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Falámos com Luís António, o português responsável por 'Twelve Minutes'

O produtor independente falou sobre as influências, o processo de desenvolvimento do jogo e ainda como foi receber elogios de Hideo Kojima - considerado uma das personalidades da indústria dos videojogos.

Falámos com Luís António, o português responsável por 'Twelve Minutes'

Hoje em dia a indústria dos videojogos não é especialmente dada a riscos. Olhando para os grandes lançamentos dos últimos anos, é possível ver uma tendência que visa apostar somente em grandes produções - compostas sobretudo por as chamadas sequelas, prequelas e ‘reboots’.

Todavia, este é sobretudo o ‘modus operandi’ das grandes produtoras e editoras, porque, fora deste panorama, existem uma série de estúdios que tomam como sua a missão de puxar os limites do que é possível fazer com videojogos. Seja o tipo de histórias que contam ou o tipo de mecânicas que exploram, estes pequenos estúdios têm procurado cimentar os videojogos enquanto forma de arte e de 'storytelling'.

Um dos jogos mais recentes que procura fazer isto mesmo é ‘Twelve Minutes’, uma ‘pequena pérola’ fruto da criatividade de Luís António. Este produtor independente português, que já passou por grandes produtoras como a Rockstar Games (‘GTA’) e a Ubisoft (‘Assassin’s Creed’), acaba de lançar no mercado o primeiro jogo de sua autoria.

O jogo conta a história de um homem que, depois de chegar a casa para junto da esposa, vê bater-lhe à porta um (misterioso) polícia. Pouco depois de serem atacados por este misterioso agente, o protagonista vê-se novamente à entrada do apartamento.

Notícias ao Minuto© Annapurna Interactive / Luís António  

‘Twelve Minutes’ tem lugar num ‘loop’ temporal onde o jogador deve procurar, no pequeno apartamento de três divisões, pistas e uma solução para um terrível desfecho. É uma premissa que tem cativado o interesse de múltiplas personalidades da indústria, com as participações vocais dos atores James McAvoy, Daisy Ridley e Willem Dafoe a darem a este jogo uma atenção ainda maior.

Disponível para PC (Microsot Store e Steam) e também nas consolas Xbox, ‘Twelve Minutes’ também encontrou sucesso graças ao serviço de subscrição Xbox Game Pass, onde o ‘passa palavra’ dos jogadores ajudou a que este título fosse experimentado por ainda mais pessoas.

Foi para falar sobre ‘Twelve Minutes’ e sobre este bom momento que o produtor está a viver que o Notícias ao Minuto conversou com Luís António. Abaixo pode encontrar a entrevista.

Notícias ao Minuto© Annapurna Interactive / Luís António  

É assinalável a forma orgânica como a história de ‘Twelve Minutes’ se desenrola de acordo com o que o jogador faz, sobretudo num ‘loop’ temporal. Como foi chegar a este processo?

Inicialmente isto começou com a exploração da repetição do conhecimento. Comecei a olhar para vários géneros de jogos e percebi que tinha de usar mecânicas ‘point and click’, como acontece em ‘The Secret of Monkey Island’. Na maior parte dos outros jogos tens ações muito lineares. Num ‘shooter’ só disparas, plataformas em que saltas… Assim que percebi que o ‘point and click’ era a direção certa, o processo a seguir foi tentar remover a ambiguidade destes jogos.

Há uma altura em que estás a misturar objetos e não fazes ideia do que é possível fazer. Em ‘Twelve Minutes’ tentei reduzir esse género de interface, tens combinações muito básicas. Simplesmente combinas os objetos. Uma vez que isso estava a funcionar, tentei escolher objetos que não são ambíguos. Inicialmente tinhas pão na mesa, tinhas a tua carteira, tinhas uma maçã… Mas se tiveres uma carteira não sabes o que tens de fazer. Enquanto que se tiveres um copo de água sabes que podes ir ao lavatório encher água e entregá-lo à tua mulher. 

Tentei, então, remover o número de objetos, uma vez que conhecia os ‘verbos’ para comunicar. Assim que tive isso, tentei falar com amigos e colocar-lhes determinadas situações para saber o que fariam e como as coisas fluíam, não só para ser natural mas também para saber como construir a narrativa.

Notícias ao Minuto© Annapurna Interactive / Luís António  

Como é que chegou à decisão de condensar o ‘loop’ temporal em 12 minutos?

Havia coisas que não queria fazer enquanto estava a desenvolver o jogo. Não queria dar objetivos ou fazer com que certas coisas acontecessem em momentos pré-definidos. Queria que os jogadores fossem capazes de guardar a informação toda na cabeça e, se o ‘loop’ fosse muito longo, isso seria difícil.

A razão principal é: se o jogo é sobre tempo, então o jogo tem de ser em tempo real. Qualquer momento em que faça uma distorção de tempo - como aprender a tocar piano ao longo de dez anos - sinto que reduzo a magia de estar preso num ‘loop’ temporal. Reduzir o tempo disponível e até o espaço do apartamento fez com que as coisas fossem muito mais imediatas e, lá está, falhar torna-se parte do jogo. Só havia vantagens em reduzir a quantidade de tempo.

É comum vermos alguma frustração em ‘loops’ temporais, sobretudo em relação a determinados acontecimentos que estão sujeitos a momentos pré-determinados. Houve algum momento em que tenha percebido que estava a seguir por este caminho?

Em termos de dificuldade, houve um trabalho constante a nível de ‘play-testing’ quase até ao lançamento do jogo. Houve pequenas alterações que foram feitas em que vês repercussões enormes a nível de fluidez.

O princípio foi sempre o mesmo: se já sabes como fazer algo, o jogo tem de te ajudar a fazer isso. Houve muita eliminação de funcionalidades. Por exemplo, inicialmente podias arrastar corpos das personagens, podias colocar itens no chão, podias fazer mais combinações... Podias combinar o sofá com a porta e as pessoas começavam a imaginar muito mais coisas.

O processo foi de eliminar coisas de forma que, o que fica, seja mais simplificado.

Notícias ao Minuto© Annapurna Interactive / Luís António  

Logo no anúncio de ‘Twelve Minutes’ foi criado um grande ‘buzz’ em torno do jogo, não só pelo conceito, como também pela ‘production house’ Annapurna Interactive - por ser conhecido por apostar em projetos um pouco diferentes do habitual. Como foi trabalhar com a Annapurna neste projeto a nível criativo?

Foi excelente. Inicialmente comecei a trabalhar com a Microsoft. Eles foram os primeiros a financiar. Foi até em Portugal no Game Dev Camp. Na altura estava à procura de quem seria bom para financiar este projeto e, ao fim de um ano, foi a Microsoft que me deu essa liberdade.

Mas na altura era suposto ser um projeto pequenino, algo para trabalhar durante um ano. Porém, ao fim de um ano, o jogo tinha tanto potencial e nessa altura (há cerca de 5 anos) a Annapurna Interactive estava a começar e era exatamente um projeto como este que estavam à procura. E aí sabia que este jogo tinha potencial e poderia ser feito algo mais interessante se tivesse um pouco mais de financiamento. Eles concordaram e foi aí que começámos a colaboração.

A colaboração foi excelente, eles viram muito o jogo como eu. O objetivo deles foi ‘abrir portas’ para que eu pudesse executar a minha visão. Dei a ideia de encontrarmos atores de Hollywood para dar as vozes às personagens, o que ia ajudar ao que estava a fazer de criar uma experiência mais cinematográfica, e eles disseram que sim.

Mencionou os atores do jogo. Teve algum ‘dedo’ na escolha de James McAvoy, de Daisy Ridley e de Willem Dafoe?

Claro. Eu não sabia, mas o processo de ‘casting’ é muito longo. No início fazes um ‘packaging’ do teu argumento com todos os elementos e tentas ver quem está disponível e, desses atores, procuras os que sentes que são mais indicados.

O James McAvoy, por exemplo, era um ator que, antes de eu saber que íamos ter este elenco, tinha como uma das referências para o personagem principal por causa do filme ‘Filth’. A personagem que ele representa nesse filme era muito o que eu imaginava para o protagonista.

Já o Willem Dafoe tinha um aspeto mais ameaçador e a Daisy Ridley que tem um lado forte, traumatizado mas que ainda assim tem esta força de combater o polícia.

Notícias ao Minuto© Annapurna Interactive / Luís António  

O James McAvoy e a Daisy Ridley foram bem escolhidos, mas a voz do Willem Dafoe dá-lhe uma grande presença para o polícia. Como foi a sua reação quando soube que ele aceitou o papel?

Adorei. O que o Willem Dafoe disse é que não queria estar num estúdio sozinho a dizer os seus diálogos, mas sim estar com os outros atores em tempo real. O que era precisamente o meu plano inicial.

Basicamente, tratámos de garantir que os desafios que os atores estavam à procura com este projeto estavam alinhados com os desafios que eu tinha para mim próprio. As sessões de gravação foram muito longas, por isso eles tinham de estar comprometidos com o projeto para ao fim de quatro dias não desistirem.

Houve alguns jogos que influenciaram ‘Twelve Minutes’?

Primeiro foram os jogos que joguei em criança, nomeadamente ‘Prince of Persia’ do Jordan Mechner e o ‘Another World’ do Éric Chahi. Depois quando cresci foram jogos mais como ‘Shadow of the Colossus’, mais silencioso mas ainda assim como um lado épico, e coisas mais recentes como o ‘Papers, Please’ do Lucas Pope.

Este último foi uma grande influência, onde os temas que estás a explorar estão automaticamente ligados com a jogabilidade. O ‘Today I Die’ do Daniel Benmergui também foi uma grande influência. Estes foram as maiores influências no que diz respeito a videojogos.

Notícias ao Minuto© Annapurna Interactive / Luís António  

Há alguma informação de quantas pessoas jogaram ‘Twelve Minutes’? O jogo está na loja da Microsoft, na Steam e no Xbox Game Pass.

Oficialmente não há, mas muito mais pessoas do que estava à espera. Posso dizer que é um número substancial, que me fez abrir os olhos e dizer ‘wow, está muita gente a jogar a isto’. 

O Xbox Game Pass ajuda com isso. O facto de ser um modelo de subscrição faz com que muita gente, que se calhar não iria jogar a este jogo, experimenta, gosta, fala com os amigos e há este efeito ‘cascata’.

Já que estamos a falar de personalidades reconhecidas, como foi receber elogios do Hideo Kojima (‘Metal Gear Solid’, ‘Death Stranding’)?

É fixe, é fixe [risos]. É excelente. Respeito o trabalho dele, gosto das coisas que ele faz. E há uma coisa… Há pessoas que adoram ‘Twelve Minutes’ e há pessoas que não reagem super bem ao projeto, mas ver que ele gostou é excelente. Fico contente de ver uma pessoa que trabalha na indústria que percebe o que tentei fazer.

Aprecio muitos dos trabalhos dele. É um dos produtores que sinto que explora aspetos no design de jogos que não são os génericos que toda a gente faz, especialmente na narrativa e no uso de atores. Fico contente por saber que também apreciou o ‘Twelve Minutes’.

Também vi a sua resposta ao ‘tweet’ dele, que poderiam fazer alguma coisa juntos. Hipoteticamente falando, que jogo gostaria de criar com outro produtor?

Tenho ideias para explorar narrativas que gostava de fazer. Sinceramente o que faria era falar com ele. Tenho perguntas sobre os projetos dele que gostava de saber, nomeadamente inspirações, ideias e decisões que tomou a nível de narrativa e de design. É o que faço com outros produtores, saber como pensam, falar sobre ideias. Onde é que isso iria no que diz respeito a executar projetos? Não faço ideia, não pensei assim tão longe.

É como falares com um amigo sobre uma coisa que gostas, estás a ver? É a mesma coisa, trocar ideias. Temos coisas em comum de certeza e se ele gostou de ‘Twelve Minutes’, seria fixe falar com ele.

Referiu que houve pessoas que gostaram, outras que não reagiram tão bem. No entanto, numa altura em que tudo é feito para abranger o máximo de público possível, não é uma coisa positiva ver esta polarização?

Polarização é sempre positiva. Acho que sempre que tens um debate quer dizer que houve alguma coisa que fez as pessoas sentir algo e a fazer pensar. Mesmo as críticas negativas… acho que elas são justas mas, mesmo essas, dizem que o que foi feito em ‘Twelve Minutes’ é interessante e diferente.

Eu prefiro isso. Já trabalhei em outras empresas como a Rockstar e a Ubisoft onde se encontra o oposto, onde o objetivo é agradar às massas e destruir conceitos muito interessantes para garantir que se vai fazer muito dinheiro. É o oposto do que quero fazer.

Notícias ao Minuto© Annapurna Interactive / Luís António  

No que diz respeito a projetos futuros, há algum género ou estilo que gostasse de abordar daqui para a frente?

Sim, sim. Sinto que ‘Twelve Minutes’ fez umas quantas coisas de que gosto muito. Uma delas gostaria de explorar no próximo projeto, o facto do jogo não ter algo como outros jogos como "missão falhada". Enquanto outros jogos têm isto, o ‘Twelve Minutes’ aceita isso como parte da experiência. Não há missões falhadas.

Outro aspeto é o lado da narrativa. Normalmente tens uma 'cutscene' e uma sequência do jogo. O que tentei com o ‘Twelve Minutes’ foi juntar isto tudo, onde está tudo colado numa coisa só.

O terceiro aspeto é, como o jogo não te diz exatamente o que fazer, não conseguires ver muito bem as ‘paredes’ da experiência. Acho que isto cria uma sensação de participação com o jogo um bocado forte. A geração de jogos que tens hoje é de ‘crafting’, de ‘level up’ e ‘checkpoints’. Estamos a tratar constantemente os jogadores como bebés e a usar regras de jogos que existem há 20 anos, de ‘power ups’ e de receber ‘estrelas’.

Existe muita riqueza em levar as coisas em outra direção e tenho algumas ideias para fazer essa exploração. No entanto, há ideias que quero explorar mas não sei exatamente em que género é que serão. Até porque pensar em termos de géneros, limita-te automaticamente.

Pretendo utilizar ferramentas de vários jogos que gostei e apreciei, mas não sei qual será o resultado final. Será o que precisa de ser para trabalhar este tema.

Leia Também: Xbox Game Pass. Conheça os grandes destaques para os próximos dias

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