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"Como no fado, abriu-se uma janela de possibilidades para o cante"

O Notícias ao Minuto esteve à conversa com Sofia Ramos, voz feminina de um projeto que anda a dar novas sonoridades ao cante alentejano: os Magano.

"Como no fado, abriu-se uma janela de possibilidades para o cante"
Notícias ao Minuto

26/10/18 por Pedro Filipe Pina

Cultura Magano

É fácil pensar que a tradição já não é o que era. Mas às vezes a tradição encontra novas forças precisamente por se reinventar.

Os Magano são um projeto português que pega no cante alentejano e o leva por outros caminhos musicais. É o Alentejo a ser cantado de novo não por quem sempre lá viveu mas por quem, mesmo longe, nunca o esqueceu.

Os Magano são os irmãos Sofia (voz) e Nuno Ramos (voz e guitarra) e Francisco Brito (contrabaixo), que contaram neste primeiro álbum com a ajuda de um trio de 'Andrés'.

À conversa com o Notícias ao Minuto, Sofia Ramos conta como é que campo e cidade, passado e futuro, se vão misturando na música dos Magano, banda 'malandra' que tem no Alentejo a sua casa mas que já começou a levar o cante alentejano para lá de novas fronteiras.

Como é que surgiu esta ideia de pegar no cante alentejano e levá-lo nesta viagem por outras sonoridades?

O cante de alguma forma já estava presente na nossa vida – na minha e na do Nuno – devido à herança familiar. A nossa mãe é do Alentejo, o nosso avô cantava no grupo coral da aldeia. Já existia [essa relação] embora ainda não tivesse tomado forma.

Em 2014 estava a fazer uma residência numa casa de fados no Cais de Sodré, Povo, onde ao fim de três meses gravámos um CD. Eles lá incitam-nos a explorar vários géneros musicais e um dos géneros foi o cante. Eu tinha conhecido o Francisco Brito (contrabaixo) num espectáculo musical no Teatro do Bairro, ele era um dos músicos, e desafiei-o para uma moda à alentejana.

E resultou.

Não sabíamos como é que íamos tocar mas surgiu tudo muito naturalmente. Quando tocámos ao vivo correu muito bem e como o meu irmão já tinha feito em casa alguns arranjos de modas alentejanas, achei que não faria sentido fazer isto sem ele e então convidámos o meu irmão. Tocámos mais uma vez ao vivo, correu muito bem e continuámos a tocar.

O cante tem a base dos cores masculinos. Nos Magano combinam voz masculina e feminina. De onde veio esta opção?

Esta opção surgiu também de uma forma fisiológica, que eu sou mulher e o meu irmão é homem e não pensamos mudar de sexo [risos]. Nós gostávamos de ser um coro mas somos só dois. E pensámos: como não conseguimos fazer tal e qual como é, arranjamos maneira de fazer como nós somos. E as coisas surgem muito naturalmente. Ou eu começo a cantar uma canção e o meu irmão faz uma segunda voz, ou começa ele a cantar e eu faço outra voz, ou então cantamos em dueto. É tudo supernatural.

Em 2014 começaram a trabalhar neste projeto. Curiosamente foi também o ano da UNESCO. Este reconhecimento internacional tem permitido ao cante alentejano ir para lá das fronteira do Alentejo nestes últimos anos?

Acho que começa a haver esse movimento. Já havia alguns grupos que agarravam na música tradicional alentejana e a tornavam um pouco diferente, mas era tudo ainda muito ligado aos sons e instrumentos tradicionais do cante, como a viola campaniça, por exemplo. E era quase sempre feito por pessoas no Alentejo. Acho que esta candidatura, primeiro veio dar muito mais visibilidade. Há muito mais gente que ouve, ou que pelo menos reconhece e sabe o que é. E acho que, como aconteceu no fado, abriu-se uma janela de possibilidades. Por acaso até foi no ano em que fiz a residência. Às vezes as pessoas podem pensar [imitando] ‘Epah estes gajos fizeram isto porque o cante se tornou Património e aproveitaram-se disso’. Não tem nada a ver. Foi mesmo acaso. E quando tocámos pela primeira vez ainda só havia candidatura!

Notícias ao Minuto© Divulgação

O álbum acaba por reinventar várias músicas que já eram trabalhadas no cante. É muito diferente este processo de transformar uma música que já existe e dar-lhe outro toque mais moderno, de fazer isso já de raiz?

Creio que sim. Temos uma estrutura, uma moda que tem a sua melodia, que é feita através das vozes. Isso é a nossa base. Tentamos respeitar isso ao máximo. A outra parte, a do arranjo instrumental, surge como complemento à música. Acho que se as separarmos não se identifica logo como cante. Mas quando se juntam, complementam-se de forma a dar uma nova sonoridade. O Francisco costuma dizer que é muito divertido fazer arranjos para estas músicas porque são músicas que vêm muito de dentro. Então o arranjo não pode querer mudar a música em si, mas pode trazer algo de diferente.

No futuro contam ter mais temas originais?

Sim. Queremos fazer mais coisas. Gostamos muito deste desafio, de agarrar a música tradicional e de alguma forma reinventá-la, mas também queremos que isso seja sempre uma inspiração para criarmos mais músicas. Acho que é também um ponto de partida interessante para a criação de nova música portuguesa: agarrar na tradição e deixar que nos inspire.

O folheto do álbum conta com uma biografia curta, muito terna, do vosso avô, o João. Ele acabou por ser uma figura decisiva para os Magano.

Sim, sem ter sido algo que nos tenha sido imposto, o nosso avô deixou-nos essa herança. Nós somos a primeira geração da nossa família a crescer fora do Alentejo. E somos talvez a primeira geração desse lado da família, depois do nosso avô, que consegue cantar bem [risos] e acho que nos deixámos levar.

Havia muitos convívios familiares em que ouvíamos o cante. Cresceu naturalmente, como acontece com qualquer pessoa que vive rodeada de música e ganha esse gosto.

A história do vosso avô lembrou-me o primeiro álbum dos Rio Grande (Rui Veloso, Tim, João Gil, Jorge Palma, Vitorino e João Monge), não sei se se lembra do projeto

Lembro sim! Quando íamos em viagem com os nossos pais andávamos sempre a ouvir isso.

Também era assim comigo. Aquele primeiro álbum dos Rio Grande era uma história assim, de crescer no campo, partir para a cidade e, mais velhos, com os filhos já crescidos, voltar outra vez ao campo. A vossa música acaba por tentar fazer também esta aproximação entre campo e cidade, entre estas diferentes portugalidades?

Sim. Queremos muito fazer isso. A diferença é que já não somos do Alentejo, já não temos essa experiência de sair e um dia querer voltar porque não vivemos lá, passávamos lá férias. Mas queremos muito respeitar as nossas raízes e a tradição da nossa música, do cante alentejano como ele é. Gostamos muito do que nos foi deixado. E mesmo que o nosso corpo não seja 100% alentejano, acho que agarrarmos nesta música e tentarmos tocar à nossa maneira é uma forma de a respeitar este tipo de música.

Como é que está a ser recebida entre os alentejanos que já conheciam bem o cante?

Nas primeiras vezes que fomos tocar ao Alentejo íamos com muito medo por causa disso mesmo, estávamos a tocar algo natural daquele sítio mas a dar-lhe nuances novas. Mas tivemos uma boa receção. É bom termos pessoas que cantam o cante e que costumam ouvir o cante a dar-nos força. O David Pereira, que é mais jovem e faz parte de um projeto - Há Lobos sem ser na Serra - também canta o cante, e diz-nos:” Continuem, levem o cante para a cidade”. Há um certo orgulho em ser malta que já não é do Alentejo mas é descendente a não esquecer os seus antepassados. Para nós é sinal de que não estamos a fazer as coisas mal.

E fora do Alentejo, como estão a ser recebidos os Magano?

Nós, de início, tínhamos ideia de que este projeto ia ser para uma faixa etária mais velha, mais tradicional. Mas na verdade o facto de darmos estes arranjos leva a que uma geração mais nova, que se calhar não ouve tanto o cante, ouça este tipo de música porque tem uma roupagem nova. Temos tido uma receção muito boa. E é engraçado porque em concertos que já demos encontramos os miúdos pequeninos a dançar a nossa música. Ficam super-atentos. Acho que cativa também usarmos instrumentos fora do normal mas é giro ver os miúdos a dançar assim a nossa música.

E como vê o atual momento da música portuguesa, cantada em português?

Acho que a música cantada em português tem muito mais força do que há uns anos. Há ainda mais coisas de qualidade. Acho que tínhamos um certo preconceito. Víamos um filme dobrado em português e pensávamos: isto em inglês ficava melhor. Mas acho que já nos habituámos a ouvir mais coisas em português. Há mais compositores capazes de escrever, de dizer as coisas com a nossa língua. E isso é uma coisa brutal, o sermos capazes de nos ouvir. Agora há malta mais jovem, que também explora a música tradicional. Temos os Mutrama, que tocam música da Madeira e é brutal. Nem conhecia a música da Madeira. E há Carolina Deslandes, há Agir, gente tão diferente, malta que chega longe a cantar em português e isso é de louvar. Acho que já passou esse tempo em que ouvir música em inglês era muito mais fácil do que em português.

E esta escolha de Magano [malandro] como nome?

A minha avó chamava muito isso ao meu irmão quando ele se portava mal. Agora vou dizer uma asneira que no Alentejo não é bem visto como asneira [imitando o sotaque] ‘Ah magano d’um cabrão, anda cá que t’aperto o pescoço’]. Nem houve discussão para escolher o nome. O meu irmão já tinha pensado nisto e nós aceitámos logo. Pronto, é isto, não faz sentido ser outra coisa.

Já havia Magano antes de serem os Magano.

Verdade.

E o futuro próximo? Há concertos na agenda?

Estamos em fase de promoção do álbum. Passaram poucas semanas desde o lançamento (5 de outubro). Estamos a trabalhar na agenda, com algumas coisas por confirmar. Pelas nossas redes sociais vão saber tudo o que vai acontecer.

O primeiro álbum de Magano já se encontra à venda.

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