenças lisossomais de sobrecarga caracterizam-se pela acumulação intralisossomal quer de substratos não degradados, quer de produtos do catabolismo. Em Portugal, a prevalência deste grupo de patologias em recém-nascidos é de 25 por cada 100 mil nados vivos. Sobre os sintomas destas doenças, existe uma grande variedade dos mesmos, sendo que, pode ir desde a presença de doença neurológica, renal, cardíaca, musculo-esquelética grave, a casos menos graves ou até mesmo assintomáticos. Consoante as entidades existem formas de expressão desde os primeiros meses/anos de vida, até á idade adulta.
Existem cerca de 60 doenças lisosomais, as que refere são as mais frequentes em Portugal. A doença de Gaucher pode afetar tanto homens como mulheres. De causa genética, existem 3 tipos, com e sem envolvimento neurológico. Ocorre desde a infância até à idade adulta. Tem grave expressão hematológica com alterações significativas das células sanguíneas: anemia, déficit de defesas e problemas hemorrágicos. Ocorrem dilatações graves do fígado e baço e alterações osteo-articulares que podem ser muito graves. É causada por mutações de genes que são efetores de um enzima que fica em déficit, o que leva às manifestações clínicas. Foi a primeira doença Lisosomal a beneficiar de terapêutica de substituição enzimática desde 1990, o que modificou de forma muito significativa o seu prognóstico.
A doença de Fabry tem causa genética com transmissão ligada ao cromossoma X, pelo que afeta principalmente os homens, mas também as mulheres de forma geralmente menos grave e mais tardia. Expressa-se desde a primeira década de vida, no sistema nervoso periférico, provocando alterações da sensibilidade e dores nos quatro membros, diminuição da regulação térmica corporal com intolerância ás variações de temperatura e ao esforço físico, hipotensão arterial, diarreias frequentes. Provoca uma forma de catarata peculiar e déficit auditivo. Mais tardiamente disfunção renal progressiva que pode levar a ser necessário hemodiálise e cardiopatia também de agravamento progressivo. Pode provocar acidentes vasculares cerebrais em idades muito jovens. Estão já também identificadas as mutações genéticas causais e a enzima em déficit. Existe também já terapêutica de substituição enzimática desde 2001 que modificou também significativamente a qualidade de vida destes doentes
A doença de Pompe é também causada por alterações genéticas com déficit de uma enzima fundamental para o metabolismo do glicogénio – proteína muito importante para o metabolismo da Glicose. É uma miopatia que afeta gravemente a função muscular com perda progressiva da força muscular e que não tratada leva inevitavelmente à perda da marcha e uso de cadeira de rodas. Por outro lado, pode afetar gravemente os músculos respiratórios provocando insuficiência respiratória com necessidade do uso permanente de ventilação mecânica invasiva. Tem uma forma precoce, infantil em que se associa grave cardiopatia e sem terapêutica é mortal antes dos 2 anos de vida. A forma do adulto é geralmente mais atenuada e não se acompanha de cardiopatia. Também já existe terapêutica enzimática desde 2006 para esta entidade que tem tido sucesso significativo.
Existe enorme expetativa na terapêutica genética que está em intensa investigação, existindo já algumas experiências promissoras"
Há tratamentos para estas doenças?
Atualmente existem em prática efetiva em Portugal tratamento para 10 doenças Lisosomais de sobrecarga. Três tipos de intervenção são usados: a terapêutica enzimática de substituição em que é administrado ao doente o enzima que tem em falta; a terapêutica com fármacos inibidores do substrato – isto é que diminuem a produção da proteína que iria ser metabolizada pelo enzima, diminuindo assim a sua acumulação nos lisossomas/organismo que vai provocar as lesões nos órgãos; Chaperons – medicamentos que se associam aos enzimas que para alguns tipos de mutações genéticas existem mas são produzidos com defeitos que os tornam ineficazes. Estas moléculas corrigem esse defeito aumentando a eficácia da enzima mutante.
Por outro lado, os transplantes de medula óssea, fornecendo células germinativas do dador ao recetor capazes de produzir a enzima que está em falta foi também bastante utilizado. Atualmente revelou-se mais eficaz noutro grupo de doenças lisosomais que não as três questionadas, nas Mucopolissacaridoses.
Cura parece ser ainda uma palavra estranha a estas doenças. Mas que evolução/evoluções da ciência há a destacar nos últimos anos?
Todas as terapêuticas indicadas na questão anterior trouxeram enormes benefícios, com significativa melhoria da qualidade de vida e prolongando a sua esperança de vida. Não são, no entanto, curativas persistindo áreas em que se regista fraca melhoria.
[Mas] existe enorme expetativa na terapêutica genética que está em intensa investigação, existindo já algumas experiências promissoras.
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