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"Não quero ser só um tipo que teve uma música gira"

Depois do 'The Voice Portugal' e a caminho do primeiro álbum, Murta falou sobre o seu novo single 'Respeitar' e revelou um pouco do percurso que fez até aqui e do que o motiva.

"Não quero ser só um tipo que teve uma música gira"
Notícias ao Minuto

28/06/19 por Sara Gouveia

Cultura Murta

A música não foi uma paixão imediata, chegou-lhe depois de uma lesão de desporto e foi ocupando um lugar de maior destaque na sua vida a pouco e pouco. Apesar de saber tocar piano desde os 12 anos, só mais tarde percebeu que era a forma ideal de "passar uma mensagem" e mostrar ao mundo quem é e o que vê.

Arriscou uma participação no 'The Voice Portugal' como forma de fazer "um chamar de atenção", tendo conseguido chegar à gala final do programa. Depois disso seguiram-se dois anos de paragem, que considera terem sido de extrema importância e necessário para perceber o que realmente queria fazer. 

Aos 20 anos, Murta, nome artístico de Francisco Murta, chega à música portuguesa com uma capacidade de análise do que o rodeia madura e algo inesperada para a sua tenra idade. A caminho do primeiro álbum lançou dois singles de estreia este ano, 'Porquê' e 'Respeito' e para a futuro garante: "Não vou desaparecer, porque esperei pelo momento certo para fazer isto".

Que idade tinhas quando fizeste a primeira música? Era sobre quê?

Estava a aprender a tocar guitarra na altura e estava com um amigo meu a tocar na rua, sentados nuns bancos e lembro-me muito bem, tinha uns quinze anos. Era sobre uma cadela abandonada que encontrei na rua. Chamava-se ‘Yoko’, porque sou muito fã de John Lennon e fazia sentido. Mas não era assim nada de extraordinário. Dizia qualquer coisa como: “Estava a andar, estava a passear e no luar eu vi o porquê. Yoko, Yoko, Yoko, porque é que foste embora”, porque entretanto acabou por sair de perto de nós.

Sempre foi um sonho a música ou foi-se tornando o caminho a seguir aos poucos?

Foi-se tornando um caminho a seguir aos poucos, sem dúvida. Porque não nasci com a música, ou se calhar sim, mas já a descobri mais tarde. O que queria era passar uma mensagem e quando me apaixonei pela música percebi que era a forma ideal de chegar a um número grande de pessoas, por isso comecei a apostar nisso.

Não penso se quero fazer isto até morrer. Quando quero dizer alguma coisa penso em fazer uma música, mas daqui a 10 anos posso estar a esculpir ou a pintarVais fazer 21 anos em agosto, com esta tenra idade já consegues ter a certeza de que esta é a carreira que queres seguir?

Não, nem penso em mim como um músico, penso em mim como um artista e para mim a música é a maneira mais fácil que tenho de me expressar. Nem penso se quero fazer isto até morrer. Quando quero dizer alguma coisa penso em fazer uma música, mas daqui a 10 anos posso estar a esculpir ou a pintar, não me surpreende, porque se for isso que sinto naquele momento vai fazer sentido para mim. A música para mim tornou-se um veículo porque percebi que tinha sensibilidade para o fazer e porque foi uma coisa que veio ter comigo. Foi uma coisa natural e percebi que podia ser uma arma gigante e que era por aí que queria começar, mas acho que me vai levar a outras coisas - há os videoclipes, onde posso pôr o que quiser, posso jogar com a capa do álbum, a nível de cores, com o nome que lhe escolho dar, é tudo arte e tudo serve para expressar alguma coisa.

E o que é que queres dizer? Até agora lançaste dois singles -  ‘Porquê’ e ‘Respeitar’ - pretendes lançar um álbum, mas qual é a mensagem que pretendes passar?

São várias mensagens. No caso do meu último som ‘Respeitar’, por exemplo, quero dizer que as pessoas têm de se respeitar a si próprias primeiro, antes de serem respeitadas. 

Sou muito apaixonado pela vida e por tudo o que ela traz: as sensações, as ligações, as pessoas, o mal, o bem, os contrastes e o meu primeiro álbum vai falar de algo que sinto que não está bem aos olhos das pessoas, mas que toda a gente consegue ver. 

Mais para a frente vou falar mais de mim e de quem sou no meu interior, mas para já quero começar por expressar aquilo que vejo do que me rodeia, fazer uma chamada de atenção. As pessoas vão ouvir linhas minhas que as vão pôr a pensar. Vou falar de coisas com as quais não concordo. Da diferença, por exemplo, porque vejo que as pessoas se escondem porque são diferentes, porque têm medo de ser gozadas, quando na realidade têm é de aparecer pela diferença, têm alguma coisa a acrescentar. Vou falar do espírito de sacrifício, também. Sobre tudo o que sinto que pode ser melhorado e que não é difícil, é tudo uma questão de mudança de mentalidade.

Agora é que tenho de trabalhar, os outros acham que isso pode esperar até serem mais velhos, mas para mim agora é que conta porque agora é que estamos a montar uma vidaMas achas que esta geração ainda tem espírito de sacrifício?

Acho que está a desvanecer muito. Eu tenho muito espírito de sacrifício, aliás é dos valores a que mais dou importância e que acho que é das coisas mais bonitas de atingir, querer tanto uma coisa e ter tanto medo de a perder que se sacrifica tudo por ela. 

O que sinto é que hoje em dia o pessoal é muito mais desleixado, cola-se mais e agarra-se mais à família, por exemplo, e eu não penso assim. Agora é que tenho de trabalhar, os outros acham que isso pode esperar até serem mais velhos, mas para mim agora é que conta porque agora é que temos mais energia, estamos a montar carreiras, estamos a montar uma vida, isto não acaba amanhã, ou pode acabar, mas não penso viver só até ao próximo ano, espero durar até aos 40, pelo menos, [risos] e não quero ser só um tipo que teve uma música gira.

O problema é que as pessoas precisam de se agarrar a algo e não estão a conseguir encontrar isso. 

Voltando um bocadinho atrás. Se não fosse a lesão que fizeste poderíamos estar a olhar para um jogador de futebol em vez de um músico, correto?

[Risos] Não sei. Acho que tudo acontece por uma razão. Nunca se sabe, adorava jogar à bola e tenho mesmo muitas saudades. A música já existia antes do futebol, mas consegui aprofundá-la quando parei e tive de me concentrar em alguma coisa. Nessa altura evoluí muito e isso influenciou muito o facto de ter querido ir à televisão, de ter criado bandas e ter evoluído no estilo. Mas se não tivesse ficado lesionado e parado garanto que não estaria ao mesmo nível artisticamente e, por consequência, nada do resto teria acontecido, provavelmente, mas não sei.

Foi muito importante perceber que não é tudo muito bonito, só tem de parecer e que isso é o mundo do espetáculoConsideras que os ‘DamnFATG!’ - a banda que criaste com os teus amigos - desempenharam um papel importante no músico que és hoje em dia?

Fogo. Os ‘DamnFATG!’ criaram-me. Tanto ao vivo como a escrever, foi nessa altura que comecei a melhorar. Éramos todos irmãos. Estar a fazer algo que amas com alguém que amas faz-te crescer e foi isso que me aconteceu. Cresci com os ‘DamnFATG!’, crescemos todos. Uns ainda seguem a música, outros não, mas todos usamos, ainda hoje, algo que aprendemos nessa altura.

Mas depois decidiste continuar a solo...

Fazia sentido. Eu tinha uma mensagem tão pessoal para passar. Queria falar sobre a minha perceção do mundo e as minhas sensações e não conseguia fazer isso em grupo. Primeiro porque o meu signo é virgem, e somos muito individualistas e perfecionistas, e, portanto, logo aí não dava, depois sentia que queria fazer esta caminhada sozinho.

Quero só que me deixem mostrar o que acho, o que vejo e o que sinto.

Como foi a tua passagem pelo Hot Club, em 2016?

Foi muito curta, mas muito bom. Queria muito ter acabado o primeiro ano. Estava em Voz e Piano - Iniciação e aprendi muita coisa e é bom ter contacto todos os dias com alguém que faz o mesmo que eu e que gosta do mesmo que eu. Não foi fundamental passar por lá, mas foi muito importante. Ajudou-me a perceber a música, a perceber melhor a visão de que o jazz - pelo menos como é ensinado lá - é um género muito fechado. É passada a ideia de que tudo o que não é jazz é rock, e não gosto nada disso. Mas tive de o aprender para chegar a essa conclusão, para perceber isso. Tudo se usa, faço arte consoante o que aprendi.

Ao mesmo tempo em que estavas no Hot Club resolves inscrever-te no ‘The Voice’. O que é que essa experiência significou para ti e para a tua carreira?

A experiência significou imenso. Significou eu dizer às pessoas ‘estou aqui’, ‘há aqui um gajo que se chama Francisco Murta e que canta, estejam atentos’, foi um chamar de atenção. E depois ensinou-me também perceber como funciona o backstage e a prontidão dos diretos, andava tudo a correr. Era tudo tão imperfeito, mas tinha de aparentar estar perfeito. Foi muito importante perceber que não é tudo muito bonito, só tem de parecer e que isso é o mundo do espetáculo. Consegui perceber posições de palco, luzes, conheci muita gente lá, mesmo da equipa técnica, pessoas do som com quem ainda hoje de me dou e com quem partilho ideias. Aliás, conheci o 54Studio, o produtor do meu primeiro single, do ‘Porquê’, no ‘The Voice’ era assistente de câmara no programa. Nunca o iria conhecer se não fosse a minha passagem por lá. 

Vi coisas muito feias, do estilo dizerem às pessoas que iam deixar de lhes dar tanto destaque porque tinham menos seguidores nas redes sociais

O que é que te desiludiu no programa?

Boa pergunta, gostei. Perceber que não se trata só de talento. Para mim há três coisas que te levam a atingir o que queres: espírito de sacrifício, vontade e trabalho. Depois o talento o que faz é ajudar a elevá-las. Eu trabalhava e tive sorte porque pegaram em mim visualmente, gostaram e resultou. Mas vi coisas muito feias, do estilo dizerem às pessoas que iam deixar de lhes dar tanto destaque porque tinham menos seguidores nas redes sociais, por exemplo, e isso não faz qualquer sentido, desiludiu-me muito. Mas pronto, acabei por ganhar calo, agora já não me surpreende. 

Chegaste à gala final, mas acabou por ganhar o Fernando Daniel. Não sentiste ter ‘morrido’ na praia?

Nada disso. Ele trabalhou imenso e merecia aquilo, tem um vozeirão, imenso talento e alguém tinha de ganhar. Apesar de querer ganhar, hoje em dia não me dói nada, aceitei e replaneei. Para ser sincero ainda bem que não ganhei, porque estive dois anos parado - de 2016 a 2018 -  e se ganhasse e tivesse logo um contrato com uma editora não ia correr bem, porque não sabia o que queria. Ia fazer o quê? Cantar ‘Georgia’s’? Esse tempo foi necessário. Cresci. Em 2017 tive quase 200 concertos, de Norte a Sul, e foi muito importante. E senti que quando a Universal finalmente assinou contrato comigo foi por mérito e eu aceitei porque foram as primeiras pessoas que senti que acreditavam no que eu fazia e isso era tudo o que eu queria. Claro que calhou bem que quem acreditava em mim tivesse uma estrutura boa para me apoiar.

Como foi trabalhar com a Áurea?

Foi bom. Obviamente que aquilo não é como parece. Nós não estávamos todos os dias juntos. Ela dava-me muitas dicas, falávamos ao telemóvel quando havia galas e tirava-me dúvidas. Deu-me vários conselhos em relação ao Hot Club, lembro-me na altura de me estar a ficar mais contaminado com a mentalidade fechada que me foi ensinada e chamou-me a atenção de que quem não fazia jazz também era fixe, que cada um tinha o seu lugar e isso guardo ainda hoje, porque tinha razão.

O que pensas sobre esse tipo de concursos?

Não gosto, nem sequer me identifico com esse tipo de coisas. Adorei a minha experiência mas, especialmente agora, não queria. Não gosto, não vejo.

Festival da Canção? Já pensei nisso, até tenho um som lindo para isso. Mas não vai acontecer nem com esse som, nem nos próximos tempos

Mas eras capaz de participar num Festival da Canção, por exemplo?

Como compositor e intérprete, sim. Já pensei nisso, até tenho um som lindo para isso. Mas não vai acontecer nem com esse som, nem nos próximos tempos. Porque ainda não sinto estar preparado para isso ou que vou preencher alguma lacuna, ainda falta muita coisa. Nós ganhámos por mil coisas, mas se há coisa que eu sinto sobre o ano em que ganhámos é que a música tinha verdade e isso deixou toda a gente admirada. E, por isso, quando eu sentir que as pessoas dão mais valor, então, nessa altura se calhar apareço. Mas até lá o meu trabalho vai continuar a ser feito.

Não quero que as pessoas me sigam, quero que me oiçam. Não quero ter mais seguidores no Instagram do que ouvintes no Spotify, isso não faz sentidoQual é a tua relação com as redes sociais e achas que são uma ferramenta indispensável para a música que é feita nos dias de hoje?

Acho que Portugal está a evoluir de uma maneira incrível, as redes sociais estão a ajudar muito porque dão mais exposição. As pessoas começaram a ir ver o que é feito lá fora, mas também começaram a reter o que se faz cá dentro. Claro que me ajuda o facto de ao partilhar uma fotografia nas redes sociais de uma capa de um single a avisar as pessoas de que já está disponível ter um alcance de 40 mil pessoas. Mas pode nem sempre ser positivo. 

Obviamente que as redes sociais deram um ‘boost’ na arte em geral, mas faço questão de o usar como uma ferramenta de trabalho. Passo uma média de 20 minutos por dia no Instagram, por exemplo, não quero mais que isso. O número de seguidores é uma ferramenta, não são uma medalha. Um artista não é melhor por ter mais seguidores nas redes sociais. Não quero que as pessoas me sigam, quero que me oiçam. Não quero ter mais seguidores no Instagram do que ouvintes no Spotify, isso não faz sentido. Uma pessoa adapta-se, porque quero fazer disto vida e não sou burro, mas combato contra isso. É usar uma ferramenta para fazer o mal para fazer o bem.

Sei que não gostas que te façam esta pergunta. Mas se tivesses de nomear alguns artistas que agiram como grandes influências para ti, quem seriam?

Chet Baker na sensibilidade musical. Na voz, Ady Suleiman, Nai Palm também gosto muito, Matt Corby… agora ando mais a escrever do que a ouvir música, mas tenho andado a ouvir coisas muito boas. Ontem ouvi um grande som do Bas com o JID, por exemplo, mas no carro ando a ouvir mais 6LACK, a ‘East Atlanta Love Letter’, mais por aí. Tenho tentado descobrir coisas novas, novos sons, não gosto de ficar preso. A última música que pus a tocar no Spotify foi a ‘What are you so afraid of’ do XXXTentacion, que é um som lindo. 

Posso dizer ainda um tipo que foi muito importante para a minha evolução enquanto ouvinte, porque eu ouvia um tipo de música e ele mostrou-me que havia mais, mesmo dentro do que ele fazia, porque trazia fusão, que foi o Mac Miller. E doeu muito ele não ter cá ficado porque para mim foi mesmo importante. Inspirou-me em quase todos os aspetos enquanto artista.

No início do ano saiu o single ‘Porquê’ e agora lançaste o single ‘Respeitar’. Como está a ser a resposta do público?

Tem sido, em geral, muito positiva. A ‘Porquê’ foi muito bem recebida, mas era um som de amor por isso é normal. Lancei agora o ‘Respeitar’ também para mostrar outra parte minha e para servir de alerta de que não ia só fazer o estilo de música do primeiro single e para perceber se o público me aceita nesse papel, não quero mostrar só coisas iguais porque essa não é a minha verdade, são tudo vibes, tanto baladas ao piano como músicas de redor de fogueira à guitarra ou coisas mais cruas.

Podem acreditar que não vou desaparecer, porque esperei mesmo pelo momento certo para fazer isto Para quando um álbum?

O lançamento deve ser anunciado depois do verão. Já está pronto, as músicas estão feitas, as letras estão escritas, mas o álbum ainda não está perfeitamente terminado. Um álbum tem de se tratar com carinho e por isso demorei o meu tempo, mas já estamos a dar os últimos retoques.

És um grande adepto do Sporting, podemos esperar uma música dedicada ao clube no futuro?

[Risos] Se eles quiserem fazer uma parceria! Eu gosto muito do Sporting, é do caraças. O que eu gosto mais é que é um clube que faz com que os adeptos sejam mais capazes de enfrentar a vida, porque por acaso este ano estivemos muito bem, mas um tipo não ganha um campeonato há 20 mil anos mas estamos unidos ali na mesma. É o amor e isso é bom.

Quais são os próximos passos do Murta? O que é que os fãs podem esperar num futuro próximo?

Muita música, faço música todos os dias, concertos naturalmente e quando lançar o álbum mais ainda. Podem acreditar que não vou desaparecer, porque esperei mesmo pelo momento certo para fazer isto. Por isso, estejam atentos e oiçam com atenção.

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