"Fiquei muito chocada com o choque de Portugal. Fiquei assustada"
Estivemos à conversa com a atriz da Globo Marisa Orth sobre o filme 'Sai de Baixo', que estreia esta semana em Portugal. Na entrevista foram ainda abordados outros assuntos que marcaram a vida da artista.
© Facebook/Marisa Orth
Fama Marisa Orth
Marisa Orth, um dos maiores rostos da representação brasileira, encontra-se em Portugal a promover um dos seus últimos projetos: o filme inspirado na famosa série de comédia 'Sai de Baixo'.
À conversa com o Notícias ao Minuto, a artista falou não só da sua icónica personagem - Magda - como também refletiu sobre o papel da mulher na sociedade atual, que está longe de ser representado pela caricatura feminina que apresenta agora no cinema.
Além disso, Marisa Orth recordou o seu percurso profissional, marcado por decisões mais ousadas, como foi o caso de posar para a revista Playboy, corria o ano de 1997.
Para as (poucas) pessoas que nunca estiveram em contacto com o programa, como é que lhes apresentaria o filme?
Acredito que é uma boa comédia. Está engraçado. O filme não foi feito para pessoas que nunca tinham visto a série, não sei se se pensou nisso, mas acho que se pode dizer, sem se parecer pretensioso, que se toda a gente que acompanhou o ‘Sai de Baixo’ assistir [ao filme] já vamos ter uma bilheteira enorme, porque nos baseamos no sucesso do programa.
Ver esta publicação no InstagramMiguel Falabella e Marisa Orth na apresentação do filme 'Sai de Baixo'. Era fã da série?
Como é que definiria a sua personagem?
Burra: 1. Sexy: 2. Parva e boa de coração. É super boa. [Mas] É ingénua, tola. Ela é uma fofa, querida.
Procura ser uma 'representação' da mulher?
Não! A Magda é um tipo lapidar.
Mas essa mulher existe?
Ah, existe. Existem seres humanos assim. Raros, porque é difícil alguém tão burro andar assim na rua. Ela tem dificuldades de andar na rua, realmente. É uma estupidez quase que patológica.
A Magda é uma caricatura tal como todas as personagens do ‘Sai de Baixo’. Um humor bem simples, bem popular - sem nenhum demérito na palavra popular. Ela é uma caricatura, sim.
Ajuda para mostrar 'caricaturalmente' algumas garotas que acham que é um bom negócio se fazer de burra para conseguir privilégios Mas a Magda poderá aqui chamar a atenção, sobretudo numa fase em que o feminismo se empoderou, para a desigualdade?
Nós, mulheres, ainda somos minoria no sentido de termos poder, a gente tem menos poder do que os homens. Espero que isso não seja uma moda, assim como minorias raciais, minorias de orientação sexual, minorias de etnias, históricas, países, raças, tribos, enfim.
Mas a Magda é um caso à parte, uma deficiente mental, infeliz, com todo o respeito aos deficientes mentais, a Magda... ela não existe. Ajuda para mostrar 'caricaturalmente' algumas garotas que acham que é um bom negócio se fazer de burra para conseguir privilégios. Mas no caso da Magda não é, ela tenta ser inteligente, mas não consegue.
A Marisa sentiu essa falta de poder feminino na sua carreira ou sempre conseguiu dar a volta?
Não, aí vamos entrar num outro tipo de preconceito que é o preconceito do ser ator. Isso é anterior. Não sou uma mulher médica, engenheira, jornalista, sou atriz. Isso já é uma condenação. Ser ator ou ser atriz aí se parecem. Acho que no meio do teatro, atriz até é melhor do que ator. Tem mais papéis para atrizes do que para atores. Acho mais difícil numa família um homem dizer que quer ser ator do que uma mulher dizer que quer ser atriz.
A sua família aceitou bem quando disse que queria seguir essa carreira?
Mais ou menos, contando que eu me formasse em Psicologia.
E chegou a formar-se?
Sim. Durante cinco anos estudei as duas coisas. De manhã Psicologia e de noite Arte Dramática. Quando terminei a faculdade de Psicologia já estava trabalhando com arte e a minha família foi acreditando.
Não sofreu nenhum tipo de assédio, uma vez que este assunto tem sido bastante falado?
Não, nunca.
Nem viu casos do género?
Vi, tive colegas que sim, que inclusive desistiram da profissão por causa disso. Tristemente vi, mas eu, graças a Deus, não. Mas é uma questão de sorte mesmo, porque ocorre.
É um processo muito patogénico ficar famoso. É como se lançassem amendoins para o pequeno monstro psicótico que está dentro de vocêTendo em conta o seu sucesso sempre lidou bem com o fenómeno da fama?
Isso é muito difícil. É um perigo enorme. Eu sempre fiz psicanálise. Dos 21 aos 30 anos fazia três/quatro vezes por semana psicanálise de divã mesmo. Isso me manteve sã, segura, porque é um processo muito patogénico ficar famoso. É como se lançassem amendoins para o pequeno monstro psicótico que está dentro de você. Graças a Deus tinha feito um bom trabalho de psicologia de acreditar em mim e de não acreditar na fama.
Não sabia da diferença de moral que existia entre Portugal e o Brasil Nessa altura chegou a posar para a Playboy. Isso foi visto como algo escandaloso?
Aqui foi um grande escândalo. É engraçado porque eu vim muito tranquila e falei sobre isso e quando eu percebi estavam todos chocados. Assustei-me muito com isso. Era muito ingénua, não sabia da diferença de moral que existia entre Portugal e o Brasil. Aqui nem tinha Playboy. “Aqui não temos, aqui não temos porque a santa igreja não permite” [afirma, como se reencarnasse o momento de maneira irónica].
Fiz a Playboy por vontade própria e isso foi mais chocante ainda Primeiro chamar a igreja de ‘santa igreja’... fui criada por pais maravilhosos e não tive uma formação católica por opção deles. Fui batizada e só, porque eles não queriam que eu crescesse com medo do inferno. Tive muita formação intelectual e fiz a Playboy por vontade própria e isso foi mais chocante ainda. Quando eu disse que tinha sido por vontade… porque eles olhavam-me assim com pena e perguntavam: “Mas precisavas assim do dinheiro?”. E eu dizia: “Não, não, eu nunca precisei do dinheiro eu fiz por vontade, que acho muito melhor, do que se eu tivesse me violentado”. Fiz porque tinha vontade, achei muito chique ser chamada, me senti elogiadíssima, feliz. Demorei um ano para aceitar e morria de medo.
Como é que os seus pais reagiram a isso?
O meu pai achou tudo bem, a minha mãe ficou horrorizada. Achava que eu ia acabar com a minha carreira. Não foi tão fácil assim. Era casada, conversei com o meu marido, ele compreendeu e eu fiz o ensaio. Fiz um contrato onde escolhi o fotógrafo, o diretor de arte, as fotos. A edição e os negativos são meus, até hoje.
Eu sou dona do meu corpo e ninguém me viu 'transando'Inclusive chegou a colocá-los em leilão...
Sim, para reverter fundos para a minha ONG, uma escola que eu tenho de técnicos de arte e espetáculos [Organização Não Governamental de nome ‘Reage, Rio!’ criada por Gringo Cardia e Marisa Orth, a qual combate a pobreza há 18 anos no Rio de Janeiro].
Nunca pensei que isso fosse um problema e acho que isso é empoderamento. Eu sou dona do meu corpo e ninguém me viu ‘transando’ (a fazer sexo). São fotos do meu corpo nu, o corpo é meu. Fiquei muito chocada com o choque de Portugal. Fiquei assustada.
Acho que estamos num momento em que o comunismo não deu certo e o capitalismo também não. E ninguém admite isso. Há muitos brasileiros que têm vindo viver para Portugal, tendo em conta a atual situação que se vive no Brasil. Vê com bons olhos essa mudança?
Não, quem sou eu? Não julgo em absoluto. Nunca tive essa vontade. Não é fácil viver no Brasil, nunca foi, é muita má distribuição de renda, muita injustiça social e isso piora todos os panoramas. Aumenta a violência, dá tristeza, injustiça… Para quem é que você vai falar, para as 25 que são elite e leram mais de 10 livros ou para os outros dois milhões que nunca tiveram acesso a um livro? É difícil ser artista num país onde a distribuição de renda é tão injusta. Isso estraga o mundo. Ah, então você é comunista? Não disse isso, detesto ditaduras em geral. Acho que estamos num momento em que o comunismo não deu certo e o capitalismo também não. E ninguém admite isso. Enquanto isso os que estão em cima estão ótimos e os que estão em baixo estão lascados (prejudicados).
O Brasil pode aprender com Portugal e vice-versaVejo com bons olhos a aproximação cultural, a gente pode trocar muita coisa. O Brasil pode aprender com Portugal e vice-versa. E também não esquecer dos nossos outros irmãos africanos, que são irmãos não são empregados. Isso se chama racismo. É de um desperdício de gente, de uma crueldade e monstruosidade tão grande. Mas eu gosto do Brasil, acho que devo muito ao Brasil.
*A estreia do filme 'Sai de Baixo' acontece esta quinta-feira, dia 23. Em todas as salas de cinema NOS. A trama será transmitida às 21h30.
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