Meteorologia

  • 23 NOVEMBER 2024
Tempo
14º
MIN 13º MÁX 22º
Vozes ao Minuto

Vozes ao Minuto

Vozes com opinião. Todos os dias.

"O melhor prémio para os artistas é as músicas deixarem de ser nossas"

Olavo Bilac lançou recentemente um single, 'Estou Aqui'. Um tema que chega quatro anos depois de ter começado a carreira a solo e de ter dado a conhecer o álbum ‘Músicas do Meu Mundo’. Hoje é o entrevistado do Notícias ao Minuto, recordando o percurso no mundo da música.

"O melhor prémio para os artistas é as músicas deixarem de ser nossas"
Notícias ao Minuto

24/08/18 por Marina Gonçalves

Fama Olavo Bilac

Conquistou o sucesso no mundo da música nos anos 90 com as bandas Santos e Pecadores e Resistência, altura em que deu a conhecer a sua voz inconfundível. Falamos de Olavo Bilac.

O artista lançou-se a solo em 2014, ano em que lançou primeiro álbum a cantar em nome próprio, ‘Músicas do Meu Mundo’.

Agora, quatro anos depois, chega com uma nova música, ‘Estou Aqui’.

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, Olavo Bilac recorda o percurso na música, falando da nova geração de artistas, sem esquecer os que já partiram.

Foi nos anos 90 que ficou conhecido, com as bandas Resistência e ‘Santos e Pecadores’...

Pois, estava tudo a começar. Na altura tinha os Xutos & Pontapés, os GNR, os Heróis do Mar que era uma banda emblemática já na altura. Mas era pelo gosto da música e das canções.

Eles foram, de certa forma, uma influência para seguir este mundo?

Sim, referências cantadas em português.

Comecei por tocar baixo e experimentei cantar. Mas foi por brincadeira. Nem era um sonho pensar que um dia ia ser músicoComo é que recorda os primeiros passos no mundo artístico?

Nós, os Santos e Pecadores, começámos numa garagem. Depois, por brincadeira, começámos a ensaiar e a coisa foi avançando. Na altura, até nem tinha vocalista nem baixista. Comecei por tocar baixo, experimentei cantar e acabei por ficar a cantar até hoje. Mas foi por brincadeira. Nem era um sonho pensar que um dia ia ser músico.

Qual é o truque para ter essa voz inconfundível?

É como perguntar ao Bryan Adams porque é que tem essa voz. Não [há nenhum truque], é uma característica da voz. Tal como há vozes ‘fininhas’, também existem vozes roucas.

Mas acredito que quando começou a sua voz fez diferença, por se distingir da maioria…

Sim, isso é verdade. Acabou por ser uma característica que distingue muito.

A banda Resistência está a preparar um novo concerto no Coliseu de Lisboa, que se vai realizar em outubro. O grupo continua vivo para o público... Como é que vê todo este carinho?

É engraçado que estamos mais juntos agora do que quando começámos. A banda Resistência quando começou na música, entrou tudo em ebulição. Foi de tal forma que os Resistência tiveram um impacto enorme no panorama musical português, especialmente porque dizia às pessoas por que razão a música portuguesa não passava nas rádios. Foi um alerta. E, na altura, como espoletaram também os Xutos & Pontapés e os próprios Delfins, todas as bandas começaram a ter mais espetáculos. Eram espetáculos de mil a duas mil pessoas que passaram logo para seis mil [pessoas].

As pessoas começavam realmente a gostar de música portuguesa. Nesse início foi muito difícil arranjarmos calendário que desse para toda a gente. Os próprios Santos e Pecadores também estavam a nascer. Já existíamos, mas estávamos a gravar o primeiro disco. A partir daí, foram os anos 90, início dos anos 2000, em que as bandas fartaram-se de tocar e houve muito sucesso. Portanto, foi muito difícil para os Resistência unirem-se. Hoje em dia conseguimos encontrar espaço para que isso aconteça. Os próprios Santos e Pecadores estão parados, os Delfins também, os Xutos têm aqueles espetáculos já cirúrgicos… Por isso é que estamos mais tempo juntos.

O melhor prémio para os artistas é mesmo isso: as músicas deixarem de ser nossas e passarem para as pessoasMas mesmo que os Santos e Pecadores estejam parados, os êxitos da banda permanecem na memória do público português.

Isso é a força das músicas. O melhor prémio para os artistas é mesmo isso: as músicas deixarem de ser nossas e passarem para as pessoas.

Iniciou uma carreira a solo em 2014. Quando e porque é que decidiu dar este passo?

Os meus pais são cabo-verdianos e tinha o sonho de tocar a música da lusofonia. Não música que fosse só Cabo Verde, mas também Brasil e que chegasse a Angola, Moçambique e Portugal também. Nesse sentido, à base do violão e do cavaquinho, que são instrumentos muito característicos da lusofonia, comecei a fazer as músicas e a escolhê-las. Deu-me muito gozo fazer porque, além de ter ido a Angola e a Cabo Verde, também vim conhecer uma esfera de músicos completamente diferente que não tinham essa perceção, de tão bons músicos que a lusofonia tem.

Qual o feedback destes anos a cantar em nome próprio? Continua a ter o mesmo sucesso e a receber o mesmo carinho dos fãs?

Graças a Deus que as pessoas sempre acarinharam os Santos e Pecadores e o Olavo Bilac. Quando fiz este projeto foi muito mais especifico, ganhei muita gente da lusofonia. Com este voltar à pop há muito que tenho estado a receber uma data de mensagens das pessoas a agradecerem por voltar e a dizerem que gostam de ouvir a tal voz característica e as canções. Tem sido muito bom.

Lançou recentemente um novo tema, ‘Estou Aqui’. Quais são os planos para o futuro?

Agora estamos numa era dos singles. Lançamos single a single. Lá fora já se faz há algum tempo e não podia deixar de ser aqui também. Estamos agora com o tema ‘Estou Aqui’, lançado em julho, que já começou a passar nas rádios também. As pessoas têm estado a gostar muito e a mandarem mensagens bonitas.

Quais são para si as maiores inspirações no mundo do espetáculo?

São todas, desde que sejam genuínas. Gosto de tudo, gosto de ouvir tanto os mais velhos que deixaram um histórico de música para todos nós, como essa nova geração também com coisas muito curiosas e gente a tocar muito bem, com expressões de música cantada em português com muita graça. Acho que a música está mesmo em crescimento e evolução.

Cantava em português anos antes de terem aparecido bandas a cantar em inglês em Portugal (como os Silence 4, The Gift)...

Antes dos Resistência havia muito esse estigma de cantar em inglês porque era o que as rádios passavam também. Acho que cantar em português ou inglês... somos portugueses e as pessoas também têm de exprimir as suas vontades…

Mas nos últimos anos vê-se o ressurgimento das músicas de maior sucesso a serem cantadas em português.

É a nossa língua mãe. São projetos que às vezes vão ao interior do país e não reconhecem. As pessoas não ouvem, não sentem logo as palavras. Se calhar têm de pensar um bocadinho para dizer o que é natural.

Já vi gente jovem a gostar de fado e a tocar fado. Isto deu um pulo e é por aí. Temos de aprender a gostar de nós próprios O que tem vindo a mudar no mundo artístico?

Curiosamente, acho que não mudou muita coisa. Agora, de há cinco anos para cá, houve um reaparecimento da música portuguesa na rádio. Até porque faz todo o sentido. As pessoas gostam dos seus artistas, da sua língua. E às vezes ficam muito para trás. O próprio fado, de há dez anos para cá, cresceu muito. Não passava na rádio e hoje passa. Já vi gente jovem a gostar de fado e a tocar fado. Isto deu um pulo e é por aí. Temos de aprender a gostar de nós próprios.

O que acha desta nova geração?

Acho fantástica. Têm de vir mais e ser muito mais apoiados para ficar uma indústria forte e realmente começar de uma vez por todas a exportar. O fado já é exportável por si próprio. Ganhámos aqui uma solidez nesta indústria.

Sente que o mundo digital é hoje um trunfo para a carreira do artista, sobretudo as redes sociais?

Combater isso é mau. Temos de estar sempre também atentos às novas realidades. Sei que, se calhar, os músicos da minha geração não tomam muita atenção a isso, mas as redes sociais são importantíssimas para chegar mais depressa ao público e chegar a mais gente.

Quais as principais diferenças entre o Olavo Bilac de hoje comparando com o Olavo Bilac de há 20 anos?

São os anos de idade. Estou melhor numas coisas e pior noutras [risos].

A música portuguesa sofreu recentemente uma grande perda com a morte do Zé Pedro, como é que o recorda?

Quando soube, parei uns dez minutos e não conseguia falar. Conhecia bem o Zé Pedro. Mesmo no início dos Santos e Pecadores, do Olavo Bilac, e nos Resistência, ele apoiava muito os jovens que se introduziam na música e apoiou-me muito no início. Lembro-me perfeitamente… Chamava-lhe o 'primo', porque ele era Reis [apelido] também, e brincávamos muito em relação a isso. Além da perda de um músico, é uma perda nacional. E todos temos de enaltecer os nossos colegas.

Em Portugal os artistas mereciam ser mais homenageados em vida ou sente que há esse reconhecimento?

Quando vejo, por exemplo, atletas em vida a ter o mérito, a receber os prémios em vida, acho que é por aí. Há muitos músicos também que merecem em vida, não é quando morrem. É em vida que as pessoas devem usufruir disso. Gosto muito deste Presidente da República [Marcelo Rebelo de Sousa]. Está muito atento às coisas. É muito mais ativo perante as pessoas.

Se tivesse o poder de mudar algo no nosso país, o que seria?

Nós temos um país belíssimo, tão pequeno e tão diverso. Um clima e um povo belíssimo. Se calhar era torná-lo mais estruturado. Nós próprios devemos exigir mais dos políticos porque pagamos muitos impostos e os políticos têm de estar alinhados - serem mais exigentes e não brincarem tanto com o dinheiro do povo.

Em Portugal temos o estigma de parecer que não gostamos de nós próprios. Não é só na música, é em todo lado Sendo artista em Portugal, o que mais gosta e o que menos lhe dá prazer?

Em Portugal temos o estigma de parecer que não gostamos de nós próprios. Acho que isso não é só na música, é em todo lado. Gosto muito pouco disso. Acho que devemos gostar mais de nós próprios, de nos defendermos muito mais. Isso separa-nos muito. Ao mesmo tempo, temos um país belíssimo em que ir trabalhar lá para fora só mesmo para ganhar dinheiro. Temos uma sorte de ter o país que temos.

A minha filha é o meu todo… Ser pai… Todos nós temos de passar por essa experiência que nos faz crescer e pôr os pés no chãoEm 2010 foi pai da pequena Mel. Oito anos depois de se ter estreado como pai, como é que descreve a paternidade?

É um espetáculo. É a minha menina. É o meu todo… Ser pai… Todos nós temos de passar por essa experiência que nos faz crescer e pôr os pés no chão. De certa forma acho que o ser humano tem de passar por isso.

É um pai galinha? Ela é a menina dos seus olhos?

É, completamente.

Deixa-o rendido e consegue tudo o que quer do pai?

Não, isso também não. Às vezes custa-me, mas não pode ser. Tento fazer o que os meus pais me ensinaram.

E quais são os principais conselhos?

Primeiro ela gostar dela própria. Ter objetivos. As coisas não podem cair do céu. Respeitar os mais velhos e os mais novos também...

Ela já o acompanha no mundo artístico?

Já. Houve uma vez com os Santos e Pecadores em que cantou um tema. Subiu ao palco e cantou connosco.

Então, pode vir a seguir as pisadas do pai… Já está tem o ‘bichinho’ da música…

Não. Ela tem de estudar primeiro. Se tiver de ser, será.

Aos 50 anos, alterava alguma coisa do que viveu até hoje?

Sim, se calhar… Fazia tudo na mesma, mas com mais calma.

Campo obrigatório