"Sou um ícone para novas gerações, provavelmente o único da minha época"
Mencionar José Cid é muito mais que evocar o nome. Foi sem 'papas na língua' que, em conversa com o Notícias ao Minuto, o músico comentou os assuntos mais polémicos do panorama musical, nomeadamente a sua tão falada participação no Festival da Canção.
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Fama José Cid
Músico e compositor, mantém a voz intocável aos 76 anos e, enquanto assim for, “terão de o ouvir”. José Cid está longe de ponderar o seu 'addio, adieu, aufwiedersehen, goodbye'. O disco que acaba de lançar, 'Clube dos Corações Solitários do Capitão Cid', é o mais completo de todos os seus álbuns e já esgotou a edição em vinil.
Controverso, provocador, confiante, criativo. É vasto o leque de características que lhe veste o perfil. Numa conversa sem filtros, o cantor não se inibiu de mostrar um olhar transparente sobre o meio que integra.
O Festival da Canção, o plágio, a sôfrega carência de fama das novas gerações, a 'comichão' que, entende, o seu sucesso provoca, bem como as lacunas nas rádios portuguesas foram os temas que dominaram o franco discurso do músico.
É na música que está o verdadeiro prazer da vida?
Não, o prazer da vida é o prazer do dia a dia. Saborear as surpresas da vida, dos projetos, mas claro que com música é mais bonito. Tenho este privilégio que Deus me deu de poder conciliar a poesia que escrevo com a música que canto. A música e a poesia são as artes mais sublimes de todas, eu posso conciliar as duas coisas e esse é o meu projeto de vida.
Sou um ícone para as novas gerações, provavelmente o único da minha época
Mudaram-se os tempos, mudaram-se os gostos musicais. Considera-se uma lenda ou acha que o sucesso tem vindo a decrescer?
Pelo êxito que tive este ano na latada de Leiria e o ano passado em Coimbra, não sei o que é quebra de carreira ou quebra de sucesso. O meu projeto não é descartável e como continuo com a minha voz toda no sítio, a cantar bem... Sou um ícone para as novas gerações, provavelmente o único da minha época. Há muita gente da minha geração com obras de enorme qualidade, mas eu consigo conciliar a modernidade com o clássico. E como sou muito à frente - sempre fui -, é mais fácil.
Obteve a oitava posição no Festival da Canção, com sete pontos. Esta foi a 16.º vez em que participou no concurso. Toda a polémica em torno da sua participação causou-lhe algum tipo de arrependimento?
De todo. Fui cantar aquilo que considero um grande poema escrito por mim, uma grande canção de raiz portuguesa - ao contrário de todas as outras, que eram um ‘popzinho’ sofrível -, fui cantar uma grande canção e cantei-a bem, sem uma falha. ‘O Som da Guitarra é a Alma de Um Povo’ é uma canção com a qual todos os portugueses se podem identificar. Pode não ter sido compreendida, mas é uma canção que eu adoro e cantei-a na perfeição - o que, aos 76 anos, é digno de Guinness porque os outros da minha geração que foram convidados nunca lá foram cantar. Honestamente, não estou nada arrependido de participar porque não belisquei o meu prestígio. Seria mau era se eu desafinasse como 90% dos outros concorrentes, mas eu não desafinei uma vez.
O Festival da Canção não é uma corrida de cavalos, não ganha o melhorVoltaria a participar?
Porque não? O Festival da Canção não é o meu projeto de vida. Acho divertido. Acho musical. O festival não é uma corrida de cavalos, não ganha o melhor. Mas muitas vezes é uma amostra do que se está a fazer e foi o que eu fiz.
Sentiu-se injustiçado pelo público?
Não. Talvez a minha canção fosse um pouco intelectual de mais, pouco festivaleira. Era uma canção muito honesta. Houve muita gente que ficou indignada pela forma como fui julgado, mas faz parte.
É pena que o mundo inteiro não tenha aprendido uma lição com o Salvador o ano passado
Continuou a acompanhar o Festival?
Sim. Ninguém seguiu o exemplo do Salvador Sobral, ninguém foi cantar uma canção que tivesse alma. Abro a exceção àcanção da Irlanda. De resto, é tudo descartável. É pena que o mundo inteiro não tenha aprendido uma lição com o Salvador o ano passado.
Acho que a nossa canção era fraquinha poeticamente. Acho a menina [Cláudia Pascoal] muito hesitante a cantar. Estava aquilo a que se pode chamar de toda 'borradinha'. Na minha opinião, a canção do Piçarra e a que ficou em segundo lugar [‘Para Sorrir Eu Não Preciso de Nada’] eram as mais certas para a Eurovisão.
Na altura, utilizou a expressão “Sigo cantando” para dar resposta às críticas. Continuar a trabalhar e não se afastar da música é a melhor forma de não o atingirem?
Este é o meu projeto de vida. ‘Sigo cantando’, claro.
Vão procurar - os inteligentes da música portuguesa -, alguém com a minha idade, no planeta, que esteja a compor e a cantar assim
Passado aproximadamente dois meses, em abril, lançou um novo disco. Confessou que este álbum, ‘Clube dos Corações Solitários do Capitão Cid’, é, de todos os trabalhos, o mais revelador sobre si.
É um disco que revela a forma que eu estou aos 76 anos. Vão procurar - os inteligentes da música portuguesa -, alguém com a minha idade, no planeta, que esteja a compor e a cantar assim. E isso é provocador. Há muita gente que vive um bocadinho roída com o êxito do José Cid. A versão em vinil esgotou. Agora preparo-me para lançar um álbum em pen, com 14 videoclipes.
Aos 76 anos, onde procura inspiração para novas canções?
Em parte nenhuma. Sou um poeta e cantor inspirado. Sou assim e enquanto for criativo, inspirado e tiver voz, vão-me ouvir.
É ridículo acusar um jovem de plagiar uma canção da IURD que tem trinta anos e barbas. Isso é uma gargalhadaRecentemente, alguns artistas portugueses sofreram acusações de plágio, nomeadamente o Diogo Piçarra. Para um nome com a dimensão de José Cid, essa questão aflige-o?
Não porque eu não faço plágios, nunca fiz. E o Diogo também não. Aquilo foi uma armadilha para o eliminarem da possibilidade de representar Portugal. A canção dele não é plágio, está provado e eu assino por baixo - assim como o musicólogo Luís Jardim e o Tozé Brito. Na minha opinião, o Diogo devia ter sido mais firme e, já que participou, ia até ao fim provar que não é plágio. É ridículo acusar um jovem de plagiar uma canção da IURD que tem trinta anos e barbas. Não há jovem nenhum que vá fazer isso. Isso é uma gargalhada.
O caso do Tony Carreira é um caso do Ministério Público. O que tenho a dizer é que estamos todos à espera do primeiro álbum dele de originaisChegou a comentar publicamente alguns casos, como o de Tony Carreira… Toda a polémica causou-lhe revolta, sendo que é compositor?
O caso do Tony Carreira é um caso do Ministério Público. O que tenho a dizer sobre isso é que estamos todos à espera, finalmente, do primeiro álbum dele de originais. Vamos ver no que dá.
Em relação às pessoas que plagiam, é uma coisa para ser mascarada. Talvez eu tenha sido a pessoa que, de alguns anos a esta parte, mais tenha falado sobre isso. Porque eu puxo pela cabeça ou espero que as musas inspiradoras me inspirem, é por isso que muitas vezes fico meses sem escrever uma canção.
É, também, uma presença assídua nas redes sociais. Considera uma boa forma de estar junto do público?
Sim porque se tenho um videoclipe que a rádio não passa [a música] - ou a maior parte das rádios -, tenho uma forma de pôr a minha música em confronto com as pessoas. É uma forma de divulgar a nossa criatividade.
Aos 76 anos, o meio digital também é um desafio?
O que é difícil é surpreender aos 76… É mais difícil surpreender aos 76 do que desiludir aos 30. Não há problema nenhum com a minha idade, não estou a ocupar o lugar de ninguém.
Considera que a força das plataformas online desvirtua muitas vezes a realidade?
As redes sociais são o que são. Os insultos que são graves viram-se contra as pessoas que os fazem. Quem for minimamente bem formado - a não ser que viva no mundo da 'cusquice' e da inveja -, nunca poderá aceitar insultos seja de quem for. As opiniões nas redes sociais bem educadas, construtivas, são sempre bem-vindas.
Disse recentemente que faz questão de ser sempre simpático. O que é que o tira do sério?
As desigualdades sociais, a falta de apoio à pobreza e à cultura, os cantores que cantam em playback… essas coisas tiram-me do sério e vão continuar até ao fim dos meus dias. Mas o que me dá alegria é saber que isso são nichos, a maior parte das coisas é honesta e isso é que é muito bom.
Imitado por quem? Pelo Bruno Nogueira, que parecia o Gandhi, coitadinho? Pelo Quaresma? A diferença é que eu bati-me por uma causaE continua farto de imitações? Falando da sua célebre fotografia que foi muitas vezes replicada…
Por quem? Pelo Bruno Nogueira, que parecia o Gandhi, coitadinho? Pelo Quaresma? A diferença é que eu bati-me por uma causa e isso verifica-se hoje: A maior parte das rádios é totalmente manipulada por multinacionais, são sempre os [cantores] do costume. São rádios que não seguem aquilo que devia ser a missão da rádio. São raríssimos os exemplos que não o fazem - o caso da Antena 1, da Renascença, da SIM e da Amália. De resto, estão totalmente vendidas às multinacionais e são nocivas para a cultura e para a música portuguesa.
O que acha desta nova geração de músicos? Reconhece que estão a nascer grandes nomes ou a maior parte está apenas à procura de fama?
É evidente que muitos não querem ser cantores nem artistas, querem ser famosos e por isso fazem tudo por tudo, até fazem playback total e plágios. Isso não é o meu planeta.
Considera que os programas de caça talentos são uma boa forma de encontrar bons músicos?
São muito bons e há imensos talentos em Portugal nas novas gerações. Mas era preciso que houvesse continuidade em termos de criatividade e é bom que, de vez em quando, saia um ou outro com talento - como o João Pedro Pais - e que depois tenha uma carreira que funcione.
Essa coisa de agora toda a gente andar a fazer duetos não vai muito no meu espíritoQuais os artistas com quem gostaria de fazer um dueto?
Essa coisa de agora toda a gente andar a fazer duetos não vai muito no meu espírito. Fiz um agora com o Darko. Quando me convidam eu vou, mas pensar nisso como uma forma de me promover não. Gostava de fazer um dueto com a Marisa Liz, ela é muito minha amiga.
Com 50 anos de carreira, o que é que ainda lhe falta fazer?
O meu próximo disco e o outro que já comecei. Para já, dois álbuns que estão em projeto, fazer a promoção deste, concertos até ao final no verão e, em setembro ou outubro, apresentar um novo single. O meu projeto é continuar a fazer música.
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