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"Dizem que sou um herói e uma lenda, mas eu não me sinto uma"

O ciclista profissional britânico, Sir Bradley Wiggins, é o entrevistado desta quinta-feira do Desporto ao Minuto. Com um currículo que conta com oito medalhas olímpicas, casos que ligaram o seu nome ao doping, conquistas no Tour de France, agora, em exclusivo, em declarações partilhadas pela Eurosport, dá-nos a sua perspetiva sobre os Mundiais de Ciclismo, mas também sobre temas muito pessoais.

"Dizem que sou um herói e uma lenda, mas eu não me sinto uma"
Notícias ao Minuto

26/09/19 por Notícias Ao Minuto com Eurosport

Desporto Bradley Wiggins

Sir Bradley Wiggins, ciclista que durante anos fez a delícia dos adeptos da modalidade, traça esta quinta-feira, em declarações exclusivas ao Desporto ao Minuto, concedidas pela EuroSport.

Num registo que oscila entre o percurso pessoal e profissional, o corredor britânico diz-nos quem são para si os favoritos à vitória nos Mundiais de Ciclismo, mas aborda também temáticas mais pessoais.

Confira a entrevista abaixo.

Como é a sua relação com Dave Brailsford, antigo diretor técnico da Federação Inglesa?

As pessoas pensam que eu o crítico, mas não é isso. Estivemos juntos nos Jogos Olímpicos de Atenas e costumávamos chamar-lhe Dave Mugabe, o 'ditador da performance' e pensámos em comprar-lhe um roupão. Tínhamos essa relação e tratávamo-lo como um irmão mais velho. Agora dizemos coisas publicamente e elas são reportadas como se os estivéssemos a criticar mas isso faríamos na cara dele, como no passado, e por isso ele é tão bom.

Vê a relação dos atletas com a imprensa como uma obrigação do ciclista moderno?

Costumava dizer o que pensava, mas também costumava meter-me em apuros por causa disso, esse era o meu problema. És visto como imprevisível, como demasiado descontraído, uma pouco chocante, mas agora toda a gente diz o politicamente correto. Ainda assim, eu dizia o que queria, e isso amplificava a minha fama pública. Amplificava ou fazia as pessoas odiarem-me mais. Sempre quis simplesmente ser eu próprio e continuo a ser assim, como este ano na moto no Tour de France, como comentador. Eu prefiro ser eu, não porque queria ser chocante, imprevisível ou imprudente. Considero-me bastante inteligente, mas não um intelectual que diz as coisas de forma pomposa. Também tenho a habilidade de não me importar com nada e ser estúpido como tudo.

Notícias ao MinutoBradley Wiggins com a medalha de 'Sir'© Reuters

O que mudou desde que deixou a ribalta do ciclismo?

A mensagem que tenho tentado fazer passar, é de que eu não me acho, de maneira nenhuma, especial. As pessoas vêm ter comigo e dizem que sou um herói e uma lenda, mas eu não me sinto uma. Eu tenho problemas de 'amor-próprio' e estou a tentar perceber quem sou. Só fui louvado, na minha vida adulta, quando conseguia atingir alguma coisa. Como ainda estou no ciclismo, as pessoas entendem que ainda sou a mesma pessoa de há sete anos, não apenas o público, mas também certos jornalistas que chegam com a ideia de que eu sou temperamental ou a mesma pessoa de há alguns anos.

Eu fui inspirado por todas aquelas pessoas de quem falo agora, adoro o ciclismo e os seus feitos dizem-me mais do que os meus próprios. Eu fico feliz de que o que eu consegui tenha significado algo para alguém, mas se alguém diz 'tens de polir aquele troféu todos os dias' ou 'tens de manter essa medalha num sítio seguro', saibam que eu não o faço, que mantenho tudo em sacos de plástico. As pessoas assumem que é isso que faço com os troféus que ganhei. Eu parti o meu troféu de personalidade do ano, parti a minha medalha de cavaleiro (Sir) à frente dos meus filhos para lhes provar um ponto, para lhes mostrar que não é o objeto que polimos o resto da vida que eleva o pai ou a nossa casa a algo especial. Isso não é ter sucesso. O sucesso foi que eu me apliquei em algo, sacrifiquei tanto. Não vivo do que consegui, não preciso dessa valorização, não preciso que as pessoas venham ter comigo para me louvar e me fazerem sentir bem. Eu encontro isso noutros sítios, se não estava lixado.

A minha personalidade amplificou a fama da personagem que estava a representar. Sempre senti a necessidade de representar. Agora sou normal, tenho um cérebro, não sou presunçoso, como seria suposto. Tenho defeitos, tive muitos problemas na vida pessoal, mas não quero uma medalha por isso. Não quero a simpatia de ninguém porque há pessoas com vidas muito complicadas. A sociedade mudou e agora podes ajudar as pessoas a terem um bocadinho de esperança ao saberem que outras pessoas estão a passar pelo mesmo.

Vai ajudar Campenaerts nos Mundiais?

Curiosamente, talvez vá ajudar o Victor. Gostava de observar o que ele está a fazer porque me pediu uma forma de ele se ajudar a ele próprio. Disse-lhe que o precisava de observar no aquecimento e noutros aspetos. Por isso, irei como observador, tentando ajudá-lo com alguns pontos de vista para o próximo ano. 

E no contra-relógio, quem é o favorito?

Penso de novo na Vuelta e no Primoz. Acho que com a sua personalidade não o vai deixar escapar por cinco ou seis dias. Ele sempre foi dominante no contra-relógio.

Quem são os favoritos na corrida de estrada?

Será que Van der Poel é demasiado favorito? Estou a pensar no Philippe Gilbert e no Van Avermaet. Estes dois tipos têm experiência e o Gibert... todos os anos me continua a impressionar. Continua a ser a mesma pessoa. O Michael Matthews está a ir bem, parece magro e forte. Há tantos. O Ben Swift vai estar nos lugares cimeiros. 

E Peter Sagan

As pessoas vão desvalorizá-lo, mas nunca devem fazer isso. Curiosamente, ele não fez a Volta a Espanha. Fez um percurso diferente. 

Fazem falta vitórias na estrada? 

Eu nunca me considerei um corredor de um dia só. Olhava sempre para o panorama geral e tentava dar o meu melhor e não ser imprudente. Por isso, Geraint Thomas deu-me um fato porque provavelmente achou que tinha potencial para ganhar. Mas sempre senti que tinha os contra-relógios e que podia ganhar. Esse sempre foi o meu objetivo e era sempre difícil sair do processo de concentração do contra-relógio para depois ir para a estrada. Na verdade, ninguém conseguia fazer isso. Talvez o Cancellara tenha sido um dos últimos a realmente tentar. O contra-relógio é verdadeiramente cansativo, a concentração que é necessária e tudo mais. No ano em que fui segundo em Copenhaga, sabia que iríamos sempre trabalhar para Cavendish, por isso estava com objetivos mentais diferentes.

Que chances tem Lizzie Deignan

As pessoas continuam a perguntar-me 'será que ela pode vencer?'. Acho que não importa. Ela já é uma estrela nacional e já fez tanto pelas mulheres no ciclismo. A minha filha idolatra-a desde os 12 anos. Ele conseguiu chegar onde chegou sendo a Lizzie e dando o seu melhor, foi-se embora e teve um bebé e as pessoas perguntam se o ciclismo feminino ficou melhor? O Phil [o marido] retirou-se do ciclismo, da equipa Sky, para se tornar pai porque ela agora pode ganhar mais dinheiro no ciclismo. Os Mundiais são em Yorkshire, ela é uma estrela nacional e as pessoas só a querem ver. Tenho a certeza que fará o seu melhor. Além de tudo, ela é mãe - é incrível que as mulheres consigam fazer as duas coisas. Parabéns ao Phil por a ajudar.

Notícias ao Minuto© Getty Images

Como é a vida depois do ciclismo?

Acho que há um certo sentimento de vergonha nisso. Somos percepcionados como atletas magníficos, fortes, mentalmente fortes e é muito difícil para uma pessoa com uma mentalidade de atleta dizer 'não o quero fazer mais. É um pouco duro, quase que sentes que tens de justificar porque é que não queres continuar a fazê-lo. É uma pena, porque eu tive de o fazer nos JO do Rio quando as pessoas dizem 'porque é que pensas assim? Achas que conseguias continuar e fazer mais?'. Eu tive de responder: "A minha família precisa de mim, preciso de sair, ser marido e pai". Acho que não há nada de errado em querer isso.

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