"Não há geringonças à Direita. Eles são todos farinha do mesmo saco"
Em entrevista ao Notícias ao Minuto, Ascenso Simões elogia António Costa pela postura perante a tragédia dos incêndios e critica o "dramatismo" de Marcelo Rebelo de Sousa. O deputado socialista, cético em relação à 'Geringonça', considera que o PS deve pedir maioria absoluta nas próximas legislativas e critica o PSD, o CDS e o novo partido de Santana Lopes: "Todos farinha do mesmo saco".
© Ascenso Simões / D.R
Política Ascenso Simões
Ascenso Simões, eleito pelo círculo de Vila Real, é deputado do Partido Socialista na Assembleia da República. Aos 55 anos, já desempenhou três cargos nos governos de José Sócrates: secretário de Estado da Administração Interna entre 2005 e 2007, secretário de Estado da Proteção Civil, de 2007 a 2008, e secretário de Estado do Desenvolvimento Rural e das Florestas, de 2008 a 2009.
A entrevista com o deputado socialista começou, precisamente, sobre uma área que este conhece bem e onde exerceu funções executivas. Relativamente ao combate aos incêndios, Ascenso Simões admite que ainda há um "longo caminho a fazer no sentido de preparar o país para novas realidades", nomeadamente a de "incêndios muito grandes" com mais frequência. Na forma de abordar esta realidade, critica Marcelo Rebelo de Sousa e elogia António Costa ("um dos grandes políticos da Europa").
Com a legislatura a entrar no último ano, Ascenso Simões, que sempre se assumiu como uma das vozes socialistas mais críticas da 'Geringonça', não coloca outro cenário nas próximas eleições que não o da maioria absoluta do PS. Por esse motivo, recusa equacionar um governo dos socialistas com o Bloco, PCP ou Verdes, e nega um aproximar do partido ao PSD de Rui Rio.
Para lá da análise que faz ao momento dos sociais-democratas - "o PSD passa por uma crise de identidade como nunca passou" -, Ascenso Simões é particularmente crítico em relação ao CDS, partido que acusa de estar numa "deriva infantil". Em relação ao Aliança, novo partido de Pedro Santana Lopes, não tem dúvidas: pode roubar votos ao PSD, mas nunca ao PS.
Na primeira parte desta entrevista* ao Notícias ao Minuto, Ascenso Simões abordou ainda o fim do mandato de Joana Marques Vidal à frente da Procuradoria-Geral da República, uma decisão do Governo e do Presidente que afirma "a não recondução como prática" pelo que "os titulares saberão que lhes é concedido só um mandato único".
O problema dos fogos florestais não se resolve, gere-se. É por isso que a posição do senhor Presidente da República, que incluiu dramatismo nas soluções para o problema, é, na minha perspetiva, incorreta
Estamos perto do fim do verão. Que balanço faz, até ao momento, das medidas tomadas e da respetiva aplicação das mesmas na prevenção e no combate aos incêndios?
É muito difícil fazer, neste momento, um balanço. Aliás, é até imprudente. Sabemos de experiência passada que o outono é uma estação em que podem haver ocorrências e áreas ardidas significativas. Se olharmos para a realidade que se verificou, ou seja o número de ignições, área ardida e sucesso das operações, podemos dizer que o resultado é francamente positivo. Se olharmos para a circunstância que temos no território, diria que há ainda um longo caminho a fazer no sentido de preparar o país para novas realidades. Se olharmos para uma forma mais abrangente do problema, direi que temos de nos habituar a lidar com o fogo e saber gerir o fogo.
Como é que se explica isso às populações?
Explica-se retirando dramatismo na relação com o fogo. Vamos continuar a ter incêndios, e vamos continuar a ter incêndios muito grandes. O problema dos fogos florestais não se resolve, gere-se. É por isso que a posição do senhor Presidente da República, que incluiu dramatismo nas soluções para o problema, é, na minha perspetiva, incorreta. O senhor Presidente da República tinha tido vantagem de perceber primeiro a situação que o país tem e depois tomar uma posição que não fosse dramática e taxativa. Ao dizer que pode pôr em causa a sua recandidatura se não encontrar soluções para os incêndios, o Presidente está a dizer que os incêndios florestais têm um problema que se pode resolver em um ou dois anos.
Os incêndios florestais não têm uma solução nem num ano ou dois nem sequer para uma década ou duas, porque as mudanças civilizacionais foram muito grandes, porque o uso do território mudou muito, porque as circunstâncias que vivemos em termos climáticos são novas, e por isso temos de nos habituar a ter incêndios e a saber geri-los. Temos de gerir as áreas, de forma mais insistente e consistente, no inverno, para podermos limitar grandes incêndios no verão.
Apostar mais na prevenção.
Estas questões da compartimentação da prevenção estrutural, da prevenção operacional e do combate precisam de ter uma outra leitura e acho que ainda estamos a fazer um caminho que espero que seja feito rapidamente mas que ainda não o fizemos claramente.
Há uma diferença muito grande entre ser Presidente da República, onde se pode chorar no ombro, e ser primeiro-ministro, que é a quem compete uma leitura friaEm oposição a esse “dramatismo” que referiu em relação a Marcelo Rebelo de Sousa, o primeiro-ministro falou do incêndio de Monchique como “a exceção que confirma a regra” no combate aos fogos. Como interpreta estas palavras?
O senhor primeiro-ministro disse o que é, até hoje, a realidade. Monchique foi uma situação que, fruto de várias circunstâncias, ficou descontrolada. Quando falamos em forças de Proteção Civil, o objetivo é salvaguardar, em primeiro lugar, pessoas e bens. E aquilo que aconteceu é que, com muita discussão, por vezes com muita emoção, as forças de intervenção civil e de segurança garantiram que para um incêndio com uma dimensão tão significativa não se tivessem verificado danos pessoais que se verificaram noutros anos.
As pessoas que perderam os seus bens e os seus negócios não têm motivos para estarem zangadas com essas palavras do primeiro-ministro?
Estes momentos são sempre de grande dramatismo. Aos membros do Governo cumpre encontrar a racionalidade perante as circunstâncias, não cumpre aumentar a emotividade. A emotividade vem a seguir, depois do momento em que o incêndio terminou. Aí podemos olhar, chorar, rir, encontrar soluções. Mas, no momento, é preciso comandar uma força. E o comando da força é racional, frio, para que os meios e ações sejam eficazes. Há uma diferença muito grande entre ser Presidente da República, onde se pode chorar no ombro, e ser primeiro-ministro, que é a quem compete uma leitura fria, permanente, organizada, de comando único e de afirmação dos objetivos para resolver aquela circunstância.
Conhece o primeiro-ministro desde os tempos da Juventude Socialista e tem convivido de perto com ele, inclusive num governo. Como avalia o político António Costa?
É talvez, neste momento, para além da senhora Merkel, um dos grandes políticos da Europa. Nós não damos conta dessa circunstância em Portugal, mas a forma de governar, a integração, a leitura para além do país, a inversão do funil que António Costa conseguir introduzir quer na política interna, quer na política externa, a forma flexível e uma certa bonomia no uso do poder fazem dele uma outra personalidade para além da senhora Merkel. É pena que Portugal seja tão lateral e ao mesmo tempo tão pequeno para implicar mais nas decisões europeias e ter uma outra voz. Mas penso que no próximo mandato afirmaremos ainda mais essa capacidade de influência europeia.
O PS tem condições para reclamar, mesmo sem necessitar de o dizer abertamente, uma maioria ampla que permita resolver muitos dos estrangulamentos que se verificaram nestes quatro anosVamos entrar no quarto ano da legislatura. Alguma vez acreditou que este Governo conseguiria cumpri-la até ao fim?
Todos os meses me questiono. E todos os meses a circunstância nega a minha posição de reticência à insistência desta solução, que é uma solução de laboratório, não é uma solução que algum politólogo ou cientista político tenha algum dia pensado poder existir. Isso demonstra três coisas: a figura única do líder do Governo, a flexibilidade tática do Partido Socialista (PS) e a realidade muito portuguesa dos partidos à Esquerda do PS.
Que balanço faz, até ao momento, desta legislatura e da solução encontrada pela Esquerda?
Esta legislatura foi melhor para as circunstâncias em que estamos e em que estivemos do que aquilo que os portugueses esperavam. E beneficiou também de novas realidades europeias e internacionais, disso não há dúvida. Mas as coisas são o que são. A ração não é para quem se talha, é para quem a come.
É sabido que nunca foi um grande entusiasta da ‘Geringonça’. Defende, em oposição, uma aproximação do PS ao Centro?
A minha posição na comissão política que aprovou um Governo minoritário suportado à Esquerda foi simples: entre um governo liderado por Passos Coelho e Paulo Portas e um governo minoritário do PS não há escolha, é um governo minoritário do PS. Nas circunstâncias, implicações, interrogações que existirem, não há alternativa.
Se poderia apoiar um governo do PSD e do CDS? Não, não podia. A alternativa era, havendo uma maioria parlamentar que não era destes dois partidos, encontrar uma solução. Se essa solução era uma solução que eu entendia possível numa perspetiva da aceleração do desenvolvimento económico, de colocar as políticas do emprego e das empresas no sítio certo, de purificação do estado, de melhoria com a nossa relação com os cidadãos? Fizemos o possível. O Governo fez o possível para tentar chegar o mais longe que foi permitido pela solução parlamentar existente.
Estamos a assistir da parte do CDS a uma deriva infantil que nunca tinha visto (...) uma política mesmo carroceira ao bom estilo de alguns dos partidos mais à Esquerda da EuropaVê com bons olhos a possibilidade de o Bloco de Esquerda, de o PCP e de o Partido Ecologistas Os Verdes (PEV) integrarem um governo liderado pelo PS?
Não vale a pena inventar grandes cenários sobre isso. O PS tem condições para reclamar, mesmo sem necessitar de o dizer abertamente, uma maioria ampla que permita resolver muitos dos estrangulamentos que se verificaram nestes quatro anos. É claro que há uma história, uma nova relação com os partidos à Esquerda, uma outra intimidade na forma de fazer consertos parlamentares, até há outras lideranças… logo se verá a forma de governar tendo em conta estas realidades.
Agora, o PS não pode é estar numa situação em que todas as mudanças que importam no país possam cair no Parlamento, quer fruto do facto de o PSD e o CDS terem ficado recalcitrados por terem saído do poder da forma como saíram, quer fruto de os partidos à Esquerda continuarem a ser muito reticentes na leitura que um Governo tem de ter, designadamente porque está num espaço integrado, como é o espaço europeu.
Mas não tendo a maioria absoluta, o PS terá de procurar acordos, seja à Esquerda ou à Direita.
Compreendo que os jornalistas e os comentadores queiram sempre seguir pelo caminho do “não tendo a maioria”. As minhas respostas são sempre: acredito que é possível chegar à maioria. Portanto, desqualifico as soluções do “se”.
O presidente do PSD, agora, é Rui Rio, que quebrou com a linha de Pedro Passos Coelho, e há uma aproximação ao PS…
Não acredito que haja uma aproximação ao PS. Acredito é que o PSD passa por uma crise de identidade como nunca passou, com uma falta de leitura da sua liderança relativamente ao país, e acredito que o PSD pode vir a ter uma situação de difícil gestão no futuro. Mas isso é um problema do PSD, que não diz respeito ao PS, e que o PSD tem de resolver.
Agora, o PSD é um partido central do sistema político português, e importa que tenha uma orientação e estabilidade, até porque o Programa Nacional de Investimentos deveria ser aprovado por dois terços no Parlamento. Ora, precisamos de saber que PSD é este que permita aprovar estes documentos mais estruturantes. Neste momento é difícil perceber isto.
A partir de agora não haverá novas ponderações sobre a recondução na PGR. Os titulares saberão que lhe é concedido só um mandato únicoComo avalia a liderança de Rui Rio até agora?
Não tenho por hábito avaliar lideranças de outros partidos, isso cabe aos militantes e aos dirigentes de cada partido. O que acho é que estamos a assistir da parte do CDS a uma deriva infantil que nunca tinha visto. Sempre se verificaram, no CDS, posicionamentos mais à Direita ou mais ao Centro, mas nunca se verificou uma deriva infantil e populista como aquela que se está a verificar agora, em certas medidas uma política mesmo carroceira ao bom estilo de alguns dos partidos mais à Esquerda da Europa.
A que comportamentos infantis é que se refere?
Os líderes andarem aí a fazer recolha de lixo numa praia ou a entrarem em comboios que já se sabia que tinham um problema, ou esta visão infantil relativamente a questões tão centrais do nosso sistema como a nomeação da procuradora-geral da República, apelando todos os dias ao Presidente da República para ouvir os partidos, quando o Governo já tinha dito que iria fazer o que lhe competia. Foi quase um apelo de um menino mimado junto do pai para que bata nos irmãos que lhe estão a criar um problema momentâneo.
Joana Marques Vidal acabou por não ser reconduzida no cargo e Lucília Gago é a nova Procuradora-Geral da República. Concorda com a decisão do Governo e do Presidente da República?
O Presidente e o primeiro-ministro confirmaram o espírito da revisão constitucional de 1997 e afirmaram a não recondução como prática. A partir de agora não haverá novas ponderações sobre a recondução na PGR. Os titulares saberão que lhes é concedido só um mandato único.
[No PSD] Uns são mais institucionais, outros são mais pueris, outros mais folclóricos, outros mais rurais, outros mais urbanos. Mas vai tudo no mesmo sítioA quarta-feira passada ficou marcada pela criação do novo partido de Pedro Santana Lopes. Que comentário faz a este Aliança? O que é que ele vai mudar no nosso sistema político?
Neste momento, é um partido de um homem., não é mais do que isso. [Santana Lopes] É um homem que se acha providencial, que tem uma história política que não podemos esquecer, e que, fruto das circunstâncias, se o PSD não encontrar os seus equilíbrios pode vir a ter um resultado que lhe permita ter representação eleitoral. Sabemos do seu líder quais são as suas posições - sociais-liberais, um bocado mais à Direita do que é tradicional no PSD, a sua predisposição para uma leitura integradora da Direita que equilibre mais os movimentos que nela estão contidos - mas, até agora, não sabemos mais nada. É um partido que tem uma pessoa, uma figura relevante, mas é preciso saber mais do que isto. Agora, como ouvi, se o candidato ao Parlamento Europeu for o embaixador António Monteiro… se esse é o sentido, recuperar personalidades para a vida política, isso pode vir a criar alguns problemas ao PSD.
E não cria ao PS?
Não cria por uma razão simples: o posicionamento de Pedro Santana Lopes é entre o PSD e CDS, não entre o PSD e o PS.
O novo partido de Santana Lopes poderá funcionar como um partido para uma futura ‘Geringonça’ caso a Direita tenha mais representação parlamentar do que a Esquerda?
Não há geringonças à Direita. Eles são todos farinha do mesmo saco. Não há nenhuma divergência, eles já estiveram todos juntos. Santana Lopes foi primeiro-ministro com o CDS! A única diferença nisto é que às vezes uns puxam para um lado e outras puxam para o outro.
Dentro do PSD podiam fazer-se três partidos, e em vez de termos dois partidos à Direita tínhamos cinco ou seis. Mas é tudo igual, ali não há grande diferença. Uns são mais institucionais, outros são mais pueris, outros mais folclóricos, outros mais rurais, outros mais urbanos. Mas vai tudo no mesmo sítio, que é achar que o Estado é um centro de negócios.
*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui.
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