Meteorologia

  • 23 NOVEMBER 2024
Tempo
14º
MIN 13º MÁX 22º
Vozes ao Minuto

Vozes ao Minuto

Vozes com opinião. Todos os dias.

"Queremos mesmo sentar o Planeta no Parlamento Europeu"

Francisco Guerreiro, dirigente do PAN - partido Pessoas - Animais - Natureza, e cabeça de lista nas eleições europeias de 26 de maio é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

"Queremos mesmo sentar o Planeta no Parlamento Europeu"
Notícias ao Minuto

31/01/19 por Melissa Lopes

Política Francisco Guerreiro

É vegan e tem como hobby recolher lixo nas praias e florestas do país. Francisco Guerreiro, militante do PAN desde 2012, é candidato pelo partido às eleições europeias do próximo 26 de maio.

Europeísta convicto, mas não acrítico, Francisco tem como ambição “sentar o Planeta no Parlamento Europeu”. Está convencido de que “nunca é tarde” para lutar pelo ambiente, sendo um acérrimo defensor de que “pequenas mudanças fazem realmente a diferença”.

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, Francisco critica a falta de coragem para romper com modelos vigentes e a incapacidade de tomar decisões económicas tendo em conta consequências ambientais calculadas. E o "depois vê-se”, lamenta.

Acolhido pela família europeia dos Verdes, se lá chegar, o PAN quer trabalhar no reforço da agricultura biológica, na transição energética e no apoio humanitário. No fundo, levar para Bruxelas a influência que o partido tem tido no Parlamento português.

Está preparado para ir para Bruxelas?

Este é um desafio a vários níveis, não só para o partido como para o paradigma que nós queremos explicar aos cidadãos e implementar. Felizmente, temos tido essa oportunidade nos últimos três anos dos quatro para os quais fomos eleitos. Acho que há esse reconhecimento da sociedade civil, de que temos, com poucos meios, trabalhado bastante e apresentado propostas válidas. Tanto é que nunca se debateu tanto questões ligadas aos direitos sociais, ambientais, animais. E isso faz com que os outros partidos se queiram posicionar. Isso para nós é positivo.

 Somos europeístas convictos, mas não somos acríticos

Não somos nem melhores nem piores do que os outros partidos, somos diferentes. Acho que os cidadãos conseguem perceber, hoje em dia, essa diferença. É surpreendente como é que um deputado, em 230, às vezes consegue passar propostas por larga maioria ou unanimidade, como foi o caso da aprovação da tara recuperável para embalagens plásticas e que depois vai ser alargada para metal e vidro. Medidas muito concretas direcionadas para o bem-estar das populações e do meio ambiente que conseguem ser feitas com a vontade de construir pontes. Muitas vezes não é a primeira proposta, a inicial...

é a proposta trabalhada posteriormente.

Também é para isso que cá estamos. As pessoas compreendem que não há um governo PAN e que nós também votamos proposta a proposta, programa de Governo, Orçamento, tudo muito bem contextualizado. E o desafio das europeias vai um bocado nessa senda. O trabalho que temos feito no Parlamento nacional, gostaríamos também de o fazer no Parlamento Europeu.

Qual o nível de europeísmo do PAN?

É total. Somos europeístas convictos, mas não somos acríticos. Há obviamente setores que têm de se alterar, especialmente no modo como a Europa gere os seus recursos, não só os dinheiros, mas também o modo como produz e distribui a sua economia.

Temos, por exemplo, a PAC (Política de Agricultura Comum), que é uma fatia substancial do peso do orçamento comunitário continua a direcionar-se muito para indústrias muito poluentes, nomeadamente para a agropecuária intensiva. Gostaríamos que esses recursos fossem alocados para modos de produção e distribuição de alimentos mais positivos, não só para a saúde humana como para os ecossistemas, nomeadamente no reforço da estratégia de agricultura biológica nos Estados-membros.

Em Portugal, temos feito esse caminho, temos sido largamente ignorados, infelizmente. Mas achamos que é uma visão a longo prazo que a comunidade europeia também deve ter.

Lá, como cá, há interesses instalados que não permitem esses avanços?

Sim. E o modo como sempre se fez as coisas é o mesmo, apenas se tem refinado e não se tem alterado. O modo como olhamos para a produção de alimentos, para o modo de os distribuir.

Não nos questionamos, é isso?

Não nos questionamos. Mesmo em relação ao impacto que tem estarmos a fazer comércio internacional, muitas vezes a custo de direitos humanos, direitos sociais e ambientais... Temos de repensar o modo como fazemos esses acordos.

E qual é a sugestão do PAN? Que objetivos quer perseguir?

Somos europeístas ao ponto de acharmos que é fundamental termos trocas comerciais, como é óbvio. Mas essas trocas devem valer os valores que nós achamos fundamentais: direitos humanos, proteção do meio ambiente, uma justa-posição de forças, justa-posição muitas vezes para países que estão em desenvolvimento e que precisam de um apoio extra e não propriamente quase um dumping de determinado tipo de mercadorias.

E é importante perceber que ainda temos um impacto muito grande na emissão de gases de efeito de estufa. Queremos promover também a transição energética dentro dos Estados-membros. Tentar, ao máximo, que sejam independentes energeticamente, para não estarem dependentes de países como a Rússia, países africanos e países do Médio Oriente, através de gás e de petróleo. Isso para nós é fundamental. Um dos nossos objetivos, um lema que temos é que queremos mesmo sentar o Planeta no Parlamento Europeu.

Não está neste momento?

Achamos que a ecologia é sempre secundarizada. Ou seja, olhamos para políticas económicas e depois vemos os efeitos hipotéticos ou secundários ou terciários que elas têm no ambiente. E vamos tentando colmatá-los, de modo mais profícuo ou não. E não pensamos ao contrário.

O que vemos é que Portugal, por exemplo, segundo a WWF, consome 2,2 planetas por ano, ou seja, nem chega a agosto e já estamos a crédito

Antecipando os problemas ambientais antes de tomar decisões económicas?

Exatamente. Não pensamos como é que conseguimos representar uma sociedade com estes valores que representamos – o altruísmo, a solidariedade, a dignidade humana, o bem-estar animal, a proteção ambiental – tendo em conta o longo prazo.

O que vemos é que Portugal, por exemplo, segundo a WWF, consome 2,2 planetas por ano, ou seja, nem chega a agosto e já estamos a crédito. Qualquer país europeu é insustentável do ponto de vista da gestão dos recursos. Se não metermos esta linha condutora nas políticas públicas europeias será muito difícil depois conseguirmos construir um projeto de futuro.

Temos também de reduzir a quantidade de bens que consumimos, temos de pensar a forma como esses bens são reutilizados. Não basta só dizermos que somos a favor de uma economia circular se depois ela não se operacionaliza. Se continuarmos numa espiral de consumo de bens é depois difícil gerir esses resíduos.

De que forma podem ser combatidos os fenómenos populistas que crescem na UE?

Os fenómenos populistas contrariam-se com mais e melhor debate político, transparência, participação cívica e educação. Acresce o papel fundamental dos meios de comunicação que não podem ceder à tentativa de imediatismo económico e devem garantir os seus princípios deontológicos no tratamento e disseminação de informação. Isto tudo sem nunca esquecer o papel fundamental da não violência como eixo condutor de toda esta dinâmica. Não é com extremos ideológicos que se transita de modelo social.

Se for eleito, o PAN será acolhido pela família dos Verdes europeus. Terá assim mais força?

Um dos nossos grandes desafios – e é também por isso que estamos na família dos Verdes europeus – será trazer o ambiente para o Parlamento Europeu. Achamos que Portugal tem um défice de foco ecológico nos 21 representantes que lá estão e gostávamos de ter esse contributo. Num universo de 740 eurodeuputados, sensivelmente, o nosso poder de influência será reduzido por si. Por isso é que ficamos numa família europeia.

Sobre o combate à expansão dos micro-plásticos e ao uso de plásticos, por exemplo, há uma estratégia que foi lançada o ano passado que aponta já algumas metas que são positivas mas temos de envolver a indústria, os cidadãos, tem que haver uma aposta na educação ambiental. Temos de partir do pressuposto que é geracional.

Escasseiam essas políticas de educação ambiental?

Se não tivermos políticas de educação ambiental não conseguimos construir esta identidade coletiva de visão a longo prazo. Vemos que a nossa biodiversidade está a ser posta em questão. Há uma usurpação do próprio interesse democrático dos interesses dos cidadãos em preservar as suas democracias que vai além do simples voto. As pessoas estão realmente preocupadas com a sua perspetiva de futuro, com a biodiversidade, com a qualidade dos rios, com a poluição generalizada, com uma alteração de estar na sociedade, de como consumimos, de como produzimos os nossos bens, qual é o impacto que tem, por exemplo, estarmos a trazer bananas do Equador.

O mundo despertou agora para esses problemas todos, já em cima deles, digamos assim. Não vamos tarde?

Achamos que nunca é tarde. É por isso, também, que estamos na política. Não é tarde e sentimos que há cada vez mais apoio às ideias e aos valores do PAN por isso mesmo. As pessoas estão cansadas dos partidos que olham para o mundo da mesma maneira.

De uma maneira que é egoísta, não planeando a longo prazo?

De uma maneira bastante restritiva. Consideramos que é uma visão que está adaptada ao tempo de cada partido. Se olharmos para estes partidos, conseguimos ver que têm a mesma visão que tinham há décadas. Há pequenas evoluções, óbvio, mas [a visão] está muito circunscrita à ideologia vigente daquele partido. Daí a emergência do PAN e de partidos como o PAN.

Os problemas existem e as soluções também. Muitas vezes vemos que há uma falta de vontade de romper com o paradigma vigente porque é fácil fazer como sempre foi feito e é difícil assumir que há mudanças a fazer, como partidos, como sociedade, como cidadãos e que temos que de arregaçar as mangas e encarar isto de modo positivo. Mostrando o problema e apontando soluções que são, muitas vezes, mais fáceis do que imaginamos. Obviamente que vamos contra setores que estão instituídos. Um dos nossos objetivos é tentar mostrar uma transição que tem de ser rápida mas efetivamente concretizável.

Muita da legislação que vem da UE já vem condicionada pelo lobby das grandes indústrias

Não basta dizer qual é o problema, temos de apontar soluções e concretizá-las a nível económico. Uma das nossas bandeiras vai ser trabalhar, dentro da família dos Verdes europeus, para que o orçamento seja o mais exequível possível para apostar nestas transições que são muito importantes, fomentando uma economia verdadeiramente circular, olhando para esta questão do poder que a Europa tem como um só como algo positivo, sem esquecer as questões soberanas.

Em Portugal, tivemos e temos oportunidade de fazer algo muito bom, muitas vezes, porque há diretivas europeias, algum discurso político tem a tendência de apontar o dedo sempre a Bruxelas quando nós próprios temos dificuldade em equilibrar os nossos orçamentos, em fazer apostas em infraestuturas públicas que tenham realmente mais valias para todos nós, que se façam o investimentos que sejam benéficos para o Estado português.

 As pessoas sentem-se distantes dos partidos tradicionais

E não é justo apontar o dedo a Bruxelas?

Não nos parece de todo viável apontar só o dedo a Bruxelas e dizer que os tecnocratas é que gerem tudo. Muitas das diretivas que aplicamos são muito positivas. Achamos também que é fundamental pensar nas singularidades de cada país mas tentando ver linhas em comum, porque consideramos que é muito mais o que nos une – e os problemas comuns são globais - do que propriamente o que nos separa.

As pessoas sentem-se distantes dos partidos tradicionais porque não apresentam soluções positivas. Achamos que a democracia deve ser o mais participativa possível, que se devem criar mais ferramentas para a participação cívica para que as pessoas percebam a importância de estarem na Europa e de construir uma Europa global com uma influência positiva no mundo.

Mas temos de ver os factos. Muita da legislação que vem da UE já vem condicionada pelo lobby das grandes indústrias e ela, muitas vezes, são contraproducentes para as reais necessidades das populações.

O lobby das grandes indústrias irá ser um grande adversário no Parlamento Europeu?

Cremos que sim. Têm um lobby muito forte, têm uma presença constante em Bruxelas, são opinion makers, são criadores de legislação, muitas vezes é um combate muito desigual, não só em termos de recursos mas também em termos de influência.

Mas acreditamos que empoderando mais os cidadãos, mais possibilidades estes têm de se manifestar contra determinadas políticas e visões. Obviamente que vai ser um caminho difícil mas que tem de ser traçado e os desafios que temos são muito prementes, ou seja, estamos mesmo num pré-colapso da nossa biodiversidade global e os sinais estão à vista: alterações climáticas, poluição generalizada, e não temos um discurso catastrofista.

É preciso uma responsabilização nossa e dos agentes políticos e tem de haver um combate no sentido de uma apresentação de propostas muito concretas e assertivas no quadro europeu e passa, também, por chamarmos à equação quem tem um peso muito negativo na nossa economia e sociedade. Também queremos mostrar que essas indústrias têm a mais a ganhar se se juntarem a esta corrente.

Falou nas diretivas positivas de Bruxelas. Lembro-me de uma que Portugal não está a cumprir e que se prende com o transporte de animais vivos para o Médio Oriente (Bruxelas diz que o transporte não deve exceder as 8 horas. Portugal faz transportes de oito dias).

No que concerne ao bem-estar animal, temos muitas diretivas que mostram que estamos a anos luz.

E neste caso concreto, o negócio iniciou-se em 2015… não foi assim há tanto tempo. Não foi nos anos 80, por exemplo.

Lá está, o princípio economicista que tem repercussões no bem-estar animal. Numa abordagem filosófico-ética, existem limites ao nosso economicismo e o transporte de animais vivos é uma realidade muito dura e crua que só agora está a ser exposta. Como disse, temos matrizes muito positivas e que depois não seguimos.

Foi o André Silva que fez o convite ao Francisco para ser cabeça de lista às europeias?

Não. Foi auto-propositor. É definido em sede de comissão de política nacional mas creio que também é exemplificativo do trabalho que tenho vindo a fazer no partido. Tenho também trabalhado junto do André na assessoria, não só política mas também na área do ambiente, tenho responsabilidades municipais, sou coordenador na secretaria da comunicação. Dedico muito tempo do meu livre a tentar aproximar a ideologia, filosofia e a prática do partido às pessoas. Foi uma escolha natural e consensual. É um grande desafio, sem dúvida, a nível familiar e profissional.

E qualquer que seja o resultado [das eleições] vai ser muito importante. Até porque podemos ver claras diferenças em relação à candidatura de há cinco anos para agora. Não só pela exposição e responsabilidade que temos, mas também pelas expectativa que as pessoas têm do PAN. E no fundo vamos tentar fazer uma campanha diferente, que seja mais próxima dos cidadãos.

E que combata a abstenção, que é elevadíssima nestas eleições.

Sim, acima dos 60%, para nós é assustador. Queremos chamar as pessoas a esse nível. Mais do que votar no PAN, acima de defender o nosso projeto político, queremos defender a democracia. E defender a democracia é defender que as pessoas leiam os programas, as ideias, e escolham entre as várias opções. Parece-nos muito difícil que, entre 20 e tal partidos, não haja um ou outro que se aproxime à sua sensibilidade. Há programas políticos que se vão relacionar com qualquer cidadão.

Se o cidadão se disponibilizar a ‘consumir’ essa informação.

Mas lá está, as redes sociais podem ajudar nisso. Temos o bom e o menos bom das redes sociais e o que nós vemos é que no nosso caso tem vindo o melhor ao de cima. As pessoas comentam, criticam, nós respondemos, sentimos o apoio direto. Como não temos muita cobertura nos meios convencionais, na televisão, as redes sociais são uma ferramenta para informarmos os cidadãos e de nos aproximarmos destes. A partir daí, fazem as suas escolhas. Longe de nós pensarmos que todas as pessoas que seguem o PAN votam no PAN, mas, pelo menos, ficam esclarecidas. Mostramos que é possível fazer possível fora deste espectro dicotómico Esquerda-Direita, fora do paradigma economicista e produtivista.

 Os políticos enchem muito a boca a falar da valorização do Interior

Esse paradigma economicista reflecte-se em que maus exemplos, na prática, em Portugal?

Não podemos, por exemplo, estar só a olhar para o PIB quando há toda uma abrangência para além do que produzimos e consumimos. Questionamos e somos muito críticos das super culturas intensivas no Alentejo, queríamos que fosse feito um estudo para saber qual o impacto que tem no ambiente e nem isso foi aprovado. A biodiversidade (lagartos, abelhas, etc) desaparece quando temos monoculturas intensivas. Gostamos de abordar que 80% do consumo água em Portugal vai para a agropecuária e para a agricultura, mas depois as campanhas de sensibilização são essencialmente para o ser-humano tomar banhos mais curtos, fechar a torneira enquanto lavam os dentes, o que é importante, mas corresponde a cerca de 20%. Reflecte um bocado uma falta de perspetiva do Governo e dos partidos convencionais a curto prazo. O Alqueva, que foi uma grande aposta, tem desperdícios que rondam os 40% e agora vai fazer-se investimentos para melhorar.

É desperdiçada como?

Devido à questão do regadio. A água é dispersa, não há sistema gota à gota. Depois há falhas no sistema. É aquilo que vemos sempre: primeiro faz-se e depois percebe-se. Como a questão do aeroporto do Montijo, não faz sentido quando já temos um aeroporto construído em Beja, com a possibilidade de se expandir. Bastaria melhorar a linha férrea e a infraestrutura rodoviária.

Os políticos enchem muito a boca a falar da valorização do Interior, quando aqui tínhamos uma aposta muito clara na melhoria das condições de vida, para trazer pessoas, investimento e PME’s para esta zona. E vai-se construir um aeroporto no Montijo, com os impactos claríssimos no ambiente e que não tem possibilidades de expansão, e que vai trazer mais ruído, mais poluição, mais especulação.

Notícias ao MinutoFrancisco Guerreiro é militante do PAN desde 2012© DR

Sobre o aeroporto no Montijo, António Costa já afirmou que não tem plano B caso o estudo de impacto ambiental seja negativo.

Não tem se não quiser. Porque existem soluções. O primeiro-ministro diz que foram estudadas 'n' soluções ao longo destes anos. Mas uma opção muito clara é Beja.

E foi estudada?

Nem sequer é considerada. O aeroporto (de Beja) já está construído. E, se é só uma questão de melhorar as infraestuturas, é mais do que válida. O problema é que os acordos são sempre feitos com uma vertente muito unidirecional – os agentes mais interessados negoceiam e os restantes ficam sempre à margem das negociações. Fazer pré-acordos com a ANA sem fazer estudos de impacto ambiental, sem haver um debate público generalizado sobre a matéria, parece-nos muito curto. E, mais uma vez, estamos a centralizar tudo na área metropolitana de Lisboa. Podia haver uma aposta no aeroporto de Beja que trazia não só uma melhoria na qualidade de vida das pessoas do Baixo Alentejo, como uma melhoria das infraesturuturas. Havia um investimento a longo prazo e não sobrecarregávamos o Litoral.

A opção Montijo não é uma solução a longo prazo?

Numa perspetiva das alterações climáticas, em que o nível médio das águas tende a subir, construir um aeroporto à beira de um rio… parece-nos uma visão a curto prazo. Diz-se que é uma visão a longo prazo mas não é.

É, portanto, uma má solução?

É uma clara má solução, a nosso ver. A linha diretiva é a mesma, primeiro constrói-se e depois percebe-se.

O primeiro-ministro está confiante de que o estudo de impacte ambiental vai permitir a construção.

Deve saber alguma coisa que nós não sabemos. Mas o que vemos é que em casos em que são mesmo negativos, a APA (Associação Portuguesa do Ambiente) serve de validação. Vemos isso através das dragagens do Sado, em que claramente que não se conhecia o impavto nas espécies, que não se percebia que espécies seriam afetadas, que o único ponto forte seria a melhoria, que não havia benefícios em termos ambientais e que o único ponto forte seria a melhoria económica daquele porto, quando temos o porto de Sines mesmo ao lado, a APA veio dizer que sim, desde que se faça isto e aquilo. Vemos que o ambiente está em segundo ou em terceiro plano. Não é a base de onde tudo emana, é ao contrário.

Com o crescimento do partido, houve uma exposição mediática do do PAN devido a temas polémicos como é o caso da tauromaquia. Como acompanhou a recente polémica que se gerou à volta do fim da tauromaquia, que começou com a questão do IVA?

Com naturalidade. Nós também fomos eleitos para incomodar. Tem sido uma matriz constante. Recebemos feedbacks e vemos reconhecido esse esforço e capacidade de mexer com setores intocáveis, incómodos, de não termos barreiras intransponíveis.

A questão das touradas foi um processo natural. Fomos mais moderados do que os moderados. Quisemos que menores de 18 anos não pudessem participar em espetáculos tauromáquicos, foi rejeitado, quisemos acabar com o financiamento público das touradas, também foi rejeitado, questionámos a relação entre a Câmara Municipal de Lisboa e a praça de touros do Campo Pequeno, também não tivemos resposta. Há uma série de fatores de que vamos falando e em que somos hiper-moderados, dentro do tema, mas que nem isso é acompanhado.

Costa é uma pessoa com visão. Sabe que a tauromaquia tem os seus dias contados

Nem nas questões de justiça fiscal conseguimos. O nosso objetivo foi trazer à sociedade um tema que muitos portugueses desconheciam. Mesmo quem não desgosta de touradas não acha justo que os artistas tauromáquicos sejam equiparados a médicos com isenção do pagamento do IVA. É surreal. Foi um momento que catapultou esta ideia de que o PAN é incómodo e que fala de setores que até agora são intocáveis.

É positivo para nós o caminho que se fez, mesmo dentro do PS, a abstenção de alguns deputados do PSD. É positivo ver que há temas que têm de ser trazidos à sociedade e ao debate para os próprios partidos se posicionarem. É um trabalho que queremos continuar a ter no seio do Parlamento Europeu através de todos os mecanismos possíveis e imagináveis.

Foi surpreendente a posição de António Costa na carta aberta a Manuel Alegre?

António Costa é uma pessoa com visão, sabe, tal como muitas pessoas dentro da política sabem – que a tauromaquia tem os seus dias contados. E, então, posicionou-se, com todo o respeito que se deve ter. Percebeu que tendencialmente se deve caminhar para este lado. Agora, dando a liberdade de voto dentro do próprio partido, as propostas acabaram por não passar, mas foi um processo interessante, mesmo históricos do partido vieram, e muito bem, defender abertamente aquilo em que acreditam. É importante [que o façam], em vez de estarem escondidos. Só assim se constrói a democracia, falando abertamente dos temas, dos prós e dos contras.

E em relação ao envolvimento da ministra da Cultura que ao dizer que se tratava de algo civilizacional, foi criticada…

Não podemos dizer que a tauromaquia não tem violência, é uma ação violenta extrema e gratuita. E a ministra posicionou-se tendo as suas consequências políticas, mas também fez com que se debatesse se é ético, se não é ético, se é civilizacional, se não é, os custos que tem ou não. É uma posição que à ministra diz respeito mas para nós foi positivo.

E quanto tempo faltará para o Parlamento aprovar o fim das touradas?

Está para mais breve do que se calhar é esperado.

O crescimento do PAN e a natural  mediatização já trouxeram alguns incómodos ao partido. Na reportagem da TVI sobre o IRA ultrapassou-se a linha daquilo que deve ser o escrutínio público aos partidos?

Extravasou porque fez uma reportagem tendenciosa. Não houve um critério jornalístico e uma linha que se baseie na deontologia. Fazer uma reportagem de investigação tendo em conta um vídeo de sátira parece-nos bastante fora do que são os critérios jornalísticos. As pessoas compreenderam que não foi uma peça isenta, não foi uma peça com o objetivo de esclarecer o público e que descredibilizou o papel que o jornalismo deve ter num mundo cada vez mais bombardeado de notícias falsas. E isso não é positivo para as nossas democracias. Acho que isto resulta do facto de estarmos a crescer, e é normal. Mas há aqui um papel de responsabilização da classe jornalística em se readaptar às exigências.

Foi um dos piores momentos do PAN até agora?

Foi um momento mediático menos positivo, mas nós geri-mo-lo com a maior sensibilidade possível.

Receberam mensagens de apoio?

Sim, curiosamente. E vimos que as pessoas questionaram muito. Viram a reportagem e depois questionaram-nos e compreenderam. Foi num momento muito específico, em que estavam em debate questões da tauromaquia. Recebemos um apoio generalizado e, aliás, as últimas sondagens mostram que não só não tivemos nenhum impacto como subimos. Vimos que a sociedade ficou alerta e que, através da nossa resposta, viram que não tinha qualquer sentido aquela reportagem e os exemplos que seguiram do canal também não foram os melhores.

Não nos furtamos a que haja investigações, mas tem de haver limites

Quais?

Os eventos que a TVI vai tendo nesta guerra das audiências. Vão acabando por mostrar que, se calhar não vale tudo. É um debate que devemos ter é até onde é que devemos ir para ser líderes de audiências. São critérios jornalísticos e editoriais que cabe mais ao setor do que propriamente a nós.

Mas, isso [as fake news] condiciona. E nós não nos furtamos a que haja investigações e análises – o jornalismo serve para isso mesmo, para tocar em todos os setores da sociedade, sejam eles quais forem -, mas tem de haver limites e o código deontológico tem de ser essa bússola que deve guiar todos os profissionais. Podemos ganhar no curto prazo em audiência, mas perdemos, a longo prazo, na nossa democracia.

Com o aproximar de eleições estão à espera de mais situações deste género?

É expectável. Mas só podemos continuar a trabalhar, mostrar do que é que somos feitos e aguentar. Não temos nada que não possa ser escrutinado. Que o jornalismo faça o seu trabalho e nós cá estaremos.

O PAN tem oito anos. Está no partido desde sempre? Como é que se ‘conheceram’?

Praticamente. Um amigo meu mostrou-me um clip em que o Paulo Borges (presidente na altura) falava dos valores do PAN. Identifiquei-me. Nunca tinha estado ligado à política, e apesar de ter votado sempre (à exeção de uma vez), era muito desalinhado. Não me revia nos partidos tradicionais, no modo como olhavam para a sociedade, para o sistema, como viam o mundo, como projetavam a construção desse mundo.

E através dos valores do partido, consegui perceber que era ali que me identificava. Tivemos grandes desafios no processo. Antes éramos partido pelos Animais e pela Natureza. A ideologia era a mesma mas as pessoas na primeira abordagem não percebiam e perguntavam ‘Então e as pessoas?”.

E ainda hoje perguntam?

Ainda perguntam, mas já é menos, felizmente [risos].

Passei por esse processo todo. Fui candidato às autárquicas em Coimbra, em que não ficámos em último. E agora voltei a ser por Cascais onde tivemos 5,4%, foi o melhor resultado dentro do partido. Foi um processo natural. Acabei por dar muito tempo voluntariamente ao PAN, na comunicação, a reestruturar o partido, na fundamentação das nossas posições,a criar pontes e estrutura. Nunca me imaginei a concorrer a um cargo de eurodeputado, ou qualquer tipo de cargo político, mas tem sido muito orgânico e as coisas vão acontecendo. O convite para trabalhar como assessor do André também surgiu. Tenho aprendido muito e vejo que há uma dissociação da compreensão coletiva do que realmente se faz no Parlamento e é muito trabalho, muitas informações, muitas horas de comissões, debates, reuniões.

É um trabalho que não ‘passa’ para fora?

Às vezes é mal interpretado o sentimento coletivo do “não fazem nada”.

Generalizações.

Generalizam por maus exemplos, claro. Mas não podemos cair no ridículo de achar que não se trabalha e trabalha-se muito e em muitas temáticas. Basta ver o site do Parlamento que tem informação de tudo e mais alguma coisa. Queremos mesmo cativar as pessoas a serem mais ativas e a pressionar os partidos políticos.

E desilusões na política?

Será mais uma desilusão pessoal do panorama nacional e internacional de como é que problemas tão graves são tão desconsiderados. Olhamos para a natureza como algo muito eufemístico, algo que não é palpável. Os problemas que temos são gravíssimos. A minha mãe é bióloga, sempre vi a BBC Vida Selvagem, sempre tive uma relação muito direta com a questão da biodiversidade, preservação do ambiente e das espécies e do envolvimento do ser humano.

E é disso que nasce o hobby recolher lixo nas praias e florestas?

Sim, desde sempre que recolho lixo.

Esse lixo que recolhe é cada vez mais ou tem vindo a reduzir?

Tenho a perceção de que é cada vez mais. Infelizmente é cada vez mais, mas também mais pessoas se andam a mobilizar.

Até já é um desporto ('plogging').

Não entro nisto por desporto porque é algo que surge com a necessidade de fazer algo pela comunidade. É o meu modo de ajudar a comunidade. Passei muitos verões no Algarve e sempre que passava e via lixo, ia apanhando. Já nem sei as toneladas de lixo que recolhi. Mas sempre foi algo natural, faz mesmo confusão comportamentos que são tão fáceis de ser alterados. Por exemplo, atirar beatas para o chão.

Que agora vai ser punido em Lisboa ...

Pelo menos em Lisboa. Mas mais do que a punição, que é importante, é tentar explicar os impactos que têm esses comportamentos. Para mim, é natural. É como a reciclagem: já não penso.

Na reciclagem as pessoas desconfiam que depois o lixo que separaram vai todo para o mesmo lado, na hora da recolha.

Muitas vezes é falta de informação, há sistemas de distribuição diferentes.

Mas isso acontece? De o lixo acabar por ser todo misturado?

Mesmo que aconteça, depois voltam a separar. É ineficiente. Mas são casos muito pontuais, até hoje nunca vi nenhum facto que o provasse. Acho que é mais uma desculpa para não o fazer do que propriamente algo concreto. Não educarmos faz com que tenhamos taxas de reciclagem que são uma vergonha a nível europeu, não cumprimos nem as metas mínimas. Deve haver aqui uma consciência coletiva de que o desperdício que faço não me afeta só a mim mas tudo o resto.

Isto de recolher o lixo é a minha boa ação constante, fora da política. Ainda no período do Natal recolhi cerca de 200 litros de lixo, na lagoa de Santo André. Isto reflete o nosso alheamento dos problemas da sociedade. Pequenas mudanças fazem realmente a diferença.

Que outros contributos individuais dá ao ambiente?

Sou vegan, é um contributo que é muito pessoal, não sou um promotor do veganismo para os restantes. A mim faz-me todo o sentido levar a ecologia ao mais profundo ato também de compaixão e de responsabilidade para com os outros seres do planeta, com o ser humano e com o Planeta. É tão comum como separar o lixo. Tenho a felicidade de ser casado com uma pessoa fantástica que cozinha maravilhosamente bem, o que também ajuda [sorriso].

Tem filhos?

Tenho uma filha de 11 anos.

E é vegan também?

Está na transição.

Não lhe impuseram esse tipo de alimentação?

De modo algum, é uma escolha dela. Prefere ser vegetariana. Respeitamos as decisões, tudo o que ela faz. Gosta de mostrar que tem um sinal positivo ao mundo. São alterações que são escolha dela, respeitamos e apoiamos.

Campo obrigatório