"Não recebo uma mensagem má desde que deixei as redes sociais"
O humorista Rui Sinel de Cordes é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.
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Cultura Rui Sinel de Cordes
Sempre quis ser 'stand-up comedian'. Hoje não quer mais público nem mais dinheiro, mas nem sempre foi assim. Só quando comprou um descapotável com o dinheiro do humor, depois de um ano no desemprego e de muitas noitadas, é que a mãe deixou de o chatear.
Rui Sinel de Cordes popularizou-se muito por via do humor negro, mas isso não lhe chegou. No auge da carreira, fez as malas e mudou-se para Londres. Do coliseu para uma cave na capital britânica, passou momentos difíceis mas, noutros aspetos, prazerosos.
Mais consciente, mais humano e mais descontraído, foi assim que o humorista se apresentou no CCB, onde conversou com o Notícias ao Minuto. Conseguimos ainda ‘arrancar-lhe’ o nome do seu próximo solo: Memento Mori.
O que diferencia um bom humorista de um mau humorista?
É muito complicado. É uma questão de gosto. Eu tenho muita dificuldade em responder a isso, porque eu tenho o meu gosto, tenho o meu top 10 e tenho a certeza de que se fores perguntar a dez humoristas é diferente para todos.
Qual é o seu top 3, por exemplo?
Louis CK, Jim Jefferies, estes dois. Depois tenho uma série deles, Bill Burr, Ricky Gervais também. Adorei o último show do Chris Rock, que é um gajo que eu nem sigo, nunca achei muita graça mas adorei o último show, perfeito. Curto o Seinfield, também gosto de gajos mais clean, mas não tanto claro. Mais para ver com uma miúda. É complicado. Há coisas que acho horrorosas, no mundo inteiro, não só cá em Portugal, mas têm público e as pessoas riem-se, não sei dizer se é bom ou não.
O humor é a única arte de que o gosto poucas vezes é falado. Por exemplo, no meu caso, e aconteceu-me muito no início, havia pessoas que vinham ver e diziam, ‘este gajo é uma merda’ porque não gostava, não quer dizer que eu na altura não fosse uma merda. Quando não gostas de uma comida dizes ‘eu não gosto’, não dizes ‘é uma merda’.
Era capaz de deixar de se dar com uma pessoa ou evitá-la por causa do seu sentido de humor?
Claro, já cortei com muita malta.
Deixa de respeitar a pessoa?
Não quero estar na companhia de…
Sei que é grande fã e defensor de Messi. Cristiano Ronaldo e Messi, um muito trabalho e foco, outro talento mais puro, não que Ronaldo não tenha talento, porque tem, mas no humor também diferencia isso? Prefere alguém mais natural ou alguém que reescreva e trabalhe mais as piadas?
Percebo o que estás a dizer. É-me indiferente honestamente, se tiver piada...
No humor é mais Messi ou Ronaldo?
Eu não testo nada. Não acho essa comparação muito justa, acho que o Ronaldo tem muito talento também e o Messi tem muito trabalho. Mas há muitos humoristas assim, os só talento e outros até só trabalho, depois há uns que misturam… Não sei, há bits que eu gosto de Bill Burr ou Louis CK, e não sei quantas vezes ele reescreveu aquilo até estar como eu o ouvi. Então é-me indiferente.
Por exemplo, se fizer cinco espetáculos da mesma tour, são todos iguais, palavra a palavra?
Quase todos, sim. Se quando escrevo acho que aquela é a melhor maneira para dizer aquilo, não há razão para mudar de uns espetáculos para os outros. Por exemplo, uma das coisas de que eu não gosto na indústria e no mercado em Londres, é a cena de reescrever, de experimentar. Não vejo muito valor nessas amostras.
Se houvesse uns Jogos Olímpicos de procrastinação eu não dava hipótese a ninguém
Qual é o seu processo criativo?
Chega a outubro/novembro sento-me ao computador e escrevo um solo. Não sei bem o que é isso de inspiração.
Mas consegue fechar logo tudo. Não adia?
Adio. Claro que adio. Vou jogar Playstation montes de vezes. Eu se houvesse uns Jogos Olímpicos de procrastinação eu não dava hipótese a ninguém, não dava mesmo chance.
É capaz de na mesma temática defender duas opiniões opostas?
Claro. Agora leio muito mais do que antigamente, livros mais técnicos para perceber melhor alguns temas de que quero falar. Faço pesquisa, passo dias, a minha namorada ajuda-me muito nisso também, a formação dela é filosofia. Se quero falar da eutanásia, vou saber tudo sobre aquilo. Tento encontrar uma opinião minha, quando não tenho bem opinião dou os dois lados. Não estou aqui para dar opiniões, estou aqui para fazer rir, dou os dois lados e vocês que decidam.
Não sei se as pessoas o abordam muito. O que tendem a pensar de si?
Desde que fui para Londres sou muito mais abordado quando cá venho. Deve ser um fenómeno português por estar fora. Tenho todo o gosto em tirar fotos e em falar com quem quer que seja. Não é problema nenhum para mim, o problema era ninguém querer fotos.
A malta reconhece o trabalho que eu fiz nos últimos anos, a merda com que levei nos últimos anos e a minha postura de nunca ter mudado e de nunca ter pedido desculpa de nada, de ter feito o que gostava. Recebi milhares de mensagens desde que anunciei que me ia embora e várias pessoas me diziam o mesmo que a minha mãe: ‘Porque é que te estás a ir embora a agora que tens tudo o que sempre quiseste ter?’.
Qual é a resposta que tem para isso?
Sempre quis fazer isto. Queria há anos experimentar e foi a melhor decisão da minha vida, agora que vejo. Mas ainda bem que esperei tanto tempo.
Se tivesse ido há cinco anos, já tinha desistido?
Tinha sido terrível, terrível. Ter ido sem a Teresa teria sido terrível, ter ido com o conhecimento artístico e com a experiência que eu tinha na altura, tinha sido terrível. E para me sustentar em Londres sem o dinheiro que tenho agora com a tour que fiz, para poder estar lá descansado, teria sido ainda mais terrível. Tinha durado três ou quatro meses lá e teria ficado deprimido três ou quatro anos.
Depois foi um efeito muito giro, porque o final do Cordes Out foi emotivo, passei o último ano com pessoas a mandarem-me mensagens, a quantidade de pessoas que no final vieram falar comigo a dizer que também emigraram, ou que andavam há muito tempo num curso de que não gostavam e que desistiram, ou que abriram ali um negócio…
O próximo show vai chamar-se Memento Mori, que é uma expressão em latim que quer dizer: tem a noção de que és mortalAcabou por dar o mote?
Não queria isso, queria só ser honesto. O próximo espetáculo tem uma forte componente de ‘malta, confiem em mim, façam assim’. Mas mais de vida, não é nada pessoal. O próximo show vai chamar-se Memento Mori, que é uma expressão em latim que quer dizer: tem a noção de que és mortal. É uma coisa que penso já alguns anos: para onde é que estamos a ir a nível de sociedade e de valores, o que deixamos para trás e o que estamos a perder com toda a rapidez de comunicação, com as redes sociais, com a cultura de estares sempre a mostrar uma vida que não é a tua e o que isso te provoca depois por dentro. Está toda a gente a pensar que és o maior menos tu, e isso é mais grave.
Este ano senti muito a cena de Londres, de estar muito bem e de querer mais, de estar a deixar de lado uma série de coisas que são mais importantes para ser maior do que já sou. Deixar de lado a minha mãe, a minha miúda que não é feliz lá, mas que está lá o tempo que for preciso por mim. Estar a deixar de lado coisas que quero fazer, mas que não fiz para andar lá guiado pelo ego. Curei-me disso tudo em Londres.
Não imaginas a quantidade de pessoas que já tiveram cancro e no fim falam comigo e me agradecem a dizer que se riem das minhas piadasGanhou aqui uma consciência que não tinha antes?
Ganhei, não me fez mudar o meu gosto, tenho piadas fortíssimas, mas é fixe através do humor abordar temas que as pessoas não dominam muito bem e podem até conhecer melhor e rirem-se pelo meio. Há pessoas que vêm aos espetáculos e estão a atravessar merdas que nunca fiz ideia, nem nunca pensei muito nisso, essa consciência vem depois de começares a contactar mais com as pessoas. Por exemplo, nunca falei do cancro da minha mãe ou da minha avó, nunca usei isso, depois com o passar dos anos, isso tornou-se do conhecimento público. Não imaginas a quantidade de pessoas que já tiveram cancro, que têm, que os pais morreram com cancro e que no fim falam comigo sobre isso e me agradecem a dizer que se riem das minhas piadas sobre cancro. Vais tendo consciência do impacto que estás a ter nas pessoas, não podes ser um pateta e achar que não podes ter impacto em ninguém quando as pessoas vão ver o espetáculo.
Não terá a ver com a idade?
Se calhar, sei lá.
Ainda quer morrer novo?
Pode ser, não mudei de ideias…
Mas está a aumentar a idade: 52, depois 60…
Estou a aumentar não estou? Mas o que é que disse sobre ser um procrastinador? É como ter filhos, já aumentei a minha idade para ser pai não sei quantas vezes. Disse à minha primeira namorada que queria ter filhos aos 26 anos, na altura tinha 23. Depois foi ‘antes dos 30 não’. Vou com 38, mas o Júlio Iglesias foi pai aos 70.
Já abordámos a experiência em Londres, mas a nível de stand-up como está a correr por lá?
Começou o pior possível.
Mas foi mau porquê?
Foi péssimo, tudo. O microfone avariou, não tinha palco, era um sítio só com 30 pessoas numa cave nojenta...
Do Coliseu para uma cave em Londres…
É giro pensar nisso. Lembro-me de que quando entrámos, e a minha miúda não é nada dessas coisas, a Teresa perguntou-me: ‘Rui o que é que tu estás aqui a fazer?’...
E o Rui nunca teve esse pensamento?
Às vezes. Fui um bocado também para isso. É o mais fácil de pensar. Quando saí desse espetáculo disse: ‘vou-me embora, não estou para isto’.
Como tem sido o público? Por vezes interrompe o espetáculo para criticar ou vaiar?
Claro, sem pudor nenhum. Mas não é um problema, nunca tive muito disso, só no primeiro. Foi tão mau e eu estava tão mal preparado, era a primeira vez que estava a fazer em inglês…
Entra mais ansioso ou mais stressado agora ou nos primeiros espetáculos que fez cá em Portugal?
Lá tenho a vantagem que estou a fazer malabarismos na ponte mas tenho uma rede. Não há mais stress do que nós não sabermos o que temos e o nosso futuro. Para o bem e para o mal, não preciso disto para nada, para que é que me estou a chatear.
Sentiu um choque quando chegou lá?
Sim, em vários níveis, não só profissional. Um choque mesmo na minha relação com a Teresa. Vivemos juntos há três anos e tal, mas é complicado porque depois entram outras pessoas, outra sociedade, outro tempo, outra lógica e aquilo depois afeta as relações.
E as pessoas vão poder ver tudo isso em documentário ou essa ideia não avançou?
Não, vão poder ler o livro sobre isto que a Teresa está a escrever. Durante muitos meses pensei em fazer o documentário mas depois desisti porque ia lixar tudo. Ia-me obrigar a ter dois ou três gajos sempre comigo lá. Para ter isso gravado e ganhar uns trocos ia estar a trocar a experiência em si, que é estar lá sossegado com a minha miúda e não estar preocupado com guiões de episódios, ou preocupado com reações. Não queria nada disso, comecei a achar tudo falso e, como a Teresa escreve, lembrámo-nos de que era giro ela escrever um livro onde estão os pormenores todos, as histórias todas. Ainda por cima é um livro em que eu não tenho poder de corte e são os olhos que estiveram mais perto de tudo. Artisticamente acho que é mais fixe e não alterou nada, ela só teve de observar.
E a seguir, Nova Iorque?
Não sei, dizem-me que lá ainda está pior do que em Londres. Agora não sei, quero fazer Edimburgo (Fringe Festival) que foi um sonho desde que fui lá a primeira vez há 11 anos. Durante 10 dias vou estar lá com mais dois gajos, o espetáculo chama-se Wishfull Drinking, quem quiser passar em Edimburgo entre 16 e 27 de Agosto, vai ser fixe.
Já aconteceu idolatrar alguém que se tenha revelado uma desilusão?
Muitas vezes. Por isso é que não conheço ninguém. Evito conhecer. Isso acontece a toda a gente.
O Herman, por exemplo, já revelou histórias desse género…
Por acaso, o Herman José é um bom exemplo de um ídolo que eu sempre tive a vida toda e não me desiludiu quando o conheci, mas o normal é acontecer. Toda a gente se queixa disso. Depois não consigo mais consumir a arte dessa pessoa.
E quando se invertem os papéis tem essa noção?
Tenho. Quando comecei o meio vi muitos gajos a tratar mal pessoas que vinham pedir uma foto ou um autógrafo. Fiquei chocado nas primeiras vezes que vi isso.
Adoro os meus amigos mas não tive saudades de quase ninguém, nem de família, nem de sítios, nem de coisas
Agora que esteve muito tempo fora e que vem desiludido com a indústria do humor em Inglaterra, como vê esta indústria em Portugal?
Estou um bocado fora. Portugal é um país tão fixe, o tempo é tão fixe, a comida é tão fixe. Temos mar, temos tudo e somos minimamente civilizados, mais civilizados do que as pessoas acham.
Dá mais valor agora? Tem o feeling de emigrante?
Sim, mas como já viajei muito, não sou de ter saudades. Adoro os meus amigos mas não tive saudades de quase ninguém, nem de família, nem de sítios, nem de coisas.
Quer fazer sempre stand-up? Não quer fazer televisão, rádio…
Sempre.
Não quer fazer televisão, rádio…
Não, nada, nada, nada… Só stand-up e poder fazer a minha tour e tirar seis meses.
Porquê?
É perfeito para mim, porque os meus melhores trabalhos em 14 anos foram os meus últimos três solos. Isso aconteceu porque comecei a ter condições e porque houve um dia em que disse 'agora só faço solos’, que foi no dia a seguir a uma piada depois do atentado de Orlando.
Não há nada que o fizesse mudar de ideais? Um talk-show…
Não, e olha que tive conversas bem tentadoras e eu nem quis ouvir nada. Os próximos dois, três, cinco anos só quero fazer stand-up.
Não quero mais público, não quero mais dinheiro, está tudo ótimo, não quero mudar nadaJá recebe mais mensagens boas do que más?
Claro, já não recebo uma mensagem má para aí há dois anos. Desde que deixei as redes sociais… Na altura estava na ingenuidade de que éramos todos crescidos, mas somos animais como sempre soubemos que somos. Foi a solução perfeita para mim, para quê mudar isso? Não quero mais público, não quero mais dinheiro, está tudo ótimo, não quero mudar nada.
Quer manter o que tem, é isso?
Sim. Queres fazer um talk show? Não. Quero grelhar uma carne agora quando chegar a casa. Quero ter uma ideia nova para o show novo, isso é que eu quero.
Há pessoal que diz que o Herman tinha mais piada antes, eu digo que estou muito curioso para saber como é que vou ser com 60 anos pá, que eu estou muito cansado [risos]Qual o seu top de humoristas em Portugal?
Na minha vida vi dois grandes humoristas, o Herman José e o Ricardo Araújo Pereira. Não consigo pôr aqui um terceiro e não consigo pôr o Ricardo ao nível do Herman, nem nada que se pareça, e o Ricardo sabe disso. O bom que há de ser humorista em Portugal é que houve um gajo que o que fez, o que conquistou, o que mudou é tão grande que não vale a pena estares nunca a tentar seres o melhor humorista português. Diverte-te só, faz o que queres fazer e curte, porque há um gajo no teu país chamado Herman. É incrível o que o Herman fez. Há pessoal que diz que ele tinha mais piada antes, eu digo que estou muito curioso para saber como é que vou ser com 60 anos pá, que eu estou muito cansado [risos].
Da nova geração acompanha alguém?
Não, tenho esse problema.
Sempre quis fazer stand-up mas estudou jornalismo, como é que as pessoas reagiram ao facto de seguir uma carreira no humor?
Ao início toda a gente nos chamava malucos, os meus amigos todos diziam humorista é o Herman. Como se só desse para haver um. Nós só tínhamos visto um a vida toda. Eu disse vou ser humorista e as pessoas diziam ok mas e o trabalho?
Quantos anos depois desse passo é que demorou a viver só do humor?
Depressa comecei a viver só do humor. Na altura, entrei para as Produções Fictícias cedo, eu estive um ano, desde que me despedi do meu trabalho, em casa da minha mãe, com ela a chatear-me a cabeça todos os dias. Eu, que desde os 18 anos trabalhei, paguei a minha faculdade toda à noite e tal, tinha o meu carro, pagava as minhas contas, de repente despedi-me e estive um ano sem ganhar dinheiro. Foi um choque lá em casa. Já tinha 25 anos e a minha mãe achou que eu não queria trabalhar. Ela sabia o que eu estava a fazer, mas não acreditava muito.
Ainda no outro dia me perguntaram quando é que a minha mãe deixou de me chatear a cabeça. E respondi: Quando comprei um descapotável. As pessoas precisam de ver qualquer coisa. A minha mãe não é materialista, mas é a cena do ‘ah aquilo está a dar’.
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