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"Uma das regras é não imitares o próximo e teres uma identidade"

Sam The Kid e Mundo Segundo são os entrevistados de hoje do Vozes ao Minuto.

"Uma das regras é não imitares o próximo e teres uma identidade"
Notícias ao Minuto

14/01/19 por Beatriz Vasconcelos e Francisco Amaral Santos

Cultura Entrevista

Samuel Mira, mais conhecido por Sam The Kid, e Edmundo Silva, mais conhecido por Mundo Segundo, são duas das figuras incontornáveis do hip hop português. Marcaram uma geração inteira que ainda hoje os acompanha. São músicos, compositores, MCs e produtores. Acreditam que o reconhecimento e o "suposto estatuto" vêm da obra feita e do 'knowledge' que estão constantemente a adquirir.

Os dois conheceram-se ainda antes de saltarem para a ribalta e de abrirem portas a uma nova geração da música em Portugal, há mais de 20 anos. Agora, Sam The Kid e Mundo Segundo têm 39 e 37 anos, respetivamente, e juntaram-se para reeditar o tema 'Gaia Chelas', curiosamente o primeiro que gravaram em conjunto. Isto depois de já terem lançado, juntos, os singles 'Tu Não Sabes', 'Também Faz Parte' e 'Brasa'. 

No nome do novo single está a origem, já que Sam é de Chelas, em Lisboa, e Mundo é de Gaia, no Porto, mas a distância nunca foi um problema.

Em entrevista exclusiva ao Notícias ao Minuto, Sam The Kid e Mundo Segundo revelam ter uma relação de cumplicidade e partilham também a forma como veem o hip hop. Refletem sobre as inspirações, fazem comparações entre o presente e o passado e ainda debatem o consumo de música nas plataformas digitais. 

Qual a história deste tema agora reeditado, o 'Gaia Chelas'?

Sam The Kid (STK): Esta é uma das primeiras músicas que gravámos no nosso projeto, que está em andamento há muito tempo. Começámos a tocá-la ao vivo e até já há alguns vídeos que circulam na internet. Então eu disse ao Mundo: 'Epá se nós cantamos isto ao vivo, talvez esteja na altura de mostrarmos a versão de estúdio às pessoas. Assim até é melhor. As pessoas podem consumir e acompanhar'.

Mesmo assim a versão que cantávamos ao vivo inicialmente era uma versão crua. Ou seja, a música agora tem um update que antes não tinha e tem um refrão mais específico. Antigamente a música respirava e só se ouvia 'Gaia Chelas Gaia Chelas'. Agora tem outras palavras e regravámos a letra. Ao cantar tantas vezes ao vivo tu vais ganhando novas nuances de performance que depois podes colocar na versão gravada. Por exemplo, inicialmente a música estava gravada de uma forma... Deixa ver [começa a cantar]:

'Sobretudo tenho o mundo à minha volta para escrever a minha história desde que a memória deixe... para escrever a minha história desde que a memória deixeeeeeee.'

Ou seja, arrasto a última palavra. Com o tempo isso foi ficando e agora ao regravar introduzimos essas pequenas nuances. Em relação ao tema, não é nada do outro mundo em termos conceptuais. Acho que se explica por si mesmo. Mostramos de onde cada um vem. Tanto a nível geográfico como ao nível do tempo que cá estamos. Sinceramente, diria que não é nada de 'groundbreaking'. Nada que não tenhamos abordado, mas há sempre algo a dizer que ainda não dissemos. É uma rima típica de quando um gajo está cá há algum tempo: 'Eu vim daqui, vim de ali e foi difícil'. Acaba por ser típico, mas é interessante, as rimas são novas.

Agora conseguimos chegar às pessoas de forma mais democrática e isso é muito importanteEm termos de produção, e tendo em conta que o single 'Brasa' foi produzido por um norte-americano, há alguma novidade neste 'Gaia Chelas'?

Mundo Segundo (MS): A título de curiosidade, esta foi a primeira música que fizemos juntos. Acrescentámos algumas coisas, mudámos as fontes originais de bateria, mas ainda não estávamos satisfeitos com o tema ao nível de produção e de lírica. Agora está no ponto. Este é um tema talvez um pouco mais lento, mas também cria um espaço diferente para aparecemos com estilo de rima diferente comparativamente aos outros três singles que já lançámos. Acho que vai ser uma surpresa agradável para quem vai ouvir.

Notícias ao MinutoGaia Chelas foi a primeira música de STK e MSG fizeram juntos.© Deck97

Os outros três singles anteriores contabilizam juntos mais de 10 milhões de visualizações. O futuro do hip hop português passa pelo digital?

STK: [O digital] é uma plataforma para todos os géneros musicais e para toda a arte. Claro que o hip hop está incluído e ainda bem porque assim há um 'middleman' que se pode cortar. Noutros tempos seriam editoras e outro tipo de cenas. Agora conseguimos chegar às pessoas de forma mais democrática e isso é muito importante. Nem é uma questão de nos adaptarmos. Não é algo que nos custe. Vivemos assim no dia a dia. Também consumo dessa forma. Eu, por acaso, a nível individual andava a dormir, ao nível do Spotify. Estava a ser burro. Estava a pensar: 'Como não consumo Spotify, não ponho [lá conteúdos].' Agora tenho posto. Mas Mundo Segundo e Sam The Kid sempre teve.

A única desvantagem é que se pode perder aquela cena do álbum e da viagem. As pessoas vão mais pelo som isolado. Mas se recuarmos uns anos, aos anos 60 e 70 a cultura do single era a cena. A cultura do álbum só começa a surgir a partir dos anos 70. Aliás, a nível nacional têm sido mais músicas isoladas do que álbuns. Mundo Segundo e Sam The Kid é exemplo disso mesmo. Ainda não saiu nenhum álbum. Mas, Mundo diz qualquer coisa...

MS: Em relação ao digital acho, sem dúvidas, que é o futuro e que para nós músicos independentes abre uma porta engraçada que é poder fazer peças de colecionador e estar ao nosso alcance podermos ser nós a fazer a nossa produção. Não temos de depender de terceiros. Tens o digital para o público geral e depois há aquele colecionador que gosta de peças físicas e que nos dá a possibilidade de fazermos algo diferente. Não precisamos de fazer 10 ou 20 mil cópias e conseguir satisfazer na mesma o ouvinte. Aqui conseguimos um equilíbrio do melhor de dois mundos.

STK: Podes crer.

E qual o poder da imagem num videoclipe? Há uma sinergia no vosso pensamento entre aquilo que estão a escrever e as imagens vão pintar isso no produto final? 

MS: Tanto eu como o Sam temos uma forma muito visual de escrever. E isso puxa o resto automaticamente. Seja a nível de vídeo ou design. Acho que funciona mais ao contrário. Em vez de sermos nós a pensar como é que a coisa vai funcionar em termos de imagem, como já temos esse hábito acaba por ser ao contrário.

STK: Acho que depende do tema. Se for uma música tipo 'storytelling', obviamente na tua mente já tens de criar o filme na cabeça para transmitir às pessoas aquilo que estás a imaginar e isso é uma coisa mais específica. Mas quando é uma música dita normal, as rimas transmitem certas imagens e depois em relação ao vídeo tentamos ter ideias que tenham a ver com aquilo que foi dito.

Em relação à última música que fiz a solo, se sentir que há algo que as pessoas podem não chegar lá, posso dar uma pista visual. Coisas desse género. Ou seja, como tens esta arma visual aliada à música, temos de tentar que ela também transmita e até dê pistas sobre aquilo que está a ser dito, porque às vezes há rimas que as pessoas percebem mas podem não perceber a intenção que o autor quis dar com aquela rima. Pode ter um duplo significado. Portanto podes dar pistas a nível visual e nós sempre gostámos de videoclipes. Acho que hoje em dia é uma ferramenta essencial. É uma grande diferença a nível de feedback entre sair uma música com videoclipe e outra sem. Não precisas de fazer um vídeoclipe super original. Aliás, até falando do nosso videoclipe do Gaia Chelas diria que é normal, mas para mim é especial. Foi gravado na estrada... Hoje em dia há muitos artistas que fazem aquela cena do 'recap' e do 'vamos ver como foi esta noite no Sudoeste' e chamam o filmógrafo e fazem aquelas montagens. Não queríamos isso. Foi filmado numas quantas datas, na estrada, em Gaia e em Chelas. 

MS: Foi engraçado porque acabámos por gravar em sítios que inicialmente não tínhamos combinado gravar. Há certos sítios que aparecem no vídeo que jamais nos iríamos lembrar. Nesse sentido acaba por ser original porque foi um videoclipe itinerante.

O hip hop vivia-se mais no passado enquanto um todo. (...) Antes era uma cena natural e constante. Hoje em dia já não vês tanto. Cada vertente foi-se separandoA imagem e o vídeo acabam por ser um complemento que ajuda a entender melhor as vossas letras e mensagens? 

STK: Sim, às vezes. Especificamente neste vídeo não há frames a explicar as rimas. Neste vídeo, não. O vídeo está mais focado na nossa performance e na nossa energia. É mais a energia da música.

MS: Exato.

Acho que pela primeira vez há um conflito geracional que é um pouco visível. (...) Tanto pessoal novo que não compreende ou não gosta da cena antiga e vice-versaOlhando agora para o nome do single e tendo em conta os vários anos que têm no hip hop, na vossa opinião, vive-se mais o hip hop agora do que antigamente ou é precisamente o contrário?

STK: O hip hop vivia-se mais no passado enquanto um todo. Um evento onde estão lá todos juntos, os 'b-boys', os 'writers'... Antes era uma cena natural e constante. Hoje em dia já não vês tanto. Cada vertente foi-se separando e os subgéneros também. Tenho um amigo meu, com quem faço um podcast, o João Moura, e que tem a cena dele do 'It's a Trap'. Ele diz que agora que quer fazer uma cena 'It's Boom-bap'. Eu não sou apologista disso. Às vezes é fixe haver cenas concretas, mas acho que neste momento precisamos é do 'It's hip hop'. Um sítio onde estejamos todos a conviver. Com os putos do 'trap' e com o pessoal mais velho.

MS: Extato. Uma coisa aglutinadora.

STK: Acho que pela primeira vez há um conflito geracional que é um pouco visível. Não digo que seja toda a gente assim. Mas, pela primeira vez, existe um pouco isso. Tanto pessoal novo que não compreende ou não gosta da cena antiga e vice-versa. 

E qual a explicação para isso?

STK: Epá, não sei. A estética também mudou e principalmente da parte dos jovens há falta de 'knowledge'. Não digo todos.

MS: É um bocado isso. Acho que da nossa parte, que fazemos parte da escola antiga, conseguimos aglutinar a nova e ter conhecimento daquilo que se está a passar e das novas sonoridades. Às vezes, o pessoal mais novo tem essa falta de 'knowledge' que o Sam está a falar e não conhece o que está para trás para perceber o que nós falamos de certa forma e temos uma abordagem diferente em relação à cultura hip hop. Nós vimos de uma escola em que sabemos o que os 'b-boy's estão a fazer, o que é um bom 'b-boy' e sabemos ver um mural e perceber a dificuldade que ali está. Talvez a malta nova não esteja tão a par da cultura. É um bocado por aí. Temos essa vantagem de vir de trás e conseguir aglomerar o que está a chegar.

Ainda há pessoas que têm essa vontade em ir ouvir aquilo que já foi feitoSTK: A cena é: Eu abraço as cenas novas que vêm. Na minha opinião, só enriquece. Aparece o 'trap' e eu digo: 'Ok, trap é hip hop! Vem para o hip hop! Estamos aqui todos'. Só enriquece. Assim posso dizer o hip hop é espetacular e tem várias coisas. Eu visto a camisola do hip hop. Visto a camisola da cultura. Acho que a cena passa por aí: vestir a camisola do hip hop, que já por si mais pequena do que a camisola da música, mas é uma cultura tão gigantesca. Antes havia debates e falávamos sobre artistas anteriores a nós. Sei lá, o Mundo dizer-me as rimas todas do Rakim. E talvez ele só consumiu aquilo anos mais tarde, mas foi para trás ouvir tudo. Ter a sabedoria e depois haver quase uma competição de 'knowledge'. Não digo que os jovens não tenham em relação à música de hoje, mas não têm na cena de trás. Eu não vim do início, mas sei ter uma conversa.

Havia mais interesse pelo passado e pelo que já tinha sido feito?

STK: Isso mesmo. Mas não querendo generalizar e não cuspir em certo público até porque um exemplo disso sou eu, que não lanço um álbum há 12 anos, mas quem vai ouvir o meu último trabalho em 2006, descobre e gosta - os que gostam e há pessoal que gosta -, quer dizer que ainda há pessoas que têm essa vontade em ir ouvir aquilo que já foi feito.

MS: Essencialmente conhecer a história do passado é ter ferramentas para o presente e para o futuro. É isso que fazemos. Estudar o passado, e com o conhecimento do presente, construir o futuro daquilo que é o hip hop. 

Para mim uma das regras é não imitares o próximo e teres uma identidadeTendo em conta isso que vocês estão a dizer e considerando que muitos dizem que vivemos numa crise de valores, o hip hop ainda é liberdade?

MS: Sem dúvida.

STK: Sim, é liberdade. Sem dúvida. E acho até, nesse aspeto, é mais livre do que nunca. Para o bem e para o mal. Há quem possa estar uma música inteira a cantar e nem estão a rappar, estão a fazer uma melodia a música toda e isso é considerado hip hop para as pessoas. Isto acaba por ser liberdade, porque é tipo assim 'Hip hop vai ser o que eu quiser e se eu quiser cantar esta música com auto tune a música toda irei fazê-lo porque me apetece'. Nesse aspeto, acho que é um sinónimo de liberdade, ou seja, de não estares restrito às supostas regras que o hip hop tem, que até nem tem muitas.

Para mim uma das regras é não imitares o próximo e teres uma identidade. E falando em identidade, normalmente fazem-me aquela pergunta típica que é 'como é que está o hip hop nacional' e ontem perguntaram-me isso, mas puseram uma vírgula na cena e disseram 'se ainda existir hip hop português'. E eu entendi isso como a cena de ser um hip hop com identidade nacional. Eu acho que já teve mais.

Não se explora tanto o vocabulário português?

STK: Estou a falar no espectro geral e nas músicas que têm sucesso, que vão mais próximo do formato americano. Não quer dizer que nós também não fazemos isso, atenção, porque se a origem é da América claro que nós baseamos na América sempre. E isto é um bocado subjetivo, porque para mim a identidade nacional não passa por samplear fado ou música portuguesa para ser considerado um hip hop com identidade portuguesa, mas na minha opinião, que é um bocado vaga e subjetiva, eu sinto que já vivemos uma altura em que o hip hop português tinha uma identidade específica, que se diferenciava do francês, do americano. Há pessoas que continuam a fazer com identidade, mas há muita gente que tenta replicar as fórmulas que se fazem lá fora atualmente. Também são bem vindas, mas falta é equilíbrio nisso. Mais pessoas com identidade própria e essa identidade irá dar força a uma identidade nacional. Esta é uma das comparações que eu posso fazer em que sinto que já estivemos melhor.

Há uns tempo, o Mundo disse numa entrevista que uma das coisas que o hip hop tinha de bom era a competitividade. Vocês são competitivos um com o outro?

STK: Sim, de forma saudável. 

MS: Sim, acho que faz parte de querermos levar o projeto mais além em termos competitivos. Do género: eu escrever um verso, o Sam ouvir e querer fazer algo dentro do estilo dele que seja mais à frente, assim como eu ouvir um verso dele e sentir-me inspirado. A competitividade para nós é inspiração. Se eu ouvir um verso do Sam e pensar: 'Eish, isto está brutal', sinto-me inspirado a querer fazer algo também com esse nível inspirador para outras pessoas ouvirem. Acho que a nossa competitividade parte um bocado por aí, não é Sam?

STK: É isso mesmo. E pronto há essa competição direta quando estamos a trabalhar com pessoas que conhecemos ou com que lidamos, mas também existe competição/inspiração de tudo o que nós consumimos, mesmo até lá de fora. Não quer dizer que estejas a competir diretamente no mercado dos internacionais, mas queres fazer algo que transmita a mesma coisa, ou seja, aquilo motiva-te a fazeres alguma coisa. E acho que essa parte da competição é que é a importante, não é aquela cena de inveja ou de querer saber quanto é que outro ganha ou quantas views... Não, é o conteúdo em si da música. Isso é que nos faz...

Querer elevar a qualidade das músicas?

STK: Exatamente, e querer evoluir. Já ouvi pessoal dizer 'neste álbum aqui eu não estive a ouvir hip hop porque não quis ser inspirado ou influenciado'. Eu, pessoalmente, não conseguiria fazer isso. Aliás, eu conseguiria mas para mim é importante. Eu preciso de beber para me inspirar. Eu estou constantemente à procura disso, de alguém, de uma música, de um artista que eu conheça ou de alguém novo, que me faça penar 'epá espetacular, estou com uma pica para ir para casa e fazer um som'.

Às vezes são mais as pessoas a relembrarem-me do meu suposto estatuto do que eu a relembrar essas pessoasOu seja, encaram isso como uma aprendizagem?

STK: Exatamente.

MS: Acho que isso que tu disseste agora até é uma das coisas mais bonitas do hip hop, a partir do momento em que percebes que ser aluno até ao fim dos teus dias enquanto consumires é a melhor maneira de estares relevante dentro cultura e de te manteres 'fresco', como nós costumamos dizer, é mesmo isso. É, apesar de seres um mestre, como te olham, estares sempre disponível para aprender como aluno. 

É por esse motivo que é frequente ver-vos a fazer colaborações com artistas que estão agora a aparecer? O objetivo é partilhar conhecimento ao mesmo tempo que lhes dão espaço e promovê-los, no bom sentido?

STK: Sim, claro. Se for um artista mais novo, eu sei que é mais novo, mas eu não me vejo como um 'cota'. Vejo-me como uma pessoa que é desta geração e está na mesma ativa. Não sou dono da razão. Aquilo que eu quero dizer é que falo de igual para igual. Às vezes são mais as pessoas a relembrarem-me do meu suposto estatuto do que eu a relembrar essas pessoas. 

MS: Nem mais, é mesmo isso. [risos]

STK: É uma cena natural e um respeito mútuo que existe. Mesmo enquanto produtor tens de estar sozinho a falar para um grupo inteiro e tentar convencê-lo de certas cenas, mas se eles disserem que acham melhor uma cena ou outra eu concordo. Não é a cena de que eu é que mando. 

O estatuto vem mais facto de sermos estudiosos da cultura [do hip hop] do que daquilo que nós vendemos em termos musicais ou quantos concertos damos Ambos são figuras muito fortes dentro do hip hop. Como conseguiram manter esse 'estatuto' junto das pessoas?

STK: Eu na realidade, apesar de estar distanciado de discos ao nível do rap e de álbuns meus, eu sinto que nunca parei. Em nenhum momento eu parei, mas tenho a noção que algumas pessoas podem sentir uma ausência de alguma coisa. Se me quiseres ouvir rappar todos os anos há participação aqui, participação ali... Há concertos, nós estamos na estrada. Há vários projetos em que estamos envolvidos, o Mundo nuns, eu noutros, e então a relevância mantém-se um bocado por isso, por nunca estarmos parados.

MS: Desculpa interromper, Sam. Acho que os estatutos estão relacionados com a obra feita e com as pessoas que vão convivendo connosco e que nos conhecem ao longo dos anos e sabem o quanto nós estudámos o hip hop. Tu podes ser um rapper de 20 milhões de views e até teres mais views que Mundo Segundo e Sam The Kid, mas sabes que quando falares connosco sobre hip hop, especificamente, nós temos um conhecimento muito acima da média. Acho que isto vale por si, à parte de todos os números musicais. O facto de as pessoas saberem isso vale por si. O estatuto vem mais daí do que daquilo que nós vendemos em termos musicais ou quantos concertos damos. Tem mais a ver com isso, com o facto de sermos estudiosos da cultura.

STK: Ya, é verdade. Concordo. 

Olhando agora para a relação que vocês têm, que já dura há muitos anos e para além de amizade é colaboração musical, como é que a descrevem? Quais as memórias que melhor guardam?

STK: Sei lá. Já conheço o Mundo há muitos anos. A palavra que me vem à cabeça é cumplicidade. Tal como tenho com o Mundo tenho com outros artistas e o Mundo também tem com outros. Por exemplo, com o Maze, que anda agora na estrada connosco. Crias essa cumplicidade, de amizade, de gostos, de conversar às vezes cenas extra música. Eu com o Maze estou sempre a falar de filmes e coisas assim. Temos bastantes memórias, tanto da estrada como até fora do trabalho. Quando era mais novo ia ter com o Mundo a casa dele só para estar lá a curtir e vice-versa.

MS: Essencialmente é isso que estás a dizer e também o facto de nos conhecermos numa fase em que nenhum de nós era conhecido. Estávamos a começar a dar os primeiros passos, as primeiras maquetes... e essa cumplicidade cresceu a partir daí. Sou amigo do Sam há muitos anos, mas fico feliz quando vejo que um amigo meu, que começou do nada, conseguiu trilhar um caminho e chegar a um sítio em concreto. Acho que isso também às vezes falta no hip hop, as pessoas sentirem orgulho de ver os outros conseguirem chegar a algum sítio e ajudarem a construir ao invés de destruírem. Fico muito orgulhoso ver os meus amigos começarem do nada e hoje em dia terem alguma coisa, terem uma carreira, chegaram a um sítio que mereciam se calhar já há muitos anos. Acho que isso também é importante, nós nos valorizarmos mais dentro do hip hop, valorizarmo-nos uns aos outros. 

Notícias ao MinutoMundo e Sam regressam à estrada a partir do próximo mês. © Deck97

STK: Temos muita coisa em comum. Tanto no gosto musical como no facto de fazermos instrumentais. Esse até foi o ponto de partida de estarmos na estrada. Foi por isso que eu convidei o Mundo para fazermos um 'soundclash' de instrumentais. E também não é só a cena de produzirmos, mas sim de termos produzido para bastante gente. Somos muitos semelhantes mesmo. A nível de hip hop nacional fizemos um percurso semelhante. A única diferença é ele estar associado aos Dealema e eu não estar em nenhum grupo

MS: Claro, neste caso o único grupo que tens é instrumental. Os Orelha Negra.

STK: Exatamente.

Onde é que as pessoas vão poder ouvir-vos ao vivo num futuro próximo?

MSG: Não tenho aqui datas. Mas vamos estar em março em Espanha e em fevereiro temos algumas coisas. Mas a partir de fevereiro/março voltamos à estrada e já temos cerca de 10/15 datas apontadas. Vamos andar por aí.

STK: Temos também uma cena com o meu pai que ficou adiada.

MS: Sim, acho que é em Loulé.

STK: É um concerto em que o meu pai também vai participar. Vai ser especial.

Para fecharmos, temos assistido a um conceito de música instantânea, no sentido em que os singles aparecem tão depressa como desaparecem. Como é que vocês veem isto? 

MS: Em relação a isso, e consumo pouco esse tipo de singles. Escolho o que ouço e não tanto aquilo que me oferecem. Vou à procura daqueles músicos que eu gosto e vejo o que está a sair. Posso ouvir uma coisa ou outra de algum MC que está a aparecer, mas não vou tanto atrás daquilo que a indústria me dá. Gosto mais de escavar. Por isso não tenho tanto uma opinião formulada sobre esse tipo de música instantânea mousse de chocolate. [risos]

STK: Mas é verdade. Há cada vez mais oferta. Gosto de estar informado e de estar a par de tudo o que se passa. Como tens de gerir o teu tempo, tens de definir as tuas prioridades. O tempo em que estás a ouvir a música nova, é tempo que já não estás a reouvir a música que saiu há dois dias. E assim sucessivamente. E até estou a falar do hip hop que eu realmente gosto. Existe oferta para isso. Depois, se quiser estar a par de outro tipo de hip hop, que está mais à superfície. Cada vez mais penso no tempo. É um luxo. Tu não queres deixar de ser a mesma pessoa. Queres ser aquela pessoa que dás as novidades aos teus amigos: ‘Já ouviste aquele som? E aquele?’ Tens de ser quase multitasking.

Depois tento equilibrar e reoiço cenas antigas. Faço muito esse exercício. Mas sim, sem dúvida que o facto de haver uma oferta tão grande torna normal que as músicas aparecem e desaparecem mais rapidamente. Claro que se torna mais difícil músicas e álbuns ficarem clássicos

Até há pouco tempo estava a lembrar-me de uma cena. Uma coisa é verdade. As músicas que são para passar no club, na discoteca, grande parte delas, são clássicos e há outras que já não podes passar. Foram de uma temporada e agora já não se adequam. Eu estava a lembrar-me numa e pensei: ‘Eish, se isto passasse agora até ias ser gozado. Parece que estiveste preso e só saíste agora’, era aquele som eletrónico, o Harlem Shake. Se isso passasse agora, as pessoas iriam pensar: ‘Eish, o que é que este mano está a passar?’.

Ou seja, a música, hoje em dia, até está bastante comparável ao geral, com as notícias. Hoje fala-se num caso, amanhã fala-se outro e já passou. O jornalismo passa um bocado por aí. A nível internacional, das plataformas que eu frequento, está-se a falar muito do R. Kelly por causa de um documentário que saiu., não é nada de novidade, que ele tinha cenas de pedofilia. Mas pronto, todos os dias consulto essas plataformas e é o que se fala. Em todo o lado é o que fala, mas cá para semana já é outra coisa. É um bocado a mesma cena. Antigamente não havia tanta oferta, ou até custava dinheiro para comprar álbuns, e até às vezes arriscar comprar um álbum sem saber o que vem lá. Tens de ouvir e tens de forçar a gostar daquilo. [risos]

MS: Isso aconteceu-me uma quantas vezes [risos].

STK: Acho que agora é completamente diferente. Partes de um projeto para outro. Não quer dizer que memorizes que gostaste daquele projeto, mas não vai consumi-lo tantas vezes como consumirias noutros tempos. Agora ouves um album cinco/seis vezes, antigamente talvez ouvisses 60 vezes.

MS: Exatamente.

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