"Tive de optar pela carreira de treinador ou apresentador. Nem hesitei"
Jorge Gabriel é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto. Uma conversa que vai desde a infância do apresentador até ao futuro que ainda falta percorrer.
© Victor Hugo
Fama Jorge Gabriel
Sem rodeios e com opiniões fixas, foi assim a entrevista de Jorge Gabriel ao Vozes ao Minuto. Além de recordar a infância e os primeiros passos como comunicador, o apresentador partilhou ainda os pontos de vista em relação a um dos temas de que mais se fala em Portugal: futebol.
Triste com a modalidade, mas cada vez mais apaixonado por outra, o golfe, Jorge Gabriel destaca as maiores diferenças e o que o faz ficar apaixonado por atirar a pequena bola com o taco.
Outro dos assuntos abordados foi a paternidade. Pai de quatro, Duarte, Mariana, Madalena e Pedro, o apresentador vive agora uma fase diferente, sem os medos da primeira viagem.
Aos 50 anos, Jorge Gabriel sente que chegou à metade da sua vida, tendo ainda mais meia década para concretizar todas as aventuras e desafios que vão surgir.
Começamos pelos primeiros passos de Jorge Gabriel. Como foi a sua infância?
Foi particularmente marcada pelo 25 de abril. Vivendo na Amadora, houve vários acontecimentos ali ocorridos que levaram a que tivesse uma perceção do que se sucedeu no país e curiosidade, simultaneamente, por aquilo que estava a acontecer, muito cedo, com cinco, seis anos. Depois a escola também, dado que o ensino público estava muito instável, havia uma série de greves e não se sabia como é que o ensino iria desenvolver-se. Os meus pais colocaram-me no externato relativamente próximo de casa, ainda com o ensino à moda antiga. Foi isso que, em certa medida, me deu bagagem para que fizesse o 5.º e 6.º ano praticamente sem pegar num livro. E também essa instrução até à antiga 4.º classe ajudou-me muito naquilo que faço hoje em dia. Lá comecei com as minhas aventuras como apresentador das festas, mesmo que fossem muito arcaicas, singelas. Já nessa altura mostrava vontade de comunicar.
É pelos 16/17 anos que vou com um outro amigo fazer uma visita (...) à rádio Comercial, Renascença e Antena 1, que eram as únicas que existiam na altura. Foi aí que começou tudoEntão foi aí que nasceu o gosto pela comunicação?
Sim, terá sido, porque desde que me lembro desses tempos era sempre com essa necessidade de cantar uma canção, reproduzir um anúncio que dava na televisão ou de apresentar tudo o que fosse um espetáculo que acontecesse na escola. Depois cresci e a rua era o meu sítio de eleição até me saturar de estar na rua só a jogar futebol. É pelos 16/17 anos que vou com um outro amigo fazer uma visita - da nossa vontade, sem qualquer influência dos nossos pais ou da escola – à rádio Comercial, Renascença e Antena 1, que eram as únicas que existiam na altura. Foi aí que começou tudo. Tínhamos uma pequenina rádio local que transmitia para a nossa rua, não chegava mais longe do que isso. Tínhamos o microfone colado à coluna do gira-discos e falávamos, fazíamos passatempos como: ‘Traz-me o maior pedregulho’. Nessa visita às três rádios, na última a que fomos, Antena 1, assistimos ao programa do Raul Durão, ‘Musicomania’. No final perguntamos ao Raul se ele não precisava de colaboradores e ele disse que estava a pensar nisso porque já estava com 40 anos e já se sentia fora dos hábitos e gostos dos mais novos. Então pediu-nos para nós entregarmos uma semana depois um papel com ideias. Passado essa semana voltamos lá e ele aceitou-nos. Começa aí a aventura.
Uma vez que mantém esse carinho, se hoje lhe fosse dada a oportunidade de trabalhar a 100% na rádio, tendo obrigatoriamente de deixar o pequeno ecrã. Aceitava?
Não sei. Isso é uma pergunta muito radical. Tentaria conciliar ou convencer as pessoas a deixar-me efetuar as duas tarefas.
A carreira de apresentador iniciou-se na SIC, no programa ‘Os Donos da Bola’. Quais foram as maiores dificuldades que enfrentou na altura?
Era tudo muito surpreendente para a maior parte de todos nós. A rádio foi o que serviu de colheita das televisões privadas para os seus quadros e eu faço parte desse grupo. Estava na rádio Energia e na TSF quando vou à SIC para tentar entrar na redação e ficar na área do desporto. A maior estranheza é no tratamento do texto porque nós não temos de dizer tudo na televisão e temos a imagem como nosso aliado. Readaptar a minha escrita da rádio para televisão foi a dificuldade maior por que passei.
Já há 15 anos que apresenta o programa das manhãs na RTP. Continua a ser uma alegria estar à frente do formato?
É fantástico! Não imagina o número de pessoas bastante interessantes que já conheci e a quantidade de assunto que passei a ter uma noção mais real. Em alguns casos, de como isso depois contribui para que seja uma pessoa mais esclarecida e atenta a uma série de assuntos que não passam pelos interesses da maior parte dos portugueses. Tendo que estudá-los e aprofundar - mesmo que ligeiramente porque não sabemos a vida das pessoas e dos assuntos a ponto de termos um conhecimento cientifico - passamos a ter bases que nos permitem falar sobre algum tema ou conhecer melhor a personalidade de alguns convidados, figuras públicas ou não.
O facto de ser gravado no Porto dá-lhe outro destaque em relação a outros programas da manhã?
Não tenho dúvida nenhuma disso porque a comunicação é privilegiada em Lisboa. Há muita gente com muito interesse na zona Norte do país. Recordo que a norte do Tejo viverão sensivelmente seis milhões de pessoas e isto é suficiente para nos apercebermos que esta quantidade de pessoas terá também uma quantidade assinalável de empresários, cientistas, artistas, gente de muitos ramos que não se deslocam a Lisboa a miúdo e que têm ali na ‘A Praça’ a garantia de poder divulgar aquilo que fazem, que leva a que tenham o seu ganho pão, a sua profissão a sua arte. Essa capacidade de acolhermos mais proximamente essas pessoas faz com que elas também reconheçam aquele espaço como sendo delas. E é menos uma distância que se tem de cumprir. Todos sabemos que as distâncias geográficas afastam efetivamente aqueles que residem mais longe dos centros de opinião, de decisão e da importância que possam ter. Se têm pé de igualdade num estúdio de televisão que emite mais próximo das suas casas, dos sítios de onde vivem, do local onde efetuam as suas capacidades, só isto já seria suficiente para justificar a existência da emissão do programa a partir dos nossos estúdios em Vila Nova de Gaia.
Queria desvendar, ir à procura, aventurar-me. E foi isso que fiz com a representação também
Também participou em alguns formatos da ficção nacional e a primeira vez que o fez foi na série ‘Médico de Família’. O que o levou a aceitar estes trabalhos?
Comunicação. Gosto de experimentar todos os modos de chegar ao público. A representação foi mais um desses lados. A Internet é outra das capacidades que eu desde muito cedo tentei descobrir e tentei utilizar para também dar a conhecer as minhas opiniões, aquilo que gostava de partilhar com os outros. Faço-o desde o tempo em que a Internet demorava cinco minutos para abrir uma página, algo que atualmente ninguém imagina. O mesmo se passou com a representação. Queria desvendar, ir à procura, aventurar-me. E foi isso que fiz com a representação também. Como disse, tive alguns momentos esporádicos onde experimentei a representação, mas foi só na altura da minha formação como aluno. Mas aquilo que prefiro apontar como a minha preferência é a comunicação. O meio pode ser a rádio, televisão, Internet, um palco, uma série, uma telenovela...
O futebol no estado em que está não presta
Além da televisão e rádio, tem também uma ligação especial ao futebol. Uma modalidade presente, ultimamente, em muitas polémicas. Como vê este mediatismo à volta do futebol?
O que mais estranho nem é tanto a polémica e o mediatismo. Não entendo é como é que as pessoas conseguem manter a irracionalidade da sua ligação ao clube a ponto de não serem capazes de reconhecer que o futebol no estado em que está não presta. Não serve para dignificar o que serve de modelo para o desporto. O futebol não é desporto, não é virtude. Atualmente, o futebol só serve para nós apontarmos como um mundo rodeado de defeitos, de compadrios, de exemplos que nós não queremos passar certeza na educação dos nossos filhos. Isso é que me fez afastar do futebol e estranhar como é que ainda há alguém que consiga manter uma ligação ao futebol a ponto de se tornar irracional e não ter capacidade para aceitar que também os nossos do nosso clube fazem batota.
Enquanto adepto, o que poderá ter falhado e levado o futebol a estar envolvido em tantos escândalos, nomeadamente de corrupção?
Proporciona dinheiro muito fácil. É uma forma de ganhar muito dinheiro com a utilização desta paixão nacional, eu também me deixei levar pela paixão do futebol durante muito tempo. Atualmente, a única coisa que tenho é um enamoramento pelo futebol. Paixão estou longe de ter, amor ainda mais distante estou dele. O que tenho é enamoramento pelo meu clube, tenho vontade de jogar futebol com os meus amigos… Agora o fenómeno em si, para todos nós e a sociedade em geral, deveria merecer repúdio, deveria merecer um ato radical de desprezo absoluto enquanto as pessoas não fossem capazes de reorganizar e de serem honestas, que é isso que faz falta no futebol.
Chegou uma altura na minha carreira em que tive que optar ou pela carreira de treinador ou de apresentador. Quando postas nos pratos da balança essas duas possibilidades, nem hesitei por um segundoJá desempenhou o papel de treinador, tendo dirigido o Arouca em duas épocas. Por que é que não continuou?
Por todos os motivos que enumerei e porque chegou uma altura na minha carreira em que tive de optar ou pela carreira de treinador ou de apresentador na RTP. [E] quando postas nos pratos da balança essas duas possibilidades, nem hesitei por um segundo.
Ser do Sporting é ganhar se tivermos mérito para isso. Não é ganhar a qualquer custo, fazendo batota, não é ganhar menosprezando os adversários, isso não é ser Sporting e era por esse caminho que o Sporting estava a encaminharEnquanto adepto do Sporting, como viu a eleição de Frederico Varandas? É o homem certo para voltar unir o clube?
Foi talvez por causa dos sócios julgarem que tinham eleito o homem certo que cometeram o maior erro da história do Sporting que foi eleger o anterior presidente. Não há homens certos, há projetos, há ideias. O que espero é que o Francisco Varandas consiga liderar um conjunto de pessoas que leve algumas boas ideias para o Sporting para que o Sporting consiga ter sucesso. Mas mais, para que consiga manter as linhas programáticas, os fundamentos que fizeram com que o Sporting seja aquilo que é hoje, que é aquilo em que me reconheço. Ser do Sporting não é ganhar. Ser do Sporting é ganhar se tivermos mérito para isso. Não é ganhar a qualquer custo, fazendo batota, não é ganhar menosprezando os adversários, isso não é ser Sporting e era por esse caminho que o Sporting estava a encaminhar. Eu se quisesse seguir outros princípios não era do Sporting, era de outro qualquer.
Agora tem apostado nos jogos de golfe. O que mais gosta nesta modalidade que o faz ter hoje em dia uma maior proximidade?
Julgo que é a modalidade que melhor demonstra o caráter de qualquer pessoa porque o comportamento em campo da pessoa é reveladora do voto que uma pessoa é, quer seja na sua vida pessoal ou profissional. Alguém apanhado uma vez a fazer batota dificilmente vai conseguir arranjar parceiro para voltar a jogar e passará a jogar sozinho invariavelmente. Isto faz toda a diferença. Também é um desporto onde se nota perfeitamente quais são as pessoas que treinam mais do que as outras porque quem treina mais joga mesmo melhor. Isto não vai lá só com sorte. No golfe é preciso dedicação e treino para se conseguir jogar melhor. Há algumas modalidades em que nós não estamos dependentes disso. Estamos dependentes da arbitrariedade, dos adversários, do juízo dos árbitros. E isso faz toda a diferença do golfe para as outras modalidades.
Serena Wiliams tem é que treinar, jogar mais para conseguir bater as suas adversárias. É só isso que tem que fazer. Se não cumpre as regras habilita-se a ser castigada e foi isso que se passouOutra polémica que tem estado a agitar o mundo desportivo é a reação de Serena Williams à penalização durante um jogo. Enquanto amante do desporto, como é que viu esta situação?
É uma atleta com mau perder. Quem atira com uma raquete para o chão já sabe que tem direito a penalidade. Foi penalizada. Uma atleta que sabe que se o treinador lhe der indicações da bancada é penalizada. Ela foi penalizada. Uma atleta que utilize linguagem imprópria para com o árbitro é penalizada. Ela foi. Louve-se o árbitro, atenção não é louve-se o árbitro português, é louve-se o árbitro que cumpriu as regras. Dá-se a feliz coincidência dele ser português e de nós sentirmos um pouco mais esta tomada de posição da Serena Wiliams. Ela tem é que treinar, jogar mais para conseguir bater as suas adversárias. É só isso que ela tem que fazer. Se não cumpre as regras habilita-se a ser castigada e foi isso que se passou. A única polémica que se criou foi por ela mesmo e não pelo árbitro. Ele foi competente, sereno, talvez tenha sido característica que ela acabou por não demonstrar ter, serenidade.
Fora do pequeno ecrã, o que deixa Jorge Gabriel irritado e quais os momentos que lhe enchem o coração?
Música e cinema enchem-me muito o coração porque me 'teletransportam'. Consigo, quase que por magia, sair do meu corpo através da música e do cinema. São as duas formas de arte que me deixam inebriado, que me deixam fora de mim e eu adoro. O que me irrita profundamente é talvez a ingratidão. Não me dou bem com a ingratidão.
Estreou-se na paternidade aos 24 anos e foi pai pela quarta vez aos 48, do pequeno Pedro, que nasceu há quase dois anos.
Dobrei… 24 mais 24 dá 48 (risos).
Exato. E o que mudou no seu comportamento e na relação de pai e filho?
Vou voltar a usar a caraterística da pergunta anterior. O que é mudou? A serenidade. A capacidade de encaixe para reagir a qualquer eventualidade da criança. - [Exemplos:] A chucha caiu no chão. Quantos segundos esteve, cinco? Dá cá, ponho na minha boca e volta para a boca do bebé. O bebé caiu? Levante-se sozinho - Mudou principalmente a reação mais intempestiva, de pânico, quando estamos a passar por uma experiência pela primeira vez. A primeira viagem - como agora é costume dizer - de um nascimento de um filho é sempre uma descoberta, uma aventura. Não fui exceção. Com o quarto filho já tenho experiência da segunda e da terceira... Se fosse reagir da mesma maneira não tinha aprendido rigorosamente nada.
Qual dos filhos é mais parecido com o pai? Em que aspetos?
Sobre o Pedro ainda é cedo, mas talvez aquele que esteja mais próximo do meu feitio seja a Madalena. A terceira, portanto.
Só descobri o golfe há sete anos… Para conseguir deixar de ser empurrador de bola e passar a ser jogador de golfe ainda vai demorar um bocadinhoComo é viver numa família numerosa? Quais os principais desafios?
Partilha. Tentar conciliar os nossos gostos, vontades, temperamentos com a restante família. Essa é que é a chave para se conseguir viver numa família numerosa. Tolerância, partilha, compreensão… E às vezes também o levantar de voz do pai e da mãe para impor algum respeito (risos).
Aos 50 anos, o que falta concretizar?
Tudo. Falta-me correr pelo menos mais 50 [anos]. Atingi metade da minha vida. Quero trabalhar o máximo de tempo que puder e conseguir. Tenho muitas aventuras pela frente. Só descobri o golfe há sete anos… Para conseguir deixar de ser empurrador de bola e passar a ser jogador de golfe ainda vai demorar um bocadinho… E a nível profissional tenho tantos desafios pela frente, há tanta possibilidade na comunicação… A era digital veio dizer-nos a todos que nós não podemos ficar sentados à sombra da bananeira com os formatos convencionais de rádio e televisão. Temos aqui uma nova aventura. Como a espécie de descoberta da impressora. Quando pela primeira vez alguém imprimiu um livro, a partir daí a humanidade cresceu e difundiu a sua cultura. A Internet fez exactamente a mesma coisa.
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