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"Queremos dar sinal que queremos atrair pessoas com boas qualificações"

O secretário de Estado da Economia, João Correia Neves, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

"Queremos dar sinal que queremos atrair pessoas com boas qualificações"
Notícias ao Minuto

13/12/18 por Beatriz Vasconcelos

Economia João Correia Neves

Se pudéssemos traçar um perfil do tecido empresarial português e dos desafios que estão pela frente, como seria? Numa altura em que o Governo está a organizar um conjunto de encontros com empresas e associações, em todo o país, para promover a aproximação, é altura de fazer balanços sobre os vários projetos que estão em curso.

Neste contexto, o Notícias ao Minuto falou com o secretário de Estado da Economia, João Correia Neves, de 61 anos, que apesar de estar no cargo há poucas semanas, conhece bem os cantos ao Ministério da Economia, onde nos recebeu, no seu gabinete. 

Esta quinta-feira decorre mais uma edição do ciclo de encontros, desta vez em Leiria, e o objetivo é perceber junto dos empresários o que se faz de bom e quais são as dificuldades, conforme nos contou. Numa conversa que durou pouco mais de meia hora, houve tempo para abordarmos o plano do Governo para atrair mão de obra qualificada; que apoios estão ao dispor de quem quer criar um negócio; a importância de não se deixar uma empresa isolada; e as novidades da Web Summit. Foram ainda tema de conversa a dificuldade de instalar empresas em  determinadas regiões e os desafios daquele que é o último ano da legislatura de António Costa. Afinal, existe ou não uma pressão adicional para que as coisas corram bem?

Começo por lhe perguntar qual é o objetivo deste ciclo de encontros?

O objetivo principal é estar próximo dos empresários e das empresas. Somos um país com uma grande diversidade do ponto de vista das atividades industriais que estão presentes no território. Temos esses setores industriais, essas empresas, espalhadas pelo conjunto do nosso território. Evidentemente, a faixa litoral que vai de Setúbal a Braga é aquela que tem uma maior densidade de empresas, mas o Governo quer estar presente quer nas áreas de maior densidade empresarial, quer também naquelas em que a densidade é menor, porque o Ministério dá muito valor ao trabalho das empresas nos territórios em que essa densidade é menor, no sentido de reforçar a criação de emprego e a atração de pessoas para equilibrar o país do ponto de vista daquelas que são as diferentes atividades.

A proximidade às empresas é também perceber aquilo que se faz de bom - que tem capacidade de se afirmar internacionalmente, do ponto de vista dos produtos e serviços que correspondem a estratégias competitivas assentes no valor que as empresas conseguem criar - e quais são as dificuldades, e em que medida as políticas públicas podem ajudar a superar essas dificuldades.

Nesse sentido, por que razão Aveiro foi a cidade escolhida para ser o local do primeiro encontro?

Aveiro tem empresas de grande valor que apostam na inovação, na internacionalização, nas relações entre empresas portuguesas de dimensão internacional... Há outros exemplos, mas Aveiro parecia ser um daqueles [locais] que, à partida, seriam óbvios do ponto de vista de escolha. Mas, como disse, quero equilibrar aquilo que são os distritos com maior presença com aqueles que têm, eventualmente, mais dificuldades e em que os bons exemplos são mais escassos, para ter uma visão de proximidade com todos os setores e com todos os tipos de empresas.

Notícias ao MinutoJoão Jorge Arêde Correia Neves nasceu em Ponte de Sôr, em 1957© Notícias ao Minuto

Aquela ideia de que a maioria do tecido empresarial português está no Norte do país tem vindo a reforçar-se ou, pelo contrário, tem-se desvanecido?

Do ponto de vista da atividade exportadora, temos uma concentração na faixa que vai desde a região de Lisboa até Braga. É aí que se concentram, em grande medida, aqueles que são os principais indicadores da atividade industrial.

Temos noção de que em algumas áreas do país, a capacidade de instalar empresas de maior dimensão não é tão simples como noutrasNo primeiro encontro, teve oportunidade de estar em várias empresas.

A lógica é a de ter a possibilidade de interagir com empresas, mas também com estruturas associativas empresariais, com centros tecnológicos, com outras instituições de I&D, com incubadoras de empresas e com startups. É também ter diversidade daqueles que são os diferentes modos de inserção da atividade económica de base industrial, para podermos ter uma visão particular em relação às empresas, daquilo que estão a fazer, mas também ter uma visão daquilo que são as dinâmicas de envolvente empresarial. Temos a noção de que quando temos uma empresa isolada ela tem dificuldades de crescer, de procurar a mão de obra qualificada de que precisa, de ter os apoios de que necessita, para se conseguir transformar numa empresa com capacidade e com força na relação com os mercados. Quando temos uma envolvente empresarial diversificada, com diferentes tipos de serviços, temos maior facilidade em que as empresas constituam um pólo de atração de talento que possa reforçar a sua capacidade competitiva.

Portanto, esta visão e este cruzamento com vários tipos de entidades é também a lógica de favorecer um desenvolvimento da capacidade competitiva das empresas, assente naqueles que são os critérios mais distintivos dessa capacidade competitiva: qualidade, inovação, articulação entre saber fazer industrial e modelos de gestão que sejam também de topo.

O que está a ser feito relativamente a essas empresas que estão isoladas?

Muita coisa. Estamos a tentar criar, em várias áreas, um ambiente que favoreça a que essas empresas tenham essa envolvente empresarial muito mais forte. Por um lado, temos atividades de promoção daquilo que é o empreendedorismo. Temos noção de que em algumas áreas do país, a capacidade de instalar empresas de maior dimensão não é tão simples como noutras, mas nós podemos favorecer, por exemplo, que os estudantes do ensino superior possam criar o seu emprego a partir de conhecimentos que tenham. Há um núcleo de atividades de incubação que está espalhado pelo país, são mais de 135 entidades dessa natureza, e isso favorece a criação de emprego qualificado e de emergência de novas atividades empresariais. Temos também a instalação de centros de investigação colaborativa, um pouco por todo o país que engloba também zonas de menor densidade [empresarial].

Temos tido uma preocupação nos programas do Portugal 2020 em fortalecer a componente dos territórios de baixa densidade. Temos apoios nessa área que, em termos percentuais, são maiores do que o emprego das diferentes regiões, precisamente porque há uma discriminação positiva para esse tipo de territórios. Portanto, há a confluência de um conjunto de instrumentos, quer de natureza financeira, quer também de natureza fiscal no sentido de fortalecer que haja um maior equilíbrio entre o território.

Temos condições de transformar os modelos de negócio a partir desta mudança tecnológica, que todos estamos a viver Como é que o programa Indústria 4.0 pode vir ajudar nesse processo de equilíbrio?

Todos temos noção de que há uma grande mudança naquilo que são as atividades associadas à produção de conhecimentos e ao seu desenvolvimento. Hoje temos mudanças que são facilitadas pela tecnologia. Temos uma transformação digital da nossa economia, que nos permite facilitar a localização das empresas, porque antes ou as empresas estavam próximas das matérias-primas que iram transformar ou estavam próximas dos consumidores. O que nós vimos hoje é que a lógica de localização empresarial pode ser muito distinta, porque resulta de formas de comunicação, quer com os seus clientes quer com os seus fornecedores, que são facilitadas pela tecnologia.

Temos uma estrutura industrial que é muito assente no 'saber fazer' dos empresários: os empresários não são apenas detentores de capital, eles próprios têm um conhecimento técnico muito acentuado Temos condições de transformar os modelos de negócio a partir desta mudança tecnológica, que todos estamos a viver. Isso, tem uma dimensão de mudança tanto da engenharia dos processos como da organização das empresas, que vai mudar aquilo que é o padrão de especialização dos países. Numa primeira fase, estamos numa lógica centrada na sensibilização das empresas para a importância das mudanças que o digital vai trazer, mas estamos empenhados em passar desta fase de sensibilização para no futuro favorecer que as empresas dos diferentes setores económicos possam organizar-se em função da disponibilidade da tecnologia que hoje temos.

Se tivermos produtos que o mercado não quer, temos muita dificuldade em sustentar as nossas empresas Essa ideia está a ser bem recebida junto das empresas ou há alguma estranheza?

Não. Evidentemente que temos diferentes tipos de empresários e diferentes tipos de empresas. Evidentemente que também há diferenças na perceção destas mudanças tecnológicas, isso é algo que atravessa a nossa estrutura industrial, como atravessa todos os países. Há sempre pessoas mais sensíveis às mudanças tecnológicas do que outras. É para aqueles que têm menos sensibilidade que nós estamos a tentar promover estas iniciativas. Temos uma estrutura industrial que é muito assente no 'saber fazer' dos empresários: os empresários não são apenas detentores de capital, eles próprios têm um conhecimento técnico muito acentuado. Aquilo que nós estamos a tentar fazer com estas iniciativas de sensibilização e divulgação é tentar mostrar que esta mudança tecnológica lhes pode favorecer aquilo que eles já conhecem do ponto de vista do processo e articular aquilo que é a produção com a capacidade de relação com os seus clientes.

Uma das mudanças que está mais patente é que temos condições de estar mais próximos dos mercados, percebermos quais são as tendências que os mercados têm e, portanto, tentarmos fazer aquilo que os mercados desejam do ponto de vista do consumo final, mas também do consumo intermédio das outras indústrias. E isso é muito importante. Quem conhece melhor os mercados consegue estar mais adaptado a esses mesmos desejos. Se tivermos produtos que o mercado não quer, temos muita dificuldade em sustentar as nossas empresas, se tivermos produtos que os consumidores desejam, com certeza estaremos mais próximos de ter boas capacidades de venda dos nossos produtos.

Temos instrumentos específicos quer para a definição do modelo de negócio, quer para uma fase mais avançada da internacionalização Do ponto de vista geral, em que é que essa evolução pode ser importante para o estado atual da economia portuguesa?

Já está a ser. Esta mudança que nós sentimos de investimento de empresas internacionais no aproveitamento de capacidades técnicas que temos em Portugal [é exemplo disso] - porque temos uma geração que é muito mais qualificada do que gerações anteriores, nomeadamente nas áreas das engenharias e das ciências da vida. Temos verificado que há muitas empresas internacionais que já percebem que há aqui uma grande mudança, que o país está a aproveitar, sobretudo nessas gerações que têm uma qualificação mais forte. O país já está a aproveitar esta mudança do ponto de vista da tecnologia e também dos recursos qualificados que temos. Aquilo que nós queremos disseminar são estas capacidades para os setores industriais, onde já estão presentes, [mas] que ainda estão num processo de mudança do seu posicionamento competitivo.

Relativamente às linhas de financiamento, o que é que se pode dizer a uma pessoa que tem um ideia de negócio e que quer avançar com essa mesma ideia? Que instrumentos e apoios tem ao seu dispor?

Temos muitos instrumentos. Às vezes, temos instrumentos a mais, mas temos instrumentos para quase tudo: desde a definição do negócio associado a uma ideia até toda a fase de desenvolvimento desse plano de negócio, até ter uma empresa estruturada. E para as empresas estruturadas também temos apoios de diferente natureza, quer para a modernização produtiva, associada a inovação, quer para a internacionalização das atividades, como presença em feiras internacionais, prospeção de mercado… Temos instrumentos específicos quer para a definição do modelo de negócio, quer para uma fase mais avançada da internacionalização. Pelo meio, temos mecanismos de apoios ou instrumentos financeiros, quer também de disponibilização de capital de risco, de financiamento a crédito.... Temos uma enorme panóplia de instrumentos. Quase que todas as ideias que podem surgir do ponto de vista empresarial estão cobertas por instrumentos públicos.

Se não tivesse havido estas alterações do ecossistema, não teríamos condição de garantir a Web Summit por mais 10 anosEstamos numa altura em que nascem startups, quase que…

Todo o dia. (risos)

E não só startups, também empresas, como os 'unicórnios', que se internacionalizaram e dão que falar lá fora. Considera que estes acontecimentos foram proporcionados pelo ambiente envolvente?

O ambiente é muito distinto hoje do que era há cinco ou 10 anos. Nós temos um ecossistema de criação de startups que é muito mais favorável e demos passos muito significativos. Essa era, aquilo que há pouco estava a dizer, a expressão da fortíssima presença das empresas internacionais em Portugal à procura daquilo que é desenvolvido pelas nossas startups. Depois temos o evento da Web Summit, que em si mesmo também é expressão dessa mudança. Se não tivesse havido estas alterações do ecossistema, não teríamos condição de garantir a Web Summit por mais 10 anos. Eles estão onde está a dinâmica. Se não houvesse dinâmica, eles partiriam para outras paragens que lhes dessem melhores condições de estar perto dessa atividade fervilhante que as startups têm.

Quando estamos no nosso canto e temos pouco conhecimento daquilo que se passa no mundo, podemos fazer coisas muito interessantes, mas se calhar não conseguimos aproveitar bem essas ideiasAproveito que fala na Web Summit para o questionar sobre o balanço da edição deste ano.

É novamente muito positivo. Temos um número de presenças que é muito forte e só não temos mais porque o espaço que é disponibilizado está, neste momento, nos limites da capacidade e, portanto, não poderíamos ter mais gente do que aquela que tivemos. É por isso que no plano para os próximos 10 anos também está previsto um aumento da capacidade das instalações para poderem acolher mais gente, porque a tendência é para que isso aconteça.

Do ponto de vista do volume de contactos que nós tivemos este ano ele também é muitíssimo elevado e estamos agora a tratar daquilo que foram os contactos potenciais que podem originar negócios no espaço nacional, mas também ajudar a que outros que são internacionais e que estabelecem a Web Summit como uma plataforma para outras paragens. Estamos a tentar construir, a partir da Web Summit, um conjunto de relações com startups de outros países [para] que possam intercambiar experiências, conhecimentos e investimentos.

A criação desta rede de contactos é muito importante para conseguir consolidar os negócios. Quando estamos no nosso canto e temos pouco conhecimento daquilo que se passa no mundo, podemos fazer coisas muito interessantes, mas se calhar não conseguimos aproveitar bem essas ideias. Se  tivermos capacidade de construir redes com outros conhecimentos, com outras formas de pensar, teremos de certeza melhores condições de afirmar a nossa diferença.

Isso faz parte da estratégia de manter a atratividade da Web Summit durante os próximos 10 anos?

Faz parte não apenas de construir uma Web Summit atrativa, mas também de a Web Summit servir como um instrumento para que o investimento em Portugal também possa ser feito, quer nas startups quer noutro tipo de empresas de base tecnológica mais avançada, com investimentos mais seguros e mais fortes para os mercados internacionais . Porque a Web Summit não é apenas uma espécie de feira de contactos, é sobretudo um momento em que os negócios se podem concretizar. Podemos aproveitar o facto de termos cá tanta gente e termos, não apenas ideias, mas também investidores, gente que anda à procura dessas mesmas ideias.

Queremos ser uma sociedade aberta, uma sociedade que favoreça que as pessoas com muitas qualificações venham instalar-se em Portugal. Temos condições para isso Isso é muito importante, mas aproveitaria para lhe perguntar qual é o real impacto de termos a Web Summit cá?

Há o impacto evidentemente direto da existência da Web Summit em Portugal e há um conjunto de estimativas que apontam que, só por isso, é um evento de forte impacto económico em Portugal, sobretudo na região onde ele se concretiza. Mas a Web Summit é muito mais do que uma simples feira de tendências tecnológicas, é um espaço de negociação e de investimento. Assistimos a que as maiores empresas mundiais, e os principais dirigentes dessas mesmas empresas, vêm à Web Summit e não viriam a uma feira só por virem a uma feira se não houvesse negócio associado.

É uma plataforma de negociação de grandes investimentos e de grandes mudanças do ponto de vista da tecnologia e isso tem um enorme valor, porque nós estamos no centro dessa negociação: alguns investimentos virão para cá, mas para além de investimentos aqui, podemos ter condições de criar um ambiente em que as nossas próprias empresas participem numa mudança também do valor associado aos seus produtos, que se insiram em cadeias de valor muito mais sofisticadas, porque têm a capacidade de ter contactos que de outra maneira demorariam anos a conseguir chegar à pessoa certa nas grandes empresas internacionais.

Notícias ao MinutoCorreia Neves é secretário de Estado desde 17 de outubro de 2018© Notícias ao Minuto

É neste contexto muito favorável a estes cruzamentos quer de ideias quer de pessoas que o Governo lançou uma nova iniciativa que é a possibilidade de mobilização de quadros muito qualificados estrangeiros para Portugal. Esta é uma iniciativa que visa facilitar os vistos de entrada dessas pessoas muito qualificadas e que possam corresponder às necessidades quer das empresas portuguesas quer de outras empresas que estejam sediadas no espaço nacional, que é o TechVisa. Esta é uma mudança que nós queremos ter, porque para haver mudança da nossa estrutura empresarial é preciso ter grande capacidade de atração de talentos. Para isso é necessário, não apenas facilitar os vistos, mas também a instalação dessas pessoas em Portugal.

Os centros de incubação são um instrumento para isso, mas a Startup Lisboa tem dado um contributo muito importante para que essas pessoas individuais quando vêm para Portugal tenham capacidade de encontrar as pessoas certas para lhes facilitarem a sua instalação. Existem hoje 135 instituições de incubação espalhadas pelo país e isso faz toda a diferença, porque às vezes as pessoas vêm, mas depois têm dificuldade de se integrarem na realidade económica e social do país. Queremos ser uma sociedade aberta, uma sociedade que favoreça que as pessoas com muitas qualificações venham se instalar em Portugal. Temos condições para isso.

O que tínhamos era também uma elevada mortalidade das empresas num período que é caracterizado pelo ‘vale da morte’, do ponto de vista económico, mas que tende a que as boas iniciativas depois tenham uma taxa de mortalidade elevadaHá setores da economia, nomeadamente o industrial, que se queixam de falta de mão de obra qualificada…

É verdade.

Essa iniciativa é, de alguma forma, para responder a essa questão?

É para responder a essa questão naquilo são os trabalhadores de elevadas qualificações. Evidentemente que nós temos um procedimento que está estabelecido em relação aos vistos que podem ser concedidos para trabalho em Portugal que gostaríamos muito de agilizar. Estas mudanças são muito curiosas, porque tivemos taxas de desemprego muito elevadas e hoje a taxa de desemprego está a descer – e ainda bem que está a descer – e temos as dificuldades normais de quando as taxas de desemprego estão mais baixas. Queremos sobretudo pessoas de boas qualificações, não quer dizer que não haja necessidades de mão de obra em pessoal menos qualificado e algumas atividades também o precisam, mas nós queremos dar o sinal de que queremos atrair pessoas com boas qualificações, porque é isso que pode fazer um impacto mais forte sobre aquilo que é a capacidade das empresas. Se tivermos instrumentos que são dirigidos às pessoas mais qualificadas é para aí que as coisas tenderão a ser mais simples de se concretizar.

Relativamente ao programa nacional de incentivo ao empreendedorismo, qual é o balanço?

Temos tido, tradicionalmente em Portugal, um volume de criação de novas empresas muito elevado. O que nós tínhamos era também uma elevada mortalidade das empresas num período que é caracterizado pelo ‘vale da morte’, do ponto de vista económico, mas que tende a que as boas iniciativas depois tenham uma taxa de mortalidade elevada. A lógica de termos apoios desde a definição do plano de negócio inicial até empresas mais estruturadas é que não seja por falta de apoios que as empresas não tenham condições de se manter. Há sempre dificuldades. As boas ideias às vezes são boas ideias, mas o mercado não as aceita ou porque realmente não eram tão boas ideias ou porque há dificuldades de ter não apenas a boa ideia como a possibilidade de a presença no mercado corresponder a essa definição do negócio. Isso é o mais normal.

Não estamos com taxas de crescimento do PIB muito elevadas, mas estamos num ambiente económico muito distinto do que o que estávamos Estamos a ter a possibilidade de construir o ecossistema que, em si mesmo, favoreça que essas empresas tenham as melhores condições para que se mantenham quando as ideias são efetivamente ideias que o mercado as pode agarrar e desse ponto de vista as coisas estão a correr muito bem. Nós percebemos que não é apenas a criação de empresas que está a ser sustentada, mas também a própria criação de emprego. Não é apenas a taxa de desemprego que está a descer, mas é o volume de criação de emprego que resulta das novas iniciativas e das iniciativas das empresas que já estão estabelecidas, que tem vindo a crescer. Esse é um sinal de que os resultados estão a ser promissores.

É mais fácil as empresas manterem um negócio hoje do que há três anos?

Julgo que sim. Oambiente económico do ponto de vista global é muito mais favorável para que isso aconteça. Estávamos com uma procura muito deprimida. Não estamos com taxas de crescimento do PIB muito elevadas, mas estamos num ambiente económico muito distinto do que o que estávamos. Basicamente, tivemos uma crise de procura, que resultou em taxas de desemprego muito elevadas e níveis de investimento muito baixos. Neste momento, estamos com taxas de crescimento em Portugal muito distintas do que as que tivemos no passado, que é um crescimento pelo padrão médio daquilo que a União Europeia está a crescer, ligeiramente acima. Mas a União Europeia também não está a crescer muito, portanto desejaríamos sustentar este crescimento e ter condições de o manter e conseguir corresponder a um padrão que favoreça a aproximação dos nossos valores com os valores médios da União Europeia. As exportações estão a crescer de forma bastante sustentada, nestes últimos anos e, sobretudo, o investimento tem vindo a crescer. O nosso crescimento económico tem de estar assente na capacidade de vender produtos fora de Portugal – e as nossas exportações hoje representam 44% do PIB quando há 10 anos representavam quase metade deste valor.

Estamos mais abertos à capacidade de vender produtos nos mercados internacionais e transformamos aquilo que eram valores baixíssimos de investimento em taxas de crescimento muito razoáveis. É por aí que nós temos de crescer, porque o mercado interno como todos nós sabemos é muito reduzido, tem uma dimensão que não permite que os investimentos sejam rentáveis se forem exclusivamente orientados para o mercado interno. Quem pensa tem de pensar aberto ao mundo e isso exige investimento e conhecimento dos mercados.

Quem pensa em exercer funções desta natureza em função dos calendários eleitorais não percebe as mudanças do mundo e com certeza que isso comigo não vai acontecer Que análise faz dos últimos três anos de governação, apesar de estar no cargo há poucas semanas?

Acho que houve um conjunto de iniciativas muito apropriadas [sobre] aquilo que são as mudanças que o mundo tem vindo a ter, muito ajustadas naquilo que todo o mundo vai discutindo. Estamos na crista da onda nessas dimensões. Gostaríamos de aproveitar para que quando essas ideias nascentes se possam materializar em negócios de grande dimensão, nós podermos também estar nisso. Os tais unicórnios de que falou... começamos a ter os primeiros e gostaríamos muito de ter condições de termos mais, de termos um ambiente que favoreça o alargamento dessa presença internacional de ideias que nasceram cá, mas estamos a ter mudanças que também vão no sentido de termos as empresas dos setores mais tradicionais a ter produtos e serviços de maior qualidade. Significa que não apenas estamos a crescer, como estamos a crescer em produtos de melhor qualidade. Essa é uma batalha que nunca está ganha. É algo que temos sempre de construir porque os outros países e as outras empresas estão também a olhar para os mercados na tentativa de fazerem o percurso que Portugal está a fazer e que, reconhecidamente, as empresas e instituições internacionais percebem que esse percurso está a ser feito.

E há uma pressão adicional pelo facto de o próximo ano ser de eleições legislativas e o argumento da economia ser um dos mais utilizados pelo atual Governo?

Se eu tivesse funções de secretário de Estado da Economia, da relação com as empresas, e se a minha orientação fosse em função do ano eleitoral, as pessoas não me perdoariam, os empresários não me perdoariam. Este é um percurso que tem de ser feito com persistência dos instrumentos de política pública, tal e qual como os empresários sabem que quando abordam o mercado, não basta lá ir uma ou duas vezes, é preciso persistência. Nós aqui para obter os resultados do ponto de vista económico também temos de ter essa persistência. Quem pensa em exercer funções desta natureza em função dos calendários eleitorais não percebe as mudanças do mundo e com certeza que isso comigo não vai acontecer.

Falemos agora do futuro. Quais são os principais obstáculos e desafios que prevê para o próximo ano?

Estamos ativamente a tentar construir que as estruturas empresariais e os institutos de investigação e as atividades da envolvente empresarial, que como já percebeu eu dou muita importância, tenham uma dinâmica mais forte. A política de 'clusters' é um instrumento muito essencial para isso, novamente uma política que tem de ser persistente. Ou seja, todos dizemos que há muita aversão à colaboração entre as pessoas, entre as empresas, entre as instituições e que isso dificulta que as coisas sejam feitas da melhor forma, [mas] aquilo que nós estamos a procurar é que estas atividades de 'clusterização' da nossa economia sejam reforçadas. Porque temos a convicção de que se nós conseguirmos partilhar aquilo que é possível partilhar - isso não significa que as empresas deixem de ser concorrentes entre elas, mas há um espaço para a concorrência e um espaço para a colaboração -,  se elas puderem colaborar em objetivos comuns (quer até ao nível da construção até de produtos que são complementares dos seus vizinhos, quer na participação em feiras internacionais, quer na construção de projetos de investigação colaborativa) estamos a dar contributo para que, no futuro, a afirmação dessas mesmas empresas seja mais forte.

É um trabalho de pequenos passos, de persistência. Nos próximos meses não vamos conseguir ter já os resultados desta política, mas com certeza que daqui a um ano ou dois perceberemos que uma ou duas destas iniciativas geraram projetos de grande importância na nossa estrutura industrial. Esse é trabalho que temos de fazer nos próximos tempos, esperando que os frutos apareçam.

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