"Ofende-me quando não se esforçam no insulto. Eu esforcei-me na piada"
O comediante Diogo Faro, mais conhecido como Sensivelmente Idiota, falou com o Notícias ao Minuto sobre a sua carreira, os críticos, o estado do humor em Portugal e os projetos que tem para o futuro.
© Hugo Macedo
Cultura Diogo Faro
Começou na faculdade com um blog e depois com uma página do Facebook, abandonou uma carreira na publicidade para se dedicar à comédia e com os anos isso acabou por passar para o Instagram, podcasts, espetáculos ao vivo ou crónicas em jornais. Ainda não satisfeito como humorista dos 'sete-ofícios', continua sempre a aceitar novos desafios, sobretudo para poder juntar dinheiro para gastar na sua paixão que é viajar.
O comediante Diogo Faro, mais conhecido como Sensivelmente Idiota, falou com o Notícias ao Minuto sobre a sua carreira, os críticos, o estado do humor em Portugal e os projetos que tem para o futuro.
Tudo começa com comentários sobre o quotidiano em tom sarcástico que fazia com os amigos. Passa para um blog, depois para uma página de Facebook e entretanto já passaram nove anos. O que é que queria conseguir que já conseguiu e o que é que ainda falta?
Queria ter um talk-show, que já consegui fazer no YouTube, mas que gostava que tivesse meios para continuar. Ter um programa de viagens, não tenho muita pressa, mas gostava muito de o fazer. Na verdade, não tenho grandes planos na carreira porque, felizmente, como gosto de fazer muita coisa dentro da comédia… estou a planear uma tour de stand-up pelo país, estou a acabar de escrever o meu terceiro livro, tenho o podcast, gosto de fazer vídeos, gosto de fazer muita coisa, então, nunca me sinto cansado, vou um bocadinho ao sabor do vento, tenho sempre coisas a acontecer.
Quem é o Sensivelmente Idiota e quem é o Diogo Faro? São pessoas diferentes, um nunca ‘toma conta’ do outro?
São a mesma pessoa, nunca fiz distinção, na verdade, fui sempre eu. Quando criei o blog, que rapidamente passou a página do Facebook, há cerca de sete anos, o Sensivelmente Idiota começou como uma brincadeira para amigos, para verem as parvoíces que dizia, por isso fui sempre eu.
Houve alturas que já andei mais indignado, agora já não ando tantoObriga-se a publicar diariamente nas redes sociais ou só quando se indigna com alguma coisa?
Já não é bem indignação. Houve alturas que já andei mais indignado, agora já não ando tanto, estou numa altura boa. [risos] Mas claro que falo de muitos assuntos que me indignam, mas tento transformar isso em humor, um tipo de humor mais social.
Antigamente, obrigava-me mais a escrever todos os dias, para criar público, para criar fidelização, para ir melhorando, mas agora o Facebook para mim é secundário, é uma ferramenta importante, mas secundária. Escrevo no Sapo, começo a escrever para o Expresso este mês, mais os espetáculos e as coisas que faço ao vivo, por isso escrever fica um pouco para segundo plano.
Isso terá alguma coisa a ver com o facto de já ter sido banido várias vezes do Facebook?
Isso desmoraliza um bocado, estar sempre a levar com os filmes do Facebook. Com quem vai dizer mal e insultar-me já estou vacinado, mas há algumas regras que ninguém percebe muito bem. Eu já fui banido durante um mês por escrever uma crónica inteira a gozar com a homofobia, com quem é homofóbico e já fui banido outro mês inteiro por comentar numa fotografia de um amigo meu a dizer que ele estava a usar uma t-shirt ‘rabeta’, por usar essa palavra, por isso não se percebe muito bem qual é o critério.
Acha que o seu 'background' em publicidade o ajudou a criar a marca que hoje é o Sensivelmente Idiota?
Sim, um bocado, o crescimento enquanto marca foi sendo gerido, já percebia alguma coisa de redes sociais numa altura em que ainda não eram muito utilizadas, mas não sou nenhum génio do marketing ou da publicidade, nem usei assim tanto para me promover. Usei muito mais a comédia e o meu lugar na comédia.
Pode dizer-se que é a sua indignação que lhe paga as contas?
Se a transformar em comédia, sim. Houve uma altura da minha vida em que andei mais em baixo, por razões pessoais e profissionais, está tudo ligado, e em que andei frustrado, cheguei mesmo a pensar se valeria a pena continuar e se não era melhor voltar para a publicidade e ter uma vida mais estável, mais normal. Mas não era o que eu queria. Gosto muito desta vida, até da instabilidade que ela me traz.
Mas nessa altura indignava-me muito por indignar. Mesmo nas minhas publicações no Facebook era possível ver isso refletido, essa frustração, e notava-se que não estava a conseguir transformar o que vejo na sociedade, e que realmente me indigna, em comédia. Pelo menos, no meu tipo de comédia, em que observo e gozo com temas como o racismo ou a homofobia, se eu não conseguir transformar isso em comédia, estou só a fazer um comentário como qualquer pessoa pode fazer.
Teve o ‘return on investment’ que esperava? Como é que se vive com um ordenado de comediante em Portugal?
[Risos] Acho que, agora, ao final de uns quantos anos começo a ter, começo a viver bem, já começo a pagar as dívidas à Segurança Social que acumulei e muitas são injustas, fica aqui 'on the record', porque são referentes a anos em que não trabalhei e em que me continuaram a cobrar.
Mas, sim, pago a renda, pago as contas, ainda me sobra dinheiro para viajar, para ir jantar fora com os amigos duas ou três vezes por semana, se o mês for bom. Portanto, agora sim, começo a ter o retorno do que investi.
No início, teve de fazer muitas 'borlas'? Ainda faz?
Já fiz, claro. Não é tanto pelas borlas, é importante fazer espetáculos mais pequenos para testar textos. No início, o meu cachet era muito mais baixo do que é agora, mas acho que agora a minha qualidade tem aumentado bastante e a própria exigência das pessoas aumentou, já não é a mesma que era há cinco anos, por exemplo. Agora, se calhar um bilhete para um espetáculo meu vai ser mais caro, mas eu também tenho de estar melhor. Quem gosta de mim sinto que me vai apoiando e que não é por escrever uma piada menos boa no Facebook de vez em quando que vai deixar de o fazer.
Nunca defini que queria ser reconhecido por meio país, se for aos poucos e se me trouxer mais trabalho é isso que queroQuando é que sentiu que tinha atingido realmente o nível de reconhecimento que pretendia? Se é que sentiu?
Nunca defini um nível de reconhecimento para mim ou para o meu trabalho. Sei que agora as pessoas já me reconhecem bastante e por vários meios. Isso é que me importa, que reconheçam qualidade no meu trabalho, que gostem, que as faça rir. E se eventualmente pelo caminho também as fizer pensar, melhor. Nunca defini que queria ser reconhecido por meio país, se for aos poucos e se me trouxer mais trabalho é isso que quero.
Como é que há quatro anos, ainda em plena crise, se toma a decisão de virar tudo do avesso e apresentar a carta de demissão?
Às vezes falam-me nisso, mesmo entre amigos, e fazem disso uma questão de coragem. Mas não fui, não fui nada corajoso. Eu sabia que nunca iria passar fome, que os meus pais nunca me iriam deixar sem comida, que os meus avós nunca me iriam deixar sem teto. Tomei essa decisão e passado um ano consegui sair de casa dos meus pais e desde aí pago sempre eu a renda, sem ter de pedir dinheiro a ninguém da minha família. Isso, sim, é que foi a minha grande vitória, não foi quando me despedi e continuei a viver em casa dos meus pais e a tentar ser comediante. Foi ter conseguido sair logo passado um ano e começar a pagar as minhas coisas só com o dinheiro da comédia.
Se calhar para a maior parte das pessoas seria uma questão de coragem, por precisarem de estabilidade e de já ter um emprego, mas para mim foi um risco, claro, dei vários passos atrás, vi vários colegas meus a evoluir e eu a dar passos para trás… aliás para trás não, para o lado, porque foram na direção da minha carreira. Agora estou bem, estou lançado.
O que é que os seus pais disseram quando lhes disse que se ia despedir e dedicar-se à comédia?
Disseram-me para ir. Os meus pais são os dois artistas, a minha mãe é cantora de ópera e o meu pai é maestro e professor, portanto, acabou por fazer sentido passado uns anos ter-me tornado artista também. O meu pai, quando decidiu ser músico profissional, era dos melhores alunos de engenharia no Técnico, mas preferiu desistir e ser feliz como músico, e durante a vida toda ganhou muito menos dinheiro do que poderia ter auferido como engenheiro, mas foi feliz. Talvez isso me tenha influenciado, eu cresci com músicos, sempre com espetáculos ali e aqui. Eu próprio desde pequeno sempre em palco. Claro que me dá mais confiança pensar que se resultou com eles pode resultar comigo. Têm de trabalhar muito, mas são felizes no que fazem.
Como é que é ser chefe de si próprio? Não há uma tentação de ficar de férias muitas vezes?
É maravilhoso, é das melhores coisas deste tipo de profissões. Se a pessoa gostar de trabalhar, gostar do que faz e tiver disciplina é mesmo bom. Decido onde quero trabalhar, quando quero trabalhar, a que horas quero trabalhar. Posso trabalhar uma noite até às cinco da manhã e dormir durante a manhã ou se estiver bom tempo ir trabalhar para a praia, como já aconteceu muitas vezes. Houve vários espetáculos que fiz que foram escritos na praia, bem como grande parte dos meus livros. É um espetáculo.
Tem vários projetos a decorrer. Como é que ainda encontra tempo para viajar, que é uma das suas grandes paixões?
Sim, ainda é maior do que a da comédia. É mesmo o que gosto de fazer. O objetivo é sempre juntar dinheiro para poder gastar a viajar e a comédia foi o melhor meio que arranjei para o fazer. Se conseguisse juntar as duas coisas num programa, era o melhor dos dois mundos, mas para já é juntar dinheiro para estoirar em viagens [risos].
As pessoas estão aos poucos a levar-se um bocadinho menos a sério, começamos a poder brincar com mais coisas e uns com os outrosComo é ser comediante num país que é acusado de se levar demasiado a sério?
Acho que está a mudar, felizmente. Acho que as pessoas estão aos poucos a levar-se um bocadinho menos a sério, começamos a poder brincar com mais coisas e uns com os outros. A comédia é fundamental para o desenvolvimento de qualquer cultura, saber rir das coisas e aprender com os erros da sociedade. A comédia gera muita discussão o que é importante, não a censura porque isso é horrível. Se houver uma piada que gere burburinho as pessoas se calhar vão discutir sobre esse assunto e isso é muito importante. Ser comediante aqui, comparado com outros países, é fácil. As pessoas ainda se afligem com muita coisa, mas não é um bicho de sete cabeças.
Acho que não temos o direito de nos silenciar uns aos outros, se não não vamos a lado nenhumCom o que é que não se brinca? Há limites?
Pode-se brincar com tudo. Cada um define os seus limites, estão na cabeça de cada um. Se quiseres rir de uma coisa ris, se quiseres ficar ofendido ficas, mas acho que não temos o direito de nos silenciar uns aos outros, se não não vamos a lado nenhum.
O que é que o faz rir?
Muita coisa, por acaso rio-me muito. Desde uma pessoa ir contra uma porta de vidro porque não viu, faz-me rir, tenho amigos muito engraçados, a minha avó! A minha avó é das pessoas mais engraçadas do mundo, adoro rir-me com ela e com as coisas dela. Grandes comediantes, claro, também.
Aprendeu clarinete no Conservatório da Orquestra Metropolitana de Lisboa, para quando um stand-up em que unas as duas paixões: a comédia e a música?
Já pensei mais nisso. No meu primeiro espetáculo a solo, no Teatro Villaret, entrava no palco a tocar clarinete e tenho pensado nisso algumas vezes, mas ainda não surgiu oportunidade.
© Hugo Macedo
Como é que lida com os insultos e as ameaças que lê na sua página, apanha mesmo todas as “pedras no caminho para construir uma marquise ilegal”?
Boa, foi buscar isso, já nem me lembrava de ter dito isso [risos]. Nem sei, já é tão normal. Agora já só me divirto, já não fico nada afetado, rio-me das pessoas. Quando há críticas construtivas, tudo bem, às vezes até respondo. Agora quando vão lá insultar por insultar, rio-me só. Mas ofende-me quando não se esforçam no insulto. Eu esforcei-me na piada. Quando me dizem só: “Ah Sensivelmente Idiota, faz mesmo jus ao nome”, ou “não és sensivelmente idiota és mesmo completamente idiota”. Eu ando a ouvir isto há sete anos… pá, esforcem-se.
Quem acha que é o seu público-alvo?
Nunca pensei em fazer piadas para alguém em especial, foi-se construindo. Falo do que quero falar, dos assuntos de que me apetece falar, da maneira que me apetece falar e as pessoas vão-me acompanhando. Sei que esse público nunca vai ser o país inteiro, porque apesar de ser um bocadinho comercial, nunca vou ser super popular.
Não tem medo de que por vezes já haja um efeito de contaminação e as pessoas já só partilhem ou ponham um gosto, por ser o Diogo mais do que pelo conteúdo em si?
Pode haver, claro. Mas espero que as pessoas continuem a pôr gosto numa piada porque gostaram mesmo, não faz sentido de outra forma. Espero que não o façam comigo.
O futebol está tão sujo e há tanta coisa errada a passar-se nos bastidores que nem me apetece chatearApesar de ser um adepto fervoroso do Sporting, como lida com o potencial humorístico de toda a situação em torno de Bruno de Carvalho?
Pode parecer, mas não sou assim tão doente do Sporting. Gosto muito porque adoro aqueles 90 minutos, mas depois quando o árbitro apita para o fim do jogo, a minha vida continua. Os jogadores é que recebem milhões, os agentes desportivos é que recebem milhões, as marcas a mesma coisa, eu não. Tenho de continuar a trabalhar para ter dinheiro, não vou perder horas da minha vida a discutir penáltis ou foras de jogo. De vez em quando faço piadas sobre isso, mas acho que o futebol está tão sujo e há tanta coisa errada a passar-se nos bastidores que nem me apetece chatear. Acaba o jogo e há muito mais coisas para falar na vida do que sobre futebol.
Gustavo Santos… Pedro Chagas Freitas… quem podemos esperar como próximo alvo?
Não são alvos, vá. São pessoas peculiares, cujo trabalho eu aprecio imenso, como é sabido [risos] e que são acima de tudo muito espertas, que fizeram muito dinheiro a custo de coisas óbvias. Reconheço-lhes a esperteza mais do que a inteligência. “Como é que vou fazer dinheiro? Vou dizer o óbvio”, ou, no caso do Chagas Freitas, “vou fazer uma coletânea de citações que fui buscar ao ‘citações.com.br’. Mas eles fazem o trabalho deles e eu faço o meu, que é gozar com este tipo de pessoas. Não tenho nada contra eles pessoalmente, é mais contra o trabalho deles. Um novo alvo não sei se existirá ou quem será, não escolho, depende do dia e das pessoas.
Ninguém gosta de todas as bandas, vão ver os espetáculos das bandas de que gostam. Na comédia é igualEm que estado está o humor em Portugal?
Está em muito bom estado, acho que está a crescer muito, apesar de ainda ter algumas restrições. Há muito humor, principalmente na rádio, gente como muito talento. Na televisão é onde há menos, até porque os humoristas fogem para plataformas como o YouTube. Acho que todas as gerações de humoristas e tipos de humor estão a crescer, há cada vez mais comediantes e as pessoas têm respondido bem a isso, porque estão a gostar.
Houve um salto gigante desde o tempo do Herman [José] no que toca a aparecimento de novos comediantes, muito influenciado pelo ‘Levanta-te e Ri’. Depois houve vários saltos e várias gerações, a dos Gato Fedorento e do Bruno Nogueira foi muito importante, agora aparecemos nós e estamos todos a coexistir porque o público gosta cada vez de ir a espetáculos de comédia e por isso há espaço para toda a gente. Estão a começar a perceber que é como a música – ninguém gosta de todas as bandas, vão ver os espetáculos das bandas de que gostam. Na comédia é igual.
Quem são os seus ídolos no panorama nacional?
Muitos. Os mais velhos como o Herman, o Ricardo Araújo Pereira e o Bruno Nogueira ou o Salvador Martinha, que também me faz rir muito. Há pessoas mais novas também como a Bumba na Fofinha, o Carlos Coutinho Fonseca ou o Guilherme Fonseca, com quem sou confundido muitas vezes, o que é ofensivo porque ele é mais feio [risos], e que são muito talentosos. E depois há pessoas com quem trabalho como o Pedro Durão, o Pedro Sousa, o Duarte Correia da Silva ou o Diogo Abreu, que gostava muito que fossem mais reconhecidos, porque são muito bons.
Tem medo de algum dia deixar de ter graça?
Não. Não é uma coisa presente na minha vida, pode acontecer, mas a graça também se trabalha muito, é uma questão de prática, é um trabalho, tem de se treinar todos os dias. Mesmo em termos de pensamento, pensar nas coisas de uma forma que ainda ninguém tenha pensado e como é que se vai transportar para pôr as pessoas a rir. Não é um segredo, nem alguma coisa que acorde um dia e tenha perdido. Se isso algum dia isso acontecer, trabalho mais e esforço-me mais nos dias seguintes.
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