"Encaro a política como uma missão, não como uma carreira"
Miguel Matos, o deputado mais jovem da nova composição da Assembleia da República, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.
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Política Miguel Matos
A entrevista com Miguel Matos aconteceu poucos dias antes de tomar posse como deputado na Assembleia da República. Apesar de jovem, o socialista já não é novo no mundo da política. Aos 14 anos inscreveu-se na Juventude Socialista (JS). Licenciou-se em Filosofia, Política e Economia em Londres, onde acabou por "ajudar o Labour". De volta a Portugal, há dois anos foi convidado para ser assessor económico de António Costa, função que acumula com a liderança da Federação da Área Urbana de Lisboa da JS.
Diz querer ser no Parlamento uma voz progressista, ecologista e de Esquerda, prometendo não largar sobretudo três prioridades: o combate às alterações climáticas, o combate ao trabalho indigno e a habitação com dignidade.
Miguel vê na política uma forma de corrigir injustiças na sociedade e é esse sentido de missão que o guia, não uma carreira. Lembra ainda que ser político também tem os seus custos.
No PS, garante, não se arruma numa ala ou noutra, nem crê que haja alguma divisão. Mas no Parlamento sabe bem com quem não beberia uma cerveja.
Tem 25 anos e acumula experiência política como “gente grande”, na Juventude Socialista, na Assembleia Municipal de Cascais, como assessor económico do primeiro-ministro e agora como deputado da Assembleia da República. Em que momento é despertou para a política e por influência de quem ou do quê?
Não me recordo propriamente de um momento que tenha sido chave para me interessar pela política. Em casa ninguém era militante partidário, não se discutia muita política à mesa, mas havia valores de serviço público e de humanismo. Desde muito novo percebi que havia uma enorme possibilidade na política de concretizar uma sociedade diferente. Antes de fazer 14 anos, fui ver um conjunto de diferentes programas. Aquele que me interessava mais era o do PS e, portanto, pedi à minha mãe para me levar à sede da Juventude Socialista, no dia em que fiz 14 anos, para entregar a ficha. Aí começou. Depois houve um conjunto de momentos que aguçaram o meu interesse pela política.
Nomeadamente?
A crise de 2008 e depois todo o período da troika. Para mim tornou-se claro que o capitalismo sem regras não funcionava e que precisávamos de ter uma intervenção do Estado que fosse inteligente, que fosse social, de forma a termos uma prosperidade mais partilhada e mais sustentável.
Aos 14 anos, quando se decidiu inscrever na JS, que certezas é que tinha da política?
Não tinha nenhumas …
… estava completamente certo de que o PS era o caminho a seguir?
Interessava-me e queria poder dar o meu contributo, que não sabia qual era, para que as coisas fossem diferentes. Também conseguia perceber que tinha crescido com um conjunto de oportunidades e de privilégios que um conjunto muito grande de outras pessoas não tinha tido e que era necessário fazer algo de diferente. Fui sem saber aquilo que poderia dar mas com muita vontade e muita convicção em poder dar esse contributo e poder transformar a sociedade através dessa ideia do socialismo através da Juventude Socialista.
O PS pareceu-lhe a melhor hipótese para concretizar essa transformação na sociedade?
Sim. Em 2008 estávamos num período de governação socialista e se hoje também tenho a capacidade de discernir um conjunto de coisas que possivelmente fazia diferente, mantenho uma visão de que foi um período muito rico em reformas na nossa sociedade e que permitiu a Portugal crescer mais, crescer de forma mais inclusiva e ter serviços públicos melhores. E isso era atrativo na altura. De todos os partidos, vi o PS como o partido que estava a concretizar uma visão de sociedade mais alinhada com os meus valores.
Li que a primeira casa do Miguel situava-se perto da Assembleia da República. Esse facto traz-lhe agora alguma memória?
Quando nasci os meus pais moravam lá. Foi a primeira casa deles enquanto casal. Mas muito novo, saímos de lá. É uma coincidência engraçada mas a terra com a qual tenho raízes é a Parede.
Licenciou-se em Londres em Filosofia, Política e Economia. Que portas é que essa experiência lhe abriu no caminho traçado até aqui?
Ter oportunidade de estudar no Reino Unido e de sair de casa dos meus pais aos 18 anos foi uma experiência incrível. Em primeiro lugar, obrigou-me a ser completamente autónomo, obrigou-me também a conhecer um novo grupo de amigos, formar laços com outras pessoas. E também me permitiu frequentar esse curso que é muito interdisciplinar, que junta as diferentes áreas da política, da economia e da filosofia, todas elas se tocam mutuamente. A política precisa da filosofia para poder ter um fundamento e uma substância, e a economia nasceu da política. Aliás, a primeira designação para o estudo da economia era economia política. Para mim fazia todo o sentido estudar este curso interdisciplinar e aprendi muitíssimo nesta partilha de saberes.
Tive experiências riquíssimas na associação de estudantes e nos movimentos ativistas de Inglaterra que me deixaram também uma forma um pouco diferente de encarar a política e que me alertaram também para um conjunto de causas, nomeadamente a propina zero que depois, cá em Portugal, entretanto temos vindo a defender na JS. Foi uma oportunidade de conhecer outras ideias políticas que foi muito interessante.
Nunca tive dúvidas de que era em Portugal que queria fazer política e contribuir para o país
Foi então no Reino Unido que iniciou a sua participação ativa na política?
Tive uma participação ativa lá. Mas quando me filiei aos 14 anos, passados dois anos, fui escolhido para ser o coordenador nacional dos estudantes do ensino básico e secundário da JS e conseguimos construir uma organização que tinha núcleos em diferentes distritos. Quando fui para lá tive, de certa forma, de recomeçar e cá ficou um bocado em suspenso. Lá, tive uma participação ativa na associação de estudantes. Ajudei, na medida do possível, o Labour [Partido Trabalhista]. E achei isso como uma experiência de aprendizagem interessante. Depois voltei. Mas mantive-me sempre ativo no PS e na JS. Nunca tive dúvidas de que era em Portugal que queria fazer política e contribuir para o país.
Houve muita coisa de que eu abdiquei, naturalmente, para poder fazer política
O facto de ter despertado para a política tão cedo e de estar envolvido em tanta coisa fez com que tivesse perdido alguma coisa da adolescência? Estava a pensar em noitadas, por exemplo.
Fui um jovem como qualquer outro, fiz noitadas, tive os meus momentos de diversão, naturalmente. Não me retirei da sociedade para fazer política, mas é importante também dizer-se que fazer política tem um custo a nível de tempo que deixamos de passar com os nossos amigos, as nossas namoradas, a nossa família. Houve muita coisa de que eu abdiquei, naturalmente, para poder fazer política. Hoje em dia, se fizesse outra vez, não faria de forma diferente. Perdi muitas coisas giras. Por exemplo, deixei de fazer teatro que era uma coisa que muito me interessava. Mas, por outro lado, ganhei a oportunidade de participar politicamente, contribuir, e nalgumas coisas acho que isso já fez a diferença e pode vir a fazer a diferença no futuro.
Recusava sempre um jantar ou uma saída?
Não, não recusava. Até porque a política faz-se muito de estarmos junto com as pessoas, a conversar. Naturalmente que essas saídas acabam por acontecer mais com o grupo de amigos da política do que com o grupo do curso. Teve os seus custos. Mas são custos bem-vindos. Faz parte.
Quero ser no Parlamento uma voz progressista, ecologista e de esquerda
Chegados aqui, com o que é podemos contar do Miguel enquanto deputado nos próximos anos?
Quero ser no Parlamento uma voz progressista, ecologista e de esquerda e isso significa em concreto ter três prioridades que queremos imprimir e levar as causas e os desafios da nossa geração ao Parlamento. Não só fazê-las serem ouvidas, mas concretizar soluções para que possam ter respostas concretas. Se a política não der soluções, só acaba por gerar desilusão e de desilusão já basta na sociedade - e isso gera a abstenção que também é conhecida.
As prioridades são: combater as alterações climáticas. Do meu ponto de vista, é uma crise existencial para a nossa geração. Podemos ser a primeira geração que enfrenta um planeta inabitável; combater o trabalho indigno, tanto a precariedade como os baixos salários, como as dificuldades de conciliação de vida pessoal. Há muita gente da nossa geração que tem de trabalhar horas sem fim, e isso tem que se procurar limitar.
E também a habitação com dignidade, concretizarmos a construção da habitação pública e os instrumentos que estão previstos já na lei para que de facto haja habitação a custos acessíveis para as pessoas poderem sair de casa dos pais, ter um projeto de vida, constituir família, se essa for a sua vontade. Temos já uma agenda forte que é muito exigente e da qual não devemos abdicar. É importante que nesta legislatura, depois de termos devolvido os salários e os rendimentos, consigamos ter ganhos concretos para a nossa geração.
Cabe-me exigir que não deixemos de concretizar soluções e mais ambição para que os jovens possam encontrar em Portugal as condições para realizar o seu projeto de vida
Essas três prioridades que enumerou, acha que foram até agora esquecidas?
Não acho que essas prioridades tenham sido esquecidas. Vejamos: Hoje em dia temos em Portugal um roteiro para a neutralidade carbónica que nos diz claramente o que temos de fazer para em 2050 sermos neutros em carvão e cumprirmos com o Acordo de Paris. Temos uma reforma do Porta 65 e temos um aumento da dotação financeira que é o programa de apoio ao arrendamento jovem. Temos as residências universitárias a serem construídas, temos um fundo que vai investir na habitação pública que já existe e que está em marcha. No trabalho, temos os estágios do IEFP que foram reformados e que eram uma máquina de produzir estágios precários e que hoje em dia já não o são tanto.
Temos um conjunto de avanços, ao longo dos últimos anos - e se formos olhar para trás temos outros - que nos dizem que os políticos realmente olharam para estes problemas e souberam reconhecê-los. O que eu acho é que enquanto deputado jovem, e o mais jovem deste Parlamento, cabe-me exigir que não deixemos de concretizar estas soluções e exigir que haja mais ambição para que os jovens possam encontrar em Portugal as condições para realizar o seu projeto de vida e que não tenham que emigrar para poderem ter um emprego com um bom salário e uma casa, etc. Isso tudo é possível mas exige de nós nos próximos quatro anos fazer ainda mais e melhor do que tem sido feito.
Acho que António Costa é mesmo uma pessoa extraordinária, uma referência a nível político
O que é que faz um assessor económico do primeiro-ministro? Concretamente, que tarefas desempenha nessa função?
As minhas funções são prestar apoio técnico e especializado na área da economia e das finanças ao primeiro-ministro, o que implica poder dar-lhe uma visão económica e financeira nos vários ministérios do Governo da política interna. Isso implica acompanhar a política pública como também poder apoiar naquilo que é a agenda dele e tudo o que isso implica. Preparar-lhe notas de apoio para as visitas que faz, identificar quais os assuntos que podem ser colocados na agenda e, juntamente com o resto do gabinete, podermos prestar um apoio para que o chefe do Governo possa melhor gerir o Executivo e imprimir as políticas previstas no programa do Governo.
Trabalha diretamente com António Costa?
Sim.
E é fácil?
Ele é uma pessoa muito inteligente, muito bem disposta e com uma visão muito concreta e determinada para o país, com uma capacidade também de ouvir as pessoas e conseguir ter um projeto agregador. Tem sido um absoluto privilégio. Acho que é mesmo uma pessoa extraordinária, uma referência a nível político, mas também pessoalmente. Não só por aquilo que ele fez, mas pela forma como está na política.
Não consegue apontar-lhe um defeito?
Não. Naturalmente que ninguém é perfeito. E ele é uma pessoa. Não quero aqui estar a elencar os seus defeitos. Pelo contrário, devo é falar das suas virtudes que, do meu ponto de vista, são muitas e com as quais tenho tido o privilégio de contactar: o enorme ser humano e político que ele é.
Ninguém é dono da razão, dialogar é sempre uma mais-valia
Foi fã da Geringonça, a solução política encontrada na legislatura passada?
O diálogo que se gerou fez com que pudéssemos ter uma governação estável, uma governação mais rica do que termos optado por uma solução diferente, nomeadamente governarmos sozinhos ou possivelmente termos apoiado uma solução da direita. Ninguém é dono da razão, dialogar é sempre uma mais valia. E aliás, António Costa quando tinha maioria absoluta na Câmara de Lisboa também dialogava com os outros partidos. Acho que se tivermos uma visão plural da política também percebemos que podemos dialogar com partidos que partilham a visão do mundo connosco é uma mais-valia para podermos governar melhor e com mais estabilidade.
Desse ponto de vista, teria sido desejável que a solução se tivesse repetido formalmente na legislatura que agora começa?
Mas essa solução repetiu-se. Aquilo que é o método de trabalho que está a ser neste momento perspetivado para o horizonte da legislatura é em tudo semelhante ao que foi o método de trabalho da legislatura anterior: dialogarmos de forma permanente, haver negociação sobre os Orçamentos do Estado e podermos assegurar a estabilidade política. Quem criou a necessidade de haver posições conjuntas escritas foi o Presidente Cavaco Silva com uma desconfiança face àquilo que era a capacidade de as esquerdas se entenderem. Hoje em dia, quatro anos depois, tendo sido demonstrado que as esquerdas sabem entender-se e chegar a acordo – e chegar a acordo em questões que iam muito além do que estava no papel - faz sentido continuarmos a trabalhar com todos num diálogo em tudo semelhante com o que existiu no passado.
O Bloco de Esquerda é que não gostou assim tanto da opção. Queria o acordo formal …
O Bloco apresentou duas hipóteses de trabalho. Uma delas era o acordo escrito, outra era continuarmos com a metodologia de trabalho de diálogo permanente. Os outros partidos – a Geringonça não foi feita só com o BE – queriam uma metodologia de continuarmos com o diálogo. O BE tinha uns pressupostos para começarmos a negociação com os quais o PS não concordava. Para mim, o que importa valorizar é que perante duas diferentes hipóteses de trabalho, escolhemos uma que nos permite continuar a trabalhar como no passado, com todos e em diálogo permanente.
Posso depreender que o Miguel está mais próximo de Pedro Nuno Santos do que de Carlos César, na forma como se posiciona no partido?
Não acho que haja essa divisão dentro do partido. O PS é um partido plural e, portanto, as pessoas têm diferentes ideias sobre o socialismo e sobre o que deve ser o PS. Não acho que seja correto depreender alas de um lado ou de outro e muito menos atribuir o Pedro Nuno Santos ou o Carlos César a uma ou a outra. O que devemos depreender é que o PS é um partido que defende uma sociedade mais igual, que defende uma sociedade com um Estado Social forte e com uma economia mais inovadora que gere maiores recursos. Identifico-me com isso. Identifico-me com um PS convicto dos seus valores e um PS que não abdica da sua ideologia e de um papel para o Estado na economia, na regulação da economia, na redistribuição de rendimentos, e em promover a inovação para podermos ter uma economia mais próspera. Acho que isso me situa firmemente no PS e nas pessoas que acreditam no socialismo.
Sobre a nova constituição da Assembleia da República, o que lhe apraz dizer sobre os novos partidos que agora se estreiam (Livre, IL e Chega)?
Um democrata gosta sempre de mais partidos e mais diversidade de opinião. Aquilo que me cabe como democrata é felicitar as pessoas eleitas e esperar que essa diversidade possa contribuir para arranjarmos melhores soluções políticas. O crescimento do PAN e a entrada do Livre – partidos que de certa forma partilham traços de uma visão do mundo com o PS – são elementos que nos fazem reforçar a cooperação e o diálogo dentro do Parlamento.
Com a Iniciativa Liberal e com o Chega, tendo em conta que não partilham a mesma visão do mundo, naturalmente acho que o país tem de seguir um caminho diferente [do destes partidos]… Cabe aos socialistas a responsabilidade de mostrar às pessoas que o caminho do país não é uma precariedade e um capitalismo sem regras, não é limitarmos a diversidade e voltarmos para trás com o multiculturalismo que existe em Portugal, mas sim prosseguirmos o caminho de uma sociedade aberta e que utiliza o Estado Social como ferramenta para gerar mais prosperidade e mais inovação.
O que é que significa, na sua visão, o facto de o Chega ter conseguido ‘chegar’ ao Parlamento?
Não quero presumir saber o que eram as intenções dos eleitores do Chega.
Temos de desmistificar e humanizar a política
Mas é um sinónimo do quê?
Para nós tem que nos alertar para uma certa insatisfação com o sistema político e que nos deve motivar a procurarmos arranjar uma forma, não de dignificar a política porque a política nunca perdeu a dignidade, mas de comunicarmos melhor às pessoas que ser-se político é uma tarefa nobre que muitas vezes é feita de forma desinteressada e que precisa de ser feita com absoluto compromisso, com integridade e com um projeto de sociedade. Isso poderá, por vezes, não ter sido comunicado da melhor forma. Poderá haver uma perceção de que os políticos são isto ou aquilo. Temos de desmistificar e humanizar a política e isso também passa pela pergunta como a que me fez sobre o que é que implicou fazer política face a não fazer um conjunto de outras coisas. De facto, estar na política implica um compromisso com ajudar os outros e transformar a sociedade e não com um compromisso com a pessoa se ajudar a si própria.
Essa perceção de que os políticos são isto ou aquilo, e o distanciamento entre os políticos e os cidadãos, é culpa de quem? Não pode ser só culpa de um lado ou de outro. O que é que é preciso fazer para mostrar esse lado digno da política?
Numa democracia, o eleitor nunca tem culpa por não se identificar com o sistema político ou por não gostar dos políticos que tem. O ónus está sempre do lado dos políticos de demonstrarem que estão próximos dos cidadãos e que cumprem com um padrão ético e que estão empenhados em concretizar efetivas mudanças na sociedade. Muita gente acha, por exemplo, que votar num partido ou votar noutro partido é absolutamente igual. Temos que realmente demonstrar que os partidos têm diferenças de ideias e que essas diferenças resultam em diferenças concretas nas políticas que afetam o dia a dia dos portugueses. Isso está a ser feito e tem que continuar a ser feito.
Outra das coisas de que as pessoas se queixam dos políticos é que fazem um conjunto de promessas mas que depois não as cumprem. E por isso acho muito importante o discurso consistente que houve no último mandato - ‘palavra dada, palavra honrada’. É muito importante prestarmos contas ao eleitorado e mostrarmos que se nós não fizemos melhor foi porque não pudemos. Compreende-se que depois de muitos anos em que as pessoas não viram avançar o seu nível de vida e viram os serviços públicos regredir que tenham suspeitas legítimas de que se calhar os políticos não fizeram o melhor que podiam.
E de que são todos iguais …
E de que são todos iguais. O ónus de demonstrar que não é assim está no nosso lado. É uma tarefa que cabe a todos e cabe-me naturalmente agora como deputado.
Há ainda a questão da corrupção a minar essa imagem dos políticos.
Certo. E não devemos ser tímidos em relação a essa questão nem fugir dela. Temos que perceber que há um conjunto de ferramentas que devemos usar para combater a corrupção, uma delas são as leis, outras são as ferramentas técnicas que estão ao dispor do sistema judicial do Ministério Público como dos tribunais para o poderem fazer, como depois todos os procedimentos de prevenção que devem ser adotados. Acho que temos progredido um pouco e devemos progredir mais na prevenção da corrupção dentro da Administração Pública.
Temos visto ultimamente casos, não só a nível governamental mas também da AP em que isso também sucede. E naturalmente temos de assegurar que as ferramentas que já existem no sistema judicial possam ser utilizadas. Aquilo que nos dizem é que já há uma manancial de leis suficiente e que o que é preciso é mais ferramentas técnicas, recursos humanos e meios para poderem combater a corrupção. É nisso que temos de nos empenhar em fazer, dar esses meios às pessoas. E se nos últimos anos têm surgido mais casos de pessoas acusadas de corrupção, isso pode fazer a perceção de que existe mais corrupção, mas para mim dá-me uma segurança: significa que o combate à corrupção está a funcionar. Onde há indícios, está a ser detetado.
Saiu de um debate com o Ricardo Arroja, cabeça de lista nas europeias pela Iniciativa Liberal, um partido que promete fazer uma oposição aguerrida ao socialismo. Conseguiram concordar sobre alguma coisa?
Tenho ouvido muito da IL que a principal tarefa é libertar os portugueses do grilhão do Estado, do grilhão da burocracia. Eu sou 100% a favor de um Estado mais eficiente e que sirva melhor os portugueses. Mas, na minha opinião, os principais grilhões que prendem para trás as pessoas é a precariedade, a desigualdade de recursos, a falta de qualificações, a falta de infraestruturas e equipamentos. As respostas que precisamos para dar mais liberdade às pessoas não é menos Estado, mas um Estado melhor. Um Estado que consiga assegurar às pessoas as condições, os direitos, as oportunidades de realizar o seu projeto de vida.
Concordei com o Ricardo Arroja numa coisa: não quero dizer a ninguém que o projeto de vida dela deve ser x, y ou z. Quero é dar às pessoas as condições para elas poderem decidi-lo e executar esse projeto. Na minha opinião, isso não se faz através de um mercado desregrado e de um capitalismo selvagem, faz-se através de um Estado Social forte e de um Estado que crie infraestuturas e serviços públicos para haver mais inovação e mais prosperidade partilhada na sociedade. Foi uma clara divergência de ideias que acho que não devemos recear. A eleição da IL para o Parlamento convida-nos a fazer um esclarecimento sobre quais são as ideias diferentes entre os nossos partidos.
Em Portugal parece que dá urticária ser de Direita
A Iniciativa Liberal não se classifica como um partido de Direita. Concorda?
Acho isso muito estranho. Em Portugal parece que dá urticária ser de Direita. Rui Rio também diz que não é de Direita. Depois a Catarina Martins diz que é social-democrata. Parece que somos todos social-democratas. Isso se calhar é uma vitória do que foi a ideia base dos últimos quatro anos. No fundo, precisamos de uma economia que não tenha a sua competitividade pelos baixos salários, mas sim por elevar o nível de vida dos portugueses. É uma vitória clara das ideias dos últimos quatro anos. Para mim, o ponto de vista de reduzir o Estado e deixarmos de ter um IRS onde os mais ricos pagam mais e os mais pobres pagam menos (que é uma proposta da IL – taxa única de IRS de 15%) é uma visão de Direita e tentar escondê-lo é enganar as pessoas. Acho que a IL não deve ter medo de se assumir-se como Direita. Não há problema nenhum em ser de Direita.
Nem vergonha.
Nem vergonha de se de Direita. Tal como nós não devemos ter vergonha de ser de Esquerda.
Acho que se deve explorar aquelas touradas que não causam sangue no animal
Sendo a despenalização da eutanásia, a legalização da canábis temas quentes que vão ser discutidos nesta legislatura, qual o seu posicionamento sobre cada um deles.
Sobre a eutanásia, pessoalmente tenho alguma dificuldade em encarar a escolha da pessoa poder terminar ou não a sua vida, mas não acho que caiba ao Estado proibir um suicídio assistido porque de facto reconheço que há condições, que eu neste momento não conheço e que poderiam levar a uma decisão dessas, uma decisão muito difícil certamente.
Do ponto de vista da legalização das drogas leves, também encaro que neste momento temos um mercado clandestino de drogas leves e que muita vezes serve de porta de acesso para o consumo de drogas mais pesadas. E portanto, não só como liberdade de as pessoas consumirem drogas leves, mas como prevenção da toxicodependência com drogas mais pesadas, acho muito importante podermos legalizar o consumo das drogas leves. Temos naturalmente de ter um regime para a sua produção e comercialização, sendo que temos de assegurar que não pomos demasiado ónus, demasiada carga sobre aquilo que é o mercado de drogas leves legal a criar, porque se isso acontecesse continuávamos a ter um mercado clandestino. O objetivo é acabar com o mercado clandestino das drogas leves, então não podemos aqui fazer um mercado legalizado que seja abstruso e excessivamente regulado.
E quanto à abolição das touradas?
Pessoalmente, não aprecio. Percebo que é uma prática que em alguns sítios existe, uma atividade económica. Entidades públicas como a RTP não devem transmitir touradas. Acho que se deve explorar aquelas touradas que não causam sangue no animal. Concordo que a tourada em si, espetar o ferro no touro, é uma prática que não respeita os direitos do animal.
E a solução qual é?
Temos de procurar um caminho em que, respeitando que há uma necessidade de transição de uma atividade económica que existe e que é valorizada por muitas pessoas, procuramos sensibilizar a sociedade que essa atividade não se coaduna com os valores atuais e, ou ela se adapta aos direitos do animal, demonstrando apenas a prática equestre ou, se isso não for possível, seguimos para um caminho em que a tourada acaba por deixar de existir.
Alguns deputados socialistas propunham a solução do velcro.
Há muitas soluções possíveis.
Mas que os aficionados rejeitam.
Os aficionados rejeitam tudo isso. O que é fundamental é, como sociedade, reconhecer que o touro tem direitos e que quando lhe espetam aquele ferro estão a ser violados esses direitos, e a gerar gozo ao ver aquilo. O que não obsta a que haja uma arte equestre que possa ter algum interesse de preservar, mas acima de tudo está o direito do touro. Uma forma que respeite a atividade económica que existe, e de certa forma o apego que ainda há nos aficionados, e que permita a transição para um modelo que respeite os direitos do touro. Se não for possível esse modelo, então temos que caminhar para a eliminação progressiva das touradas.
Até onde vão as ambições do Miguel na política? A este ritmo, vê-se daqui a uns anos como ministro, primeiro-ministro?
Não faço de todo essas futurologias. A minha visão de estar na política é transformar a sociedade porque há um conjunto de injustiças que têm de ser corrigidas. A minha missão é contribuir, como puder, para isso. Enquanto puder contribuir e puder fazê-lo de acordo com os meus valores, estarei empenhadamente na política. A partir do momento em que não o puder fazer, tenho uma carreira fora da política, como economista, a que regressarei, não será com gosto porque significaria que não posso contribuir politicamente, mas com normalidade. Sou economista e encaro a política como uma missão e não como uma carreira.
Terminamos com um exercício. Imagine um longo dia no Parlamento em que o convidam para ir beber uma cerveja. Com quem nunca iria beber essa cerveja?
Com o André Ventura.
Porquê?
[Pensa] Não partilho de todo os valores que ele perfilha para a sociedade e, portanto, não vejo a forma como poderíamos ter uma conversa. A cerveja partilha-se bem é com uma boa conversa.
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